O
aspecto psicológico deve estar sempre presente quanto se trata de valorização
do profissional (agente policial), principal responsabilidade do gestor, comandante
de policiamento preventivo. Afinal de contas, ele trabalha com pessoas, não com
máquinas. Os policiais podem até se apresentar bem equipados, com ótimas
viaturas e armas, e mesmo com salários acima da média do mercado comum de
trabalho, mas sua produtividade não atingirá o nível almejado se não existir um
sentimento de realização pessoal, que por vezes se manifesta em razão de um
pequeno e simples elogio recebido na hora certa: o profissional quer e precisa
ser reconhecido.
O
gestor é o responsável imediato por esse item que passa pelo reconhecimento
interno dos méritos e também pelo equilíbrio e justiça na imposição de sanções
no momento adequado, o que pode representar também a oportunidade de um
redirecionamento profissional. Se o policial é valorizado como indivíduo,
profissional e cidadão, ele se revelará muito eficiente na luta contra o crime
e sua produtividade será surpreendente; o raciocínio inverso também é
verdadeiro.
Ainda, mesmo
inserido em uma estrutura extremamente vertical da hierarquia que caracteriza
um organismo militar, o gestor deve ouvir sugestões de seus subordinados e
buscar colocar em prática as boas ideias recebidas, não somente pelos
benefícios que todos podem auferir, mas também pelo aspecto da valorização do
seu administrado.
Muito
se escreve sobre “gestão participativa” como boa prática do mundo corporativo;
apesar de parecer ousada no meio militar (pelo próprio título apresentado), a
concepção pode ser ajustada à administração militar estadual desde que harmonizada
às prescrições do regime próprio de responsabilidades. Certo que a soma da
experiência dos administrados sempre será maior que a experiência pessoal do
administrador. O importante, nessa
proposta, é o exercício de liderança que viabilize a captação de contribuições
voluntárias em prol do aperfeiçoamento do serviço, sem perda do poder de
decisão. Essa participação respeitosa, de forma bem dirigida, somente valoriza
o exercício de comando, o que é prova de liderança do gestor. Portanto, nenhuma
sugestão pode ser desprezada, ainda que não seja possível ou conveniente
colocá-la em prática no momento presente.
Com um perfeito funcionamento dos mecanismos disponíveis de
motivação e o exercício da liderança, ocorrerá que, a cada prisão realizada, a cada
arma apreendida, ou mesmo a cada captura de indivíduo procurado pela Justiça, o
policial se sentirá responsável pela melhoria das condições de segurança local.
O bom gestor compartilha com o agente cada vitória e sente a necessidade de se
manifestar claramente nesse sentido, a fim de que todos se envolvam no mesmo
sentimento, realimentando uma grande corrente positiva. Os melhores técnicos de
futebol não escondem esse recurso no momento de um gol e se manifestam como se
fosse ele o artilheiro; o time apático perde, enquanto o time vibrante ganha.
O
gestor pode e deve ter a iniciativa dos cumprimentos imediatos, seja pela radiocomunicação seja por telefone em linha fixa ou celular, seja
pessoalmente, seja por bilhetes, e-mail, recados, enfim, por qualquer recurso
de comunicação disponível. Esse cumprimento no momento certo é inesquecível,
pois estabelece uma sintonia fina, consubstanciando a empatia entre líder e
agente. Se não for possível o cumprimento imediato, há que existir empenho em
fazer chegar esse incentivo ao destinatário o quanto antes, preferencialmente
em público, pois, quanto mais próximo do evento originário, maior o seu efeito.
Ainda, a regra básica a ser lembrada pelo gestor é: “críticas em reservado;
elogios em público”.
Apresento
a seguir dois exemplos de posturas de comando para ilustrar as iniciativas ora
defendidas. O Coronel PM Carlos Alberto de Camargo exerceu o cargo de
Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo no período de 1997 a 1999 e,
do seu gabinete na capital paulista, encaminhava bilhetes manuscritos e
assinados com cumprimentos para que fossem entregues às equipes responsáveis
por importantes prisões realizadas inclusive no interior do Estado; tão
importante o gesto, que a 2ª Companhia do 2º Batalhão de Polícia Rodoviária com
sede em Presidente Prudente (oeste paulista) tem até hoje quadros com tais
bilhetes expostos, que foram recebidos por seus patrulheiros após apreensões de
quantidades expressivas de droga na divisa com o Estado do Mato Grosso do Sul e
prisões de traficantes em flagrante delito, ainda na década de 1990. O Coronel
PM Álvaro Batista Camilo, Comandante Geral de São Paulo no período de 2009 a
2012, adotou como uma de suas metas a valorização do profissional policial
militar em amplo sentido; instituiu o “Café com o Comandante”, recebendo para
homenagens os policiais condutores de ocorrências de destaque e também telefonava
aos policiais para cumprimentá-los no dia do aniversário, surpreendendo a todos;
ainda, transmitiu, em diversas ocasiões, ensinamentos quanto às técnicas
possíveis de motivação, inclusive utilizando a expressão acima indicada
(“críticas em reservado; elogios em público”) em uma de suas reuniões com
gestores da região de Bauru (CPI-4), realizada em maio de 2010,
notabilizando-se pelas boas práticas motivacionais.
A partir da experiência diária
de se sentirem vitoriosos por conquistas objetivas (como a retirada de
circulação de criminosos, em especial), os policiais cultivam a saudável
percepção de que “agora, sim, teremos menos delitos” e essa agradável sensação
se repete com os atos de detenção ainda que, racionalmente, se possa concluir
que a luta não tem mesmo fim, por conta de que a cada dia também surgem novos
criminosos ou outros são colocados em liberdade, ou fogem dos estabelecimentos
prisionais, ou mesmo não retornam da “saída temporária” (os atuais beneficiados
do regime semiaberto). O gestor envolvido com as realizações, apesar de sua
maior consciência quanto à efemeridade desses resultados, vibra como um
diapasão, soando no mesmo tom de seus comandados.
Quem vive intensamente o
policiamento preventivo conhece o prazer da realização pessoal como qualquer
profissional que se enche de orgulho pelo bom produto do seu trabalho, seja ele
material ou imaterial. Com o reconhecimento público, esse sentimento de
auto-realização é amplificado. Mesmo que alguém classifique como ilusória essa
celebração de vitória diária certamente não haverá desânimo, pois, ao final de
cada turno, o profissional sentir-se-á realizado com conquistas que representam,
no conjunto da produção operacional das equipes, verdadeiras batalhas diárias
vencidas em um tempo e espaço definidos. Essas vitórias se encontram no
contexto de uma guerra perene contra o crime, que é um fato social.
A prática de atos danosos ao próximo (que o
homem em sociedade classifica como censurável e punível) é característica da
própria espécie humana desde o tempo bíblico em que Caim matou Abel, primeiro
delito de que se tem registro. Portanto,
a analogia da luta em uma “guerra contra o crime” não é uma simples metáfora na
nossa vida em sociedade. Não obstante a polícia moderna caracterizar-se como
“polícia de defesa do cidadão” e defender enfáticamente a solução pacífica dos
conflitos, é verdade que especialmente os policiais militares vivem em situação
de possível confronto armado contra o crime e a defesa do cidadão impõe a
necessidade de uma polícia preparada também para situações extremas.
O
gestor-comandante deve dar o tom e o ritmo do trabalho, obviamente sempre
pautado pela legalidade das ações, na busca constante de soluções pacíficas aos
conflitos; ele precisa se envolver totalmente nesse ideal que será alcançado
sob sua coordenação: deve dizer “vamos em frente” e não apenas “vá em frente”. Junto
a essa postura de liderança, a distribuição planejada do efetivo com prioridade
nas áreas de interesse de segurança pública (AISP) identificadas em prévia análise
criminal (ocorrências recentes), o emprego dos programas de policiamento
adequados a cada espaço e situação, a cobrança de abordagens policiais com
qualidade, criteriosamente desenvolvidas e com técnica adequada, além do
patrulhamento dirigido e identificações realizadas, com uso de tecnologia em
todas as etapas desses processos, são ferramentas que o gestor empregará, de
modo coordenado, para o almejado sucesso do policiamento preventivo. O agente
policial, por outro lado, precisa sentir que é parte importante e indispensável
de um grupo bem sucedido, de uma equipe vitoriosa, sabedor dos fundamentos do
seu emprego (o “por que” de ter sido designado para tal função) e do que se
pretende alcançar com suas intervenções: a imagem do herói consciente é
cultivada dessa forma.
Para motivação contra algum
desânimo em face de eventual sensação de “enxugar gelo”, vale em última
instância até mesmo a observação de que, se não houvesse as realizações
policiais a situação certamente se encontraria algo “insustentável”, “caótica”,
e isso é mesmo verdade, pois somente a presença policial e as suas intervenções
são capazes de dar garantia imediata à estabilidade social nas relações diárias
em face da existência inexorável de condutas delituosas: é o chamado efeito
imediato da prontidão do Estado que, nesse nível, não interfere propriamente
nas causas da criminalidade, de raízes profundas. Ainda como argumento: é
possível mensurar o que foi objeto de detenção, prisão e apreensão, mas não
quais (todos) os delitos que foram evitados; o produto é imaterial nessa última
realização, quase sempre não perceptível e, paradoxalmente, o mais importante
como essência da prevenção.
Ao gestor cabe também esclarecer sobre o objetivo dessas
conquistas diárias no controle da criminalidade pelo histórico local, considerando que avanços
na área da prevenção primária têm o potencial de garantir a sustentabilidade
desse controle. Se o primeiro passo é acreditar na possibilidade de reverter
tendência de crescimento de índices criminais, também é certo que, para que não
ocorram falsas promessas, há que existir a consciência de que se atingirá a
perenidade do controle da criminalidade com a somatória de medidas na área
social e oportunidades de desenvolvimento às novas gerações. Desse modo, o
gestor também se apresentará preparado para demonstrar publicamente que o papel
da polícia está sendo bem cumprido.
Adilson Luís Franco Nassaro
Major PM Subcomandante do
32º Batalhão de Polícia Militar do Interior
(Região de Assis/SP), do CPI-4
(Bauru;SP).
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