quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O transporte de drogas em ônibus rodoviário


Dentre os objetos ilícitos transportados com certa frequência em ônibus rodoviário pode-se afirmar que se sobressaem as drogas, em razão do grande volume apreendido como consequência da ação policial.
Em comum, os crimes relacionados ao transporte são classificados pela doutrina penal como “permanentes”, no que se refere ao período consumativo, diferentemente do crime instantâneo que se consuma num só instante, a exemplo do homicídio, como define Paulo José da Costa Júnior: “Crime permanente é um crime único, em que a conduta e o evento se protraem no tempo. Há um período consumativo, composto de vários momentos consumativos. A lesão ao bem jurídico é contínua, não se interrompe jamais” (Curso de Direito Penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 1.v. p. 7).
E o reconhecimento do constante estado de consumação é importante, pois, na configuração do transporte ilícito, dele decorre que poderá haver prisão em flagrante delito do autor, durante todo o tempo em que durar o seu completo deslocamento até o ponto de entrega. Portanto, o órgão policial competente tem na busca em ônibus rodoviário uma oportunidade ímpar para reprimir atividades criminosas relativamente comuns, surpreendendo o infrator em flagrância delituosa, quando da localização do objeto sob sua responsabilidade, em qualquer momento do transporte.
Posto isto, convém analisar a legislação pertinente e os modos de ação criminosa comuns (“modus operandi”) relacionadas ao tráfico de drogas mediante uso de ônibus rodoviário.
A Lei Federal nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, conhecida como “Lei Antidrogas”, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad, prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e estabeleceu normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, definindo infrações penais correlatas.
A “substância entorpecente” referida na legislação anterior (Lei Federal 6.368/76, revogada), passou a ser identificada simplesmente como “droga”, cuja definição foi dada pelo parágrafo único do art. 1º, da Lei 11.343/06: “consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.
Já o art. 2º da nova lei tratou da proibição das drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvando a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o estabelecido na Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.
Dessa forma, a lei apresenta normas penais em branco, eis que dependem de documentos externos para a qualificação, em primeiro momento, de quais são as substâncias reconhecidas como droga - proibida como regra - e, em segundo momento, da existência ou não de autorização legal ou regulamentação para o seu uso. O documento a que se refere o art. 1º (“listas atualizadas periodicamente”) consiste ainda na Portaria nº 344/98 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, do Ministério da Saúde, atualizada por outras sucessivas portarias do mesmo órgão.
Apesar de ser empregado na linguagem comum apenas o vocábulo “tráfico”, como sinônimo de “negócio proibido”, acertou o legislador quando tratou dos crimes relacionados ao “tráfico ilícito”, eis que “tráfico”, isoladamente, significa “comércio, negócio” (MICHAELIS, Moderno dicionário da língua portuguesa, 2008). Então, o negócio proibido, ou uma ação relacionada a esse negócio, constitui tráfico ilícito. De fato, pode existir “tráfico lícito de drogas”, a exemplo de transporte autorizado de droga de uso controlado, mediante licença prévia, pois, conforme art. 31, da lei nº 11.343/06: “É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais” (grifo nosso)
Quanto às infrações penais, nota-se que a lei estabeleceu tratamento extremamente diferenciado para o usuário dependente de droga, que não está sujeito à pena de privação de liberdade (art. 28, relacionado ao porte), em relação ao traficante (art. 33), que se tornou alvo de pesadas penalidades. A “pena” para quem porta drogas é de: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28); já a pena para o traficante é de: reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Ainda, o art. 44 coloca sérias restrições ao traficante, quando prevê que os crimes do art. 33, caput e parágrafo 1º, e 34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Em ambos os tipos - de ação múltipla - foram incluídas as condutas de “transportar” e de “trazer consigo”. O que distingue o porte do tráfico ilícito é a finalidade, descrita pelo respectivo elemento normativo, ou seja, se a droga é destinada para consumo próprio do agente, ou para fornecimento a outrem. Em qualquer caso, o dolo é essencial, pois não foram previstas modalidades culposas nas infrações penais estabelecidas.
De acordo com o parágrafo 1º, do art. 33, para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal: “... o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Esse texto não existia na lei anterior (6.368/76) e o legislador estabeleceu critérios subjetivos na análise da conduta do agente, para se reconhecer a destinação da droga como sendo para uso pessoal, ou para uso de terceiros.
Na situação de droga localizada em ônibus rodoviário, poderá a conduta do agente ser interpretada como “transportar” ou “trazer consigo”, para “uso próprio” (porte de usuário), ou para destinação a terceiros (tráfico ilícito), dependendo das circunstâncias do caso concreto. Quando o agente traz a droga junto ao seu corpo (por exemplo, nos bolsos), ou em bagagem de mão guardada em baixo de sua poltrona ou no porta-embrulho do ônibus, na direção do seu assento, em pequena quantidade, entendida como tal o suficiente para seu próprio uso, tem-se a convicção de que o agente “trouxe consigo” droga para consumo pessoal.
Nota-se, todavia, que a pequena quantidade de droga encontrada não é fator que impede a prisão em flagrante com base no art. 33, conforme julgado: “A pequena quantidade de droga apreendida por si só, não é suficiente para ensejar a desclassificação do delito, ainda mais quando há outros elementos aptos à configuração do crime de tráfico” (STJ: HC 44119/BA).
Quando a droga é encontrada no bagageiro (lado externo do ônibus), a conduta é, sem dúvida, a de “transportar”, faltando verificar a finalidade. No caso de localização de droga em volume além do que seria razoável para uso particular do agente, restará interpretação de que se configurou o tráfico ilícito (art. 33). Da mesma forma, aquele que transporta em uma bagagem de mão, no porta-embrulho do ônibus, ao lado ou embaixo da poltrona, volume considerável de droga pelo mesmo critério, estará incurso na conduta de tráfico ilícito.
Ainda relacionado ao transporte, o art. 34 traz o crime que trata, dentre outras situações, da desautorizada movimentação de equipamentos e materiais destinados ao preparo da droga. Quanto às substâncias eventualmente transportadas, Miguel Elias Daffara apresenta conceitos de grande valor para a ação policial e os seus decorrentes e necessários registros (Nova Lei de Drogas e Atuação do Policial Militar no Policiamento Preventivo. Revista A Força Policial, nº. 56, 2007, p. 78), conforme segue:
Matéria-prima é a substância principal da qual se extrai a droga; insumo é o elemento que, apesar de não ter a aptidão de dele se extrair a droga, é utilizado para produzi-la, ficando agregado a ela, vg: bicarbonato de sódio empregado na produção do crack, a partir da matéria prima cocaína; produto químico é a substância utilizada na produção da droga, sem agregar à matéria-prima (por exemplo, acetona no refino da cocaína). Tais substâncias, por si só, podem não ser ilícitas; por isso o policial terá que indicar provas de forma a demonstrar no caso concreto se a finalidade era a produção de drogas.
Ainda no que toca ao transporte de drogas em ônibus rodoviário, constata-se que os traficantes de maior capacidade têm contratado indivíduos que se arriscam em levar em suas bagagens quantidades de 20 a 60 Kg de drogas por viagem, em ônibus de linha regular com destino aos grandes centros consumidores como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outros. São conhecidos como “mulas” e recebem mínimas informações a respeito da origem e do destino da droga, de modo que o risco é assumido de forma pessoal, em troca de um pagamento que gira em torno de R$ 500,00, recebidos no ato de entrega, no ponto final. Esses ônibus são provenientes de regiões onde há grande oferta de droga e, por vezes, o “traficante intermediário” - que assume o contrato de risco com passagens pagas - viaja em ônibus fora do eixo principal do itinerário para despistar a fiscalização, realizando baldeações.
A maior parte da droga apreendida em ônibus é constituída de tabletes de maconha prensada (“Cannabis Sativa”) pesando 500 g ou 1 Kg cada uma, envoltos em papel celofane transparente ou colorido, acondicionados em bolsas de viagem ou camufladas nas mais diversas formas que a criatividade humana pode idealizar. E, também, há registros de transporte expressivo de haxixe, cocaína em pasta ou refinada (em pó), crack e frascos de lança-perfume, dentre outras substâncias ou produtos qualificados como droga. “Cloreto de etila” é a substância proibida no Brasil conforme Portaria SVS/MS 344/98 e encontrada no lança-perfume, em frascos que vêm normalmente da Argentina, via Foz do Iguaçu, transportados em veículos particulares ou em ônibus de linha regular ou fretado; e, também, a Lei nº 5.062, de 04/07/66 proíbe a fabricação, comércio e uso do lança-perfume em todo o território nacional, nos seus art. 1º e 2º.
A título de ilustração dos transportes de drogas interceptados, aconteceu em 29 de janeiro de 2008 a ocorrência com apreensão de droga, publicada no site www.assisnoticia.com.br em 01/02/08, com o seguinte relato: “Um jovem de 27 anos, morador em Ibia (MG), foi preso por volta das 2h30, na Rodovia Raposo Tavares, Km 445, em frente à Base Operacional de Policiamento Rodoviário de Assis, transportando maconha em um ônibus de passageiros que seguia para São Paulo, vindo de Foz do Iguaçu. A apreensão mostrou a criatividade dos chamados “mulas” (pessoas que transportam entorpecentes): a droga estava dentro de rolos de madeira, envoltos por tecido, somando 19,5 Kg de maconha e 500g de crack. Durante a revista, os policiais militares rodoviários encontraram uma grande mala com os rolos de tecido e, suspeitando da carga, resolveram rasgar o tecido e encontraram a droga escondida (matéria publicada no site www.assisnoticia.com.br).
Em outra ocorrência, no dia 18/03/2008, policiais militares rodoviários da 4ª Cia do 2º BPRv, ao revistarem na rodovia Assis Chateaubriand (SP-425), em Penápolis, o bagageiro de um ônibus que fazia o itinerário do município gaúcho de Cruz Alta a Barreiras, na Bahia, encontraram maconha escondida dentro de 06 cestas de páscoa, cuidadosamente embrulhadas, contendo mais de 6 kg de droga em cada uma. O passageiro responsável era um morador de Brasília, de 24 anos, jardineiro, que foi preso em flagrante e disse à polícia que ganharia R$ 500,00 para buscar a droga em Foz do Iguaçu e levá-la até Brasília, onde receberia o dinheiro pelo transporte (matéria divulgada em http://noticias.uol.com.br/ultnot/agencia/2008/03/19/ult4469u21475).
Com tal estratégia de deslocamento do produto ilícito até o local de consumo, o produtor e o grande distribuidor pulverizam as ações de transporte e, assim, diminuem o risco de perdas em decorrência de eventuais apreensões, além de transferirem o risco de prisão ao intermediário contratado. Independente disso, a prisão do traficante intermediário na fase do transporte quebra o fluxo do tráfico e, portanto, representa uma intervenção policial eficiente, com resultado imediato na repressão a essa modalidade de crime.

autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Major PM Coordenador Operacional do 32º BPM/I, Assis/SP.
(reprodução autorizada, desde que citadas a fonte e a autoria)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Bom Natal, com a Polícia Militar!


Época de Natal é ocasião de manifestações de solidariedade notadas em vários segmentos da sociedade. A Polícia Militar também vive intensamente esse momento de significado universal, com a esperança de que o sentimento de preocupação para com o próximo avance para além dos dias que antecedem o aniversário de Jesus Cristo e se perpetue no ano vindouro.
Sim, porque solidariedade deve ser mais que um sentimento nobre exibido em ações ocasionais; trata-se de um modo de agir perseverante, dirigido ao bem estar do próximo, pela responsabilidade de se viver em sociedade, lastreado na consciência de que ninguém pode ser feliz sozinho. E o policial militar em serviço, como instrumento do Estado na busca do bem comum, pacifica inúmeros conflitos e promove a solidariedade por seus atos, convicto de que sua missão é dirigida pelo compromisso de, sob a proteção de Deus, preservar a vida, a integridade física e a dignidade da pessoa humana, lema maior da Instituição que ele materializada, com lealdade e constância.
Durante todo o ano, a capacidade operativa e transformadora da Polícia Militar foi colocada à prova, no desafio permanente de sua complexa atividade de preservação da ordem pública mediante o exercício do policiamento ostensivo em cada recanto do Estado, de modo ininterrupto. Com isso, propiciou o desenvolvimento de todas as demais áreas, a partir da garantia do equilíbrio social reconhecido pela fundamental expressão da segurança pública.
A cada período ajustou-se em nível local, regional e estadual, nos planos estratégico, tático e operacional, para prevenir e reagir imediatamente às práticas anti-sociais, especialmente àquelas caracterizadas como delitos, defendendo a harmonia da vida em sociedade. Precisou lidar com os efeitos das injustiças, da degradação da instituição familiar, dos vícios nefastos, da falta de princípios morais, da falta de esperança, enfim, de uma falta de fé na capacidade construtiva do ser humano.
Infelizmente, também durante o ano, alguns policiais militares morreram em serviço. Esses mesmos heróis, que foram vitimados enquanto protegiam o próximo, um dia juraram defender a sociedade se preciso fosse, com o sacrifício da própria vida. Muitos cidadãos sequer têm conhecimento desse compromisso de solidariedade extrema, íntima dos ensinamentos do próprio Cristo, que pregou, por palavras e ações, a prática do bem voltado à figura do próximo.
E quantas pessoas foram salvas, resgatadas, defendidas, redirecionadas, alertadas, amparadas por intervenções de policiais militares em serviço no Policiamento Territorial, no Corpo de Bombeiros, no Policiamento Rodoviário, no Policiamento Ambiental, no Policiamento de Choque... Também na prevenção primária, esses agentes da esperança no futuro melhor trabalharam: milhares de crianças foram orientadas no PROERD (Programa de Prevenção às Drogas e à Violência); milhares de jovens aprenderam lições de cidadania no JCC (Jovens Construindo Cidadania); incontáveis pessoas receberam ensinamentos de Educação para o Trânsito, isso para citar apenas algumas das ações institucionais na área preventiva educacional.
Finalmente, refletindo sobre as ações cotidianas de solidariedade dos policiais militares, podemos concluir que, se nos dias de hoje o atemporal menino Deus fosse nascer fisicamente em nosso meio, seus pais, humanos desprovidos de riquezas materiais, não encontrariam propriamente uma estrebaria com uma manjedoura, mas, sim, o provável socorro emergencial de uma equipe policial-militar.
Pois são incontáveis os relatos de mães desamparadas socorridas por policiais militares e que acabam, inclusive, realizando o parto com a ajuda das iluminadas mãos desses profissionais.
Por isso, nosso reconhecimento e abraço fraterno a cada um dos bem-aventurados policiais militares que promovem a paz. Enquanto os outros comemoram, eles permanecerão trabalhando.
Neste Natal, Jesus vai nascer no interior de uma viatura da Polícia Militar!

autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Major PM Coordenador Operacional do 32º BPM/I, Assis/SP.
(reprodução autorizada, desde que citadas a fonte e a autoria)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O transporte no tráfico ilícito de medicamentos



Justifica-se a detida análise do transporte de produtos destinados originariamente a fins terapêuticos ou medicinais - que geralmente se apresentam em forma de comprimidos -, em conduta relacionada ao seu comércio ilícito, em razão das recentes e expressivas apreensões realizadas em buscas veiculares. O pequeno volume físico desse material enseja transporte de significativa quantidade de comprimidos por viagem, chegando a milhares em alguns casos.
Somente no ano de 2008, ocorreram 12 grandes apreensões de medicamentos ilegais, ou transportados ilegalmente, apenas nas rodovias estaduais policiadas pelo efetivo da 3ª Companhia do 2º Batalhão de Polícia Rodoviária (2º BPRv), do Estado de São Paulo, com sede no município de Assis. Uma das apreensões do período deu-se no dia 17 de outubro, às 04h 40min, conforme histórico da mensagem nº 2BPRv-2566/231/08, da mesma data:
A equipe TOR em fiscalização defronte a Base Operacional de Assis, Km 445 da SP 270, Rodovia Raposo Tavares, abordou o ônibus marca Scania, modelo Buscar, cor amarela, placas GXH 5690 Curvelo/MG, pertencente a Empresa Gontijo, que fazia o itinerário Assunção (Paraguai) X Salvador (BA) transportando 20 passageiros, e, durante vistoria no coletivo, localizou com a autora, 1.000 cartelas de PRAMIL com 20 comprimidos cada uma, todas localizadas em uma bolsa de nylon guardada no bagageiro externo e, em uma bolsa de mão, na poltrona respectiva, 150 cartelas de PRAMIL FORTE de 180 miligramas com 10 comprimidos cada cartela, 100 cartelas de POTENT com 10 comprimidos cada cartela e 100 cartelas de CIALIS com 02 comprimidos cada cartela, totalizando 22.700 comprimidos.
A maior parte das ocorrências de apreensão envolve transporte de produtos falsificados ou de origem não autorizada configurando-se o crime contra a saúde pública, conforme previsão do art. 273 do Código Penal. Esse dispositivo possui redação abrangente para coibir as ações de “falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais”, com pesada pena de 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão, e multa. A conduta de quem transporta amolda-se à descrição do parágrafo 1º, parágrafo 1º-A e parágrafo 1º-B, no mesmo art. 273, conforme a situação, nos seguintes termos:
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

Assim, por exemplo, quem importa o produto “Cytotec, com princípio ativo Misoprostol, 200mg, blister contendo 10 comprimidos”, fabricado pela empresa Continental Pharma, estabelecida na Itália, pratica a conduta do inciso I, do parágrafo 1º-B, do art. 273, em razão da determinação de apreensão constante da Resolução nº 1.232, de 30 de julho de 2003, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Isso ocorre em razão de que o produto é fabricado e comercializado sem registro e a empresa não possui Autorização de Funcionamento, segundo os critérios desse mesmo órgão.
O Cytotec em comprimido tem como original finalidade terapêutica o tratamento de doenças gástricas; no entanto, é distribuído e comercializado clandestinamente como abortivo em clínicas, em farmácias e até em barracas de camelôs. Além do produto italiano, já foram apreendidas marcas de fabricação norte-americana e francesa transportadas em ônibus rodoviários vindos de Foz do Iguaçu e, nesses casos, apesar de não haver portaria proibitiva da Anvisa, configura-se o crime previsto no artigo 273 do CP, parágrafo 1º-B, inciso VI, em razão da entrada do produto no país por meio do Paraguai.
Remédios para a impotência sexual masculina, falsificados ou originais, todos sem registro nos órgãos de saúde do Brasil, também são constantemente apreendidos. A maior parte das ocorrências refere-se a remédios de disfunção erétil de laboratórios conceituados e com nomes conhecidos no mercado, a exemplo do “Viagra” do laboratório Pfizer, o “Cialis” do laboratório Lilly e o “Levitra” do laboratório Bayer, que são objetos de falsificação. Existem também produtos fabricados no Paraguai, na China ou em países da Europa, que trazem na fórmula os princípios ativos encontrados nesses mesmos remédios (“Sildenafil”, do Viagra; “Tadalafil”, do Cialias; “Vardenafil” ou “Vardenafila” do Levitra), porém são identificados com nomes próprios (fantasia) como, por exemplo, o Pramil, o Valient e o Potent. Depois de entregues no ponto de destino, esses produtos são normalmente distribuídos e comercializados clandestinamente em barracas de camelôs, postos de combustíveis às margens de rodovias, onde existe ponto de prostituição e também em algumas farmácias.
Com relação aos anabolizantes, também apreendidos em grande quantidade, o produto identificado como “Decadurabolin” é o mais conhecido e tem como consumidores vários usuários normalmente freqüentadores de academias de musculação ou de fisiculturismo. As marcas são variáveis, quase todas com nome em língua inglesa e fabricados nos Estados Unidos ou em países da Europa e, em alguns casos, na Argentina. Ainda, grande parte dos produtos apreendidos, chamados “anabolizantes” constitui medicamentos de uso original veterinário, ministrados especialmente em eqüinos.
Nota-se que a Lei n.º 9.695, de 20 de agosto de 1998, acresceu o inciso VII-B ao art. 1º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90), transformando em crime hediondo a conduta do art. 273 do Código Penal. Portanto, nos termos do art. 2º, da Lei n.º Lei n.º 8.072/90, aquele que transporta os referidos produtos, tal como o traficante de drogas, não terá benefícios processuais, conforme segue: “Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto; II - fiança”.
Pode ocorrer, também, o transporte de “medicamento” não falsificado, mas de comercialização proibida ou controlada no Brasil por conta do seu princípio ativo constar na Portaria n.º 344 como substância entorpecente (listas A1 e A2). Nesse caso, o responsável responderá por tráfico ilícito de drogas, nos termos do art. 33 da Lei Federal nº. 11.343/06, salvo se portar autorização especial para esse transporte.
Apesar de incomum, tecnicamente pode ocorrer ainda a importação de medicamento não falsificado, de comercialização não proibida no Brasil, mas sem o pagamento de direito ou imposto devido. Nesse caso, configura-se o descaminho (segunda parte do caput do, art. 334, do Código Penal), inclusive se a conduta do agente resume-se ao transporte, como parte da cadeia de ações criminosas.
Enfim, a caracterização da conduta criminosa dependerá, em princípio, da classificação legal dada ao produto transportado. As modificações com relação à classificação de substâncias, produtos e medicamentos, bem como a mudança de categoria, dentro das definições elencadas na portaria n.º 344, são realizadas por novas portarias da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, órgão federal). Nota-se, em conclusão, que um produto que em certo dia era controlado, em outro pode não mais ser assim classificado e isso acontece normalmente com as substâncias que compõem o princípio ativo de medicamentos. Igualmente, a proibição, o controle e a suspensão de comercialização de determinados produtos são determinados por portarias do mesmo órgão.
Assim, para coibir o transporte irregular de medicamentos, ou seja, aquele envolvido na cadeia do tráfico ilícito - em ascensão por conta dos expressivos valores do material e a facilidade do seu transporte pelo pequeno volume e peso próprios -, tratando-se de produto original restrito ou falsificado, a ação policial precisa fundamentar-se em informações mínimas sobre as características desses medicamentos e suas restrições. Deve o agente policial atualizar-se constantemente com as definições apresentadas pelo órgão competente e com informações reunidas a partir da prática em buscas veiculares, particularmente as identificações das principais marcas, princípios ativos e falsificações visados para o comércio ilícito.

autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Major PM Coordenador Operacional do 32º BPM/I
(reprodução autorizada desde que citada a fonte e a autoria)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O policial: um instrumento do bem


Muito se fala sobre a atividade policial na atualidade, com enfoque na prevenção e na repressão à criminalidade. Pouco se registra, todavia, sobre a missão de pacificação, com a solução imediata de conflitos, que muitas vezes ocorre no pronto atendimento de ocorrência policial.
Principalmente o policial militar, que no mais das vezes é o primeiro a chegar ao ambiente conflituoso, tem a oportunidade preciosa de evitar um desfecho contrário aos interesses dos próprios envolvidos, ainda que estes não percebam, no momento, o que é o melhor para si mesmos. Por vezes, uma orientação é suficiente; por vezes, uma busca pessoal com identificação é necessária, ainda que coercitiva; por vezes, uma prisão é irremediável; tudo depende das circunstâncias encontradas, ou das informações prontamente reunidas. Cada ocorrência tem suas peculiaridades e surpreende o policial, que chega com dados básicos, nem sempre suficientes, e deve tomar decisões imediatas.
A luta do bem, representado pela pacificação, contra o mal, representado pela violência ou desrespeito às leis, manifestados sob diversas formas, se faz presente com a chegada de uma viatura e sua guarnição, em atendimento ao pedido de alguém. Na hora do desespero ou da simples necessidade, o solicitante lembra-se de discar o número 190, normalmente como um último recurso. Assim ocorre, invariavelmente, o pedido de intervenção policial.
A Polícia não pode ser vista, nos dias de hoje, simplesmente como o “braço armado do Estado”, apesar de nunca ter deixado de o ser em razão de constituir-se como único órgão que possui a legitimidade do uso da força, em defesa da segurança da coletividade. Justo é ser reconhecida, precipuamente, como mecanismo de defesa dos direitos individuais e como garantia de respeito a esses mesmo direitos, no contexto de uma vida que se desenvolve em sociedade, pois é função básica do Estado o provimento da segurança de todos, objetivando o bem comum. Atualmente é Polícia de defesa do cidadão; não como outrora, de simples defesa do próprio Estado.
O eminente administrativista Álvaro Lazzarini buscou na Doutrina Social da Igreja o sentido original da expressão “bem comum”, no seguinte ensinamento: “É em Monsenhor Guerry que encontramos a lição de que Pio XII definiu ‘bem comum’ como a realização durável daquelas condições exteriores necessárias ao conjunto de cidadãos para o desenvolvimento de suas qualidades, das suas funções, da sua vida material, intelectual e religiosa”. E continua, o ilustre autor: “na busca do bem comum, mister se torna existir um sistema de segurança humana, este muito importante no dizer de Cretella Júnior. O homem que vive em sociedade, pensa, anda, movimenta-se, trabalha. Para que suas atividades possam processar-se do modo mais perfeito possível, é necessário que tenha um mínimo de segurança. Seguro, o homem pode trabalhar melhor. Para isso, em todos os países, uma determinada parte do Estado especializou-se e constituiu um corpo diferenciado, à que dá o nome de Polícia”. E conclui, de modo brilhante: “Daí a importância da Polícia, também para a realização e efetivação da doutrina do bem comum, para a dignidade do homem feito à imagem de Deus. A Polícia ajuda na promoção do homem, quando, cuidando de todas as classes de seres humanos, faz com que eles observem as leis da justiça distributiva, de modo que os direitos de uns não firam os de seus semelhantes. Em outras palavras a Polícia, em si, como concebida, é importante elo de ligação entre o Estado e a Doutrina Social da Igreja” (Estudos de Direito Administrativo, 1999, p. 184).
Por isso não é raro pessoas verem, no policial militar que o protege, a verdadeira figura de um anjo que o guarda; verem no policial militar que realiza um parto como último recurso, uma benção; no policial militar que chega, no momento de desespero, a própria vontade de Deus se manifestando por suas iluminadas mãos. E muitos sequer têm conhecimento de que o policial militar prestou um juramento solene de defender a sociedade, se preciso, com o sacrifício da própria vida. Trata-se de um profissional diferenciado, um guardião da paz. Deve ser reconhecido como aquele que chega para trazer a tranqüilidade, o bem estar, essencial na vida em sociedade, pois, sem segurança, não há desenvolvimento em qualquer área. Por isso, o bom policial exerce sempre o papel de um instrumento do bem.
Esse profissional, por sua vez, deve ter a exata noção de sua responsabilidade e agir orientado pelos princípios que regem a administração pública, que traduzem um inegável senso moral, tendo a legalidade como o seu norte, para o exercício do chamado “poder de polícia”. Ainda, ele deve ser e sentir-se valorizado, desenvolvendo seu trabalho com equilíbrio, determinação e segurança.
De outro lado, talvez por falta de sensibilidade ou reflexão, por vezes algum cidadão não entenda que a restrição de direitos individuais que o policial impõe em uma necessária intervenção é exatamente uma condição para o amplo exercício de todas as outras liberdades. A lição não é nova: Rousseau já apontava o custo de viver em sociedade no clássico “O Contrato Social”. Nessa limitação, legítima pelo desempenho da missão constitucional e exclusiva, o policial é instrumento para o alcance do bem comum, que é o objetivo maior do Estado, propósito que um dia justificou sua própria concepção e existência.

ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO
Capitão PM Coordenador Operacional
32º BPM/I (Região de Assis/SP)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A BUSCA PESSOAL E SUAS CLASSIFICAÇÕES

(Publicado na revista na Revista “A Força Policial”, nº 51, em 2007 e também no site "jus navegandi", disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9608 )


Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Capitão da Polícia Militar de São Paulo, pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, instrutor de Direito Processual Penal da Academia de Polícia Militar do Barro Branco.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. A busca pessoal preventiva e a processual 3. A busca pessoal preliminar e a minuciosa 4. A busca pessoal individual e a coletiva 4.1. A polêmica "revista privada" 5. A busca pessoal direta e a indireta 6. Conclusões
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1.Introdução
Apesar de constituir importante meio de obtenção de prova e ao mesmo tempo um dos principais instrumentos da atividade de polícia de segurança, curiosamente a busca pessoal não tem sido analisada em profundidade no meio acadêmico. Os manuais de processo penal dedicam-lhe poucas linhas, não obstante a relevância do tema. Desconsideram os autores o fato de que se procede busca pessoal com muito mais freqüência que a tão comentada busca domiciliar, sendo esta última, por sinal, vinculada a condições objetivas e, portanto, de mais fácil percepção [01].
A busca pessoal deve ser analisada separadamente de outras eventuais modalidades de busca, em razão de sua gravosa característica de incidência sobre o corpo da pessoa que a ela é submetida e a verificação dos objetos encontrados sob sua imediata custódia. Além da separação das modalidades de busca, deve ser estabelecida uma completa desvinculação entre o procedimento da busca e o da apreensão - que se trata de instituto diverso - como já observado, por exemplo, no Código de Processo Penal Militar brasileiro, de 1969, no Código de Processo Penal português, de 1987 e no Código de Processo Penal italiano, de 1988.
Pela tradição da lei processual penal comum brasileira, a busca pessoal ou domiciliar vem sendo associada à apreensão, como se esta fosse sempre a sua conseqüência ou mesmo o seu único propósito e não é possível concordar com essa linha de raciocínio. Há apreensão sem busca, por exemplo, no caso de objeto voluntariamente entregue ou ocasionalmente encontrado e, com maior freqüência, há busca sem apreensão.
Partindo de uma visão processual, ainda que o momento da ação - em regra de iniciativa policial - não seja coincidente com o início do "ciclo da persecução penal", a busca pessoal significará "procura" por algo relevante ao processo penal, com efeito preventivo extraordinário, no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive no interior de seu veículo desde que este não lhe sirva de moradia.
Relevante tal análise, posto que a busca pessoal não apenas devassa a intimidade extra-corporal relacionada àquilo que se encontra junto ao revistado. O que se sucede é a tangibilidade do organismo, ainda que superficial, realizando-se normalmente o toque no corpo mediante imposição do buscador (agente da busca). Em uma seqüência de restrições de direitos, o revistado é obrigado a interromper o seu curso normal, a expor-se, a ser observado e tocado, a submeter seus objetos pessoais à vistoria e, enfim, a aguardar a sua liberação, se ainda não for conduzido preso, ou para melhor verificação em casos especiais.
E o que dizer, então, de uma busca pessoal minuciosa, como por exemplo, aquela que se procede normalmente em parentes de réus presos na entrada de estabelecimentos prisionais de máxima segurança, como condição para sua visitação, ou ao suspeito de tráfico de entorpecentes. O revistado é obrigado a ficar nu e mostrar todas as cavidades corporais onde possa ter escondido alguma substância entorpecente ou qualquer objeto de circulação proibida em determinado ambiente.
Em face da complexidade do tema, busca-se uma visão abrangente mediante critérios classificatórios que auxiliem na construção doutrinária proposta, a partir de alguns enfoques possíveis. Nessa linha, o estudo aprofundado do assunto nos impulsiona para quatro principais classificações:
a. quanto à natureza jurídica do procedimento, distinguem-se a busca pessoal preventiva e a busca pessoal processual;
b. quanto ao nível de restrição de direitos individuais imposto verificam-se a busca pessoal preliminar e a busca pessoal minuciosa;
c. quanto ao sujeito passivo da medida, a busca pessoal individual e a busca pessoal coletiva;
d. quanto à tangibilidade corporal, a busca pessoal direta e a busca pessoal indireta.
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2. A busca pessoal preventiva e a processual
De acordo com o momento em que é realizada, bem como a sua finalidade, a busca pessoal terá caráter preventivo ou processual. Identifica-se, nesse raciocínio, a natureza jurídica do ato. Antes da efetiva constatação da prática delituosa, ela é realizada por iniciativa de autoridade policial competente e constitui ato legitimado pelo exercício do poder de polícia, na esfera de atuação da Administração Pública, com objetivo preventivo (busca pessoal preventiva). Realizada após a prática, ou em seguida à constatação da prática criminosa, ainda que como seqüência da busca preventiva, tenciona normalmente atender ao interesse processual (busca pessoal processual), para a obtenção de objetos necessários ou relevantes à prova de infração, ou mesmo à defesa do réu (alínea e, do parágrafo 1o, do art. 240 do CPP).
A busca domiciliar, por outro lado, possui sempre caráter processual, posto que autorizada judicialmente por fundadas razões, nos termos do parágrafo 1o do art. 240. Ocorre que a busca domiciliar, diferentemente da busca pessoal, sempre dependerá de ordem judicial, ressalvada a hipótese de autorização do morador ou de a própria autoridade judicial realizá-la pessoalmente, situações não vinculadas ao caráter estrito de prevenção [02].
Quanto aos critérios de classificação da busca pessoal em preventiva ou processual, além do aspecto do momento em que ela é realizada (antes ou depois da prática do crime ou da sua constatação), foi mencionada, ainda, a sua finalidade, vez que tecnicamente é possível conceber-se busca pessoal de natureza preventiva até mesmo em réu preso, por exemplo, que será movimentado de um estabelecimento prisional para outro ou que será apresentado perante o juiz e a sociedade, em audiência criminal, por evidente questão de segurança, indispensável nessa circunstância e realizada por iniciativa da polícia para a finalidade de preservação da ordem pública.
A busca pessoal preventiva, que tem por impulso a movimentação da polícia administrativa no campo da prevenção, pode resultar, no entanto, em encontro de objeto ou informação que caracterizem a prática de crime ou contravenção penal. A partir do exato momento da constatação da prática delituosa, a exemplo da localização de uma arma portada em condição irregular, passa a busca pessoal a ter interesse eminentemente processual e, consequentemente, a ser regulada, junto às outras diligências necessárias, objetivamente pelas disposições da norma processual penal. Inicia-se, desse modo, a fase denominada repressão imediata.
Trata-se dos atos imediatamente subseqüentes; em regra, uma busca pessoal minuciosa, a coleta de informações, registros preliminares, a preservação do local se necessário e, eventualmente, o ato de prisão em flagrante delito (voz de prisão e condução), que ensejará a lavratura do respectivo auto no Distrito Policial, caso seja a apuração de competência da autoridade de polícia civil local. Encerrada a fase da repressão imediata e tendo sido restabelecida a ordem, começa o trabalho de investigação - próprio de polícia judiciária - em fase pré-processual, preparatória da ação penal.
Existe, é claro, a busca pessoal originariamente de caráter processual, baseada na fundada suspeita, como por exemplo, aquela realizada no interior de um Distrito Policial, por iniciativa de uma autoridade de polícia civil encarregada de inquérito policial. Sim, por que a lei processual penal não prescreve o momento em que pode ocorrer a fundada suspeita como circunstância eximente de ordem judicial, ou seja, se antes ou depois da prática delituosa.
Também, existe a busca pessoal determinada pelo juiz, igualmente de caráter processual. Não obstante, configuram-se raros os casos como esse na prática forense. É claro que a ausência de ordem judicial normalmente verificada na busca pessoal não significa impossibilidade de sua expedição pelo juízo criminal competente, durante o andamento de inquérito ou no curso da instrução processual; muito pelo contrário. Poderá o juiz atender requerimento da acusação ou da defesa, durante a ação penal, ou determinar a diligência por sua própria iniciativa conforme art. 156 do CPP [03].
A propósito, o próprio art. 243 do CPP traz em seus incisos o conteúdo obrigatório do mandado de busca, estabelecendo logo no inciso I, parte final, que nele deverá constar...no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem, além de mencionar o motivo e os fins da diligência" (inciso II) e ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir (inciso III).
Sem desconsiderar a existência de casos de originário interesse processual, conforme indicado, certo é que a maioria absoluta das buscas pessoais efetivamente realizadas tem caráter preventivo. Constituem, à evidência, um dos principais recursos para o desenvolvimento da atividade policial preventiva, particularmente das Polícias Militares dos Estados, órgãos responsáveis pela complexa missão de preservação da ordem pública, promovendo com exclusividade o policiamento ostensivo - pelo reconhecimento imediato da autoridade policial em razão do uso da farda -, nos termos do parágrafo 5o, do inciso IV, do art. 144 da Constituição Federal [04].
Levando-se em consideração a inexistência de regulamentação para o exercício do poder de polícia aplicado às atividades de preservação da ordem pública - e, a bem da verdade, a verificação da impossibilidade de regulamentá-lo, eis que se trata de um poder discricionário por excelência, exercido pela autoridade policial guiada pelos princípios constitucionais que regem o ato administrativo -, aplicam-se usualmente para a realização da busca pessoal preventiva as mesmas disposições do art. 240 do CPP. Considera-se, ainda, o interesse processual estabelecido a partir da localização de um objeto ou informação relevante para a Justiça Criminal, como eventual resultado do procedimento policial, sendo incontestável a circunstância de que, ao iniciar a busca pessoal originariamente preventiva, a autoridade policial não pode adivinhar se o resultado será ou não de interesse processual. Aliás, por óbvio, qualquer busca possui como característica a "tentativa" de se localizar algo. Inquestionável, portanto, o valor da prova colhida em tal circunstância.
Em conclusão, não somente a busca pessoal preventiva tem amparo na norma processual penal, como essencialmente - e originariamente - no exercício do poder de polícia, que possui por atributos a presunção de legitimidade e a auto-executoriedade do ato e é exercido discricionariamente pela autoridade policial competente, inexistindo conflito com as disposições do Código de Processo Penal.
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3. A busca pessoal preliminar e a minuciosa
Diferentemente da busca domiciliar, a busca pessoal é realizada normalmente de dois modos: preliminar ou minucioso. O que distingue as duas espécies de busca pessoal em análise é exatamente o grau de rigor dispensado ao ato da revista [05], que impõe maior ou menor restrição de direitos individuais, configurando-se preliminar (revista superficial) ou minuciosa - também conhecida como íntima -, conforme o caso.
Observa-se que quanto à busca domiciliar, não há sentido em distinguir espécies com menor ou maior rigor, vez que se entende que o ato de varejamento [06] no interior do domicílio já constitui um grau máximo de restrição de direito nessa modalidade, provocando total invasão à intimidade domiciliar. Ademais, no curso da busca domiciliar pode até mesmo ser realizada a busca pessoal de quem se encontra no recinto, independente de mandado judicial, conforme estabelecido no art. 244 do CPP [07].
A busca pessoal preventiva normalmente é superficial, representando um procedimento que antecede à eventual busca minuciosa, ou seja, a busca mais rigorosa poderá ser conseqüência de uma superficial, dependendo do resultado desta. Daí porque a busca em pessoa ou em seus pertences, de modo não rigoroso, é denominada busca pessoal preliminar.
Assim, por exemplo, se em uma busca pessoal preliminar, mediante observação visual e toque das mãos do agente por cima das roupas do revistado, for encontrada uma arma, haverá fundada suspeita em nível tal que justificará uma busca minuciosa, voltada à localização de outros materiais (objetos de ilícito), de menor volume, que provavelmente também estejam na posse do revistado, como substâncias entorpecentes, cheques e cartões de crédito roubados, documentos falsos etc.
O que caracteriza basicamente a busca minuciosa é a verificação detalhada do corpo do revistado, mediante a retirada de suas roupas e sapatos, sendo por isso igualmente conhecida como "revista íntima", além da verificação cuidadosa dos objetos e pertences por ele portados. É observado o interior da boca, nariz e ouvido, a região coberta pelos cabelos, barba e bigode, se houver, entre os dedos, embaixo dos braços e ainda nas partes púdicas (do revistado ou da revistada), ou seja, entre as pernas e as nádegas e, no caso de mulher submetida à busca, também embaixo dos seios e entre eles, sendo todo o procedimento realizado preferencialmente com auxílio do próprio revistado, concitado a colaborar. A busca pessoal minuciosa é realizada em local isolado do público, sempre que possível na presença de testemunha.
A tangibilidade corporal é um aspecto importante para análise em razão do compreensível - e inevitável - desconforto na situação de submissão do revistado a toque de pessoas estranhas. Na busca pessoal preliminar convencional, o agente utiliza muito mais o tato que a visão; impõe-se o tateamento superficial sobre o corpo do revistado, ou seja, por cima de suas roupas, em movimentos rápidos e precisos de mãos de policiais treinados para essa finalidade. Na busca minuciosa, ao contrário, quando a exposição corporal daquele que é submetido à revista é maior (tendo sido obrigado a tirar toda a roupa), o uso do tato por parte do buscador é mínimo, utilizando-se muito mais o sentido da visão. A participação que se espera do revistado diz respeito à observância das orientações que lhe são passadas, em seqüência, como por exemplo: abrir a boca, passar o próprio dedo dentro da sua boca, levantar os braços, agachar-se, abrir as pernas, abrir os dedos dos pés, dentre outras.
Por fim, em que pese redação pouco precisa, o Manual Básico de Policiamento Ostensivo da Polícia Militar de São Paulo há mais de trinta anos diferenciou as duas espécies de busca pessoal, nos seguintes termos: Busca preliminar é a realizada em situações de rotina quando não há fundadas suspeitas sobre a pessoa a ser verificada, mas em razão do local e da hora de atuação. Ex.: local público de má freqüência, local de alta incidência criminal, entrada de pessoal em campo de futebol e bailes populares. Busca minuciosa é aquela realizada em pessoas altamente suspeitas ou em delinqüentes.
Buscando aperfeiçoar o raciocínio, para evitar eventuais distorções, interpretamos que a fundada suspeita sempre será o critério para a iniciativa policial da busca pessoal de modo individual (preliminar ou minuciosa), na atividade preventiva, podendo recair a suspeição sobre a própria pessoa (em razão de sua conduta ou simples expressão corporal) ou circunstâncias diversas a ela relacionadas (por exemplo, local, horário, companhia etc.). Já a busca coletiva constitui situação excepcional (realizada, por exemplo, em todos os torcedores que pretendem adentrar em um estádio de futebol), de forma em princípio superficial (preliminar), não existindo, nesse caso, propriamente a caracterização da fundada suspeita, mas a legitimação da iniciativa pelo exercício do poder de polícia, considerando-se os critérios de necessidade e razoabilidade da medida, como intervenção imprescindível para a preservação da ordem pública, conforme se verá adiante.
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4. A busca pessoal individual e a coletiva
Quanto ao sujeito passivo - ou sujeitos passivos -, a busca pessoal pode ser classificada em individual ou coletiva.
A busca pessoal individual constitui regra, tanto para a espécie de busca pessoal preventiva quanto para a processual. De fato, na preventiva, o quesito "fundada suspeita" tem como pressuposto a individualização de condutas. Ainda, é inconcebível a busca processual, mediante mandado, sem a individualização de quem será a ela submetido, requisito obrigatório da ordem, nos termos do inciso I, do art. 243, do CPP.
Conforme já mencionado, nos limites da busca pessoal preventiva, constitui situação particular a busca pessoal preventiva e preliminar que, por iniciativa do poder público, sujeita a todos os interessados em adentrar em algum recinto, desde que exercida por quem está investido do poder de polícia, como providência necessária para a segurança da coletividade. Na condição de medida excepcional, é tolerável tal procedimento em benefício do bem comum, como observado na revista realizada por policiais militares em todos os torcedores na entrada de determinada praça desportiva. Tal espécie de busca, denominada busca pessoal coletiva, é realizada no acesso de eventos ou, então, em situações específicas (a exemplo da busca realizada em todos os réus presos antes de serem escoltados), em oposição à busca pessoal individual, essa de procedimento cotidiano na atividade policial preventiva.
Nesse raciocínio, observou Edmilson Forte sobre a busca pessoal coletiva exercida pela Polícia Militar, como medida extraordinária e necessária, legitimada pelo regular exercício do poder de polícia: O poder de busca pessoal pela Polícia Militar, abrange hipótese que não se enquadra no artigo 240 do Código de Processo Penal e que é conseqüência da própria natureza da operação. Esses casos constituem situações em que há alto risco de ações contra a segurança e incolumidade de pessoas. Não há fundada suspeita de crime. Um exemplo pode ser dado no ingresso de pessoas em estádio de futebol por ocasião de um jogo. É proibido o porte de arma. A única maneira de garantir o cumprimento da Lei nessas ocasiões é a busca pessoal, que encontra seu fundamento na natureza e finalidade do policiamento preventivo. [08]
Em folhetos de esclarecimento à população, a Polícia Militar do Estado de São Paulo tem divulgado explicações sobre o procedimento da busca pessoal, a fim de alcançar a conscientização popular sobre a importância e a necessidade de medidas como a busca pessoal coletiva, em determinadas situações, conforme expõe: As buscas pessoais podem ser feitas pelos policiais na entrada de estádios de futebol, ginásios de esporte e similares, bem como na entrada de espetáculos e em todos os locais onde haja aglomeração de pessoas. Caso, durante o evento, você seja solicitado a submeter-se a uma nova revista, lembre-se de que a polícia ali está para garantir a segurança de todos e tem a autoridade para assim proceder [09].
O mínimo sacrifício imposto em razão desse procedimento é normalmente bem aceito pela sociedade, diante da constatação de que a busca pessoal é o único meio eficaz para garantir a segurança, como um dos invioláveis direitos fundamentais, conforme estabelecido da Constituição Federal, no seu artigo 5º, caput: "Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. [...]"
No caso da busca pessoal individual, quando de caráter preventivo, a questão da igualdade de tratamento ganha maior relevo, eis que normalmente é baseada na análise daquele que seleciona quem será sujeito passivo da revista. Resolve-se o problema estabelecendo critérios de seleção porque a sujeição de todo um grupo à busca pessoal, como por exemplo, de todos os condutores de veículos que passarem dirigindo em determinada via pública, parece-nos configurar abuso de autoridade, além do procedimento apresentar-se quase sempre impraticável. A razoabilidade e a necessidade da medida é o que distingue a situação anteriormente indicada, de busca pessoal coletiva (no citado exemplo do estádio de futebol) e a busca pessoal em que se imagina parar todos os veículos que passem em determinada via (irregular na nossa avaliação, vez que não razoável e desnecessária), tendo-se por princípio que somente poderá haver restrição de direitos individuais se o sacrifício for imprescindível para se alcançar o objetivo maior do bem coletivo e apenas nessa circunstância tem-se como tolerável a intervenção do Estado na esfera da prevenção.
No que toca ao devido tratamento igualitário, observamos que, se em um Fórum, por exemplo, por decisão do Juiz Diretor, for adotado um sistema de segurança em que todos que pretendam ter acesso ao interior do prédio devam submeter-se à busca pessoal – preventiva, preliminar e coletiva -, simplificada pelo uso de um portal magnético (busca pessoal indireta), não haverá argumento razoável para quem quer que seja recusar-se a passar por tal equipamento. Ora, não é exatamente o mesmo que se impõe nos acessos de consulados e embaixadas e nos grandes aeroportos, sem que se reivindique eventual prerrogativa funcional que torne o sujeito isento da busca preliminar?
Com esse entendimento, em abril de 2003, o Juiz Diretor do Complexo Judiciário "Ministro Mário Guimarães", na Barra Funda, São Paulo (o maior Complexo Criminal em funcionamento na América Latina), Dr. Alex Tadeu Monteiro Zilenovski, de modo pioneiro em São Paulo, baixou portaria determinando a busca preliminar coletiva na entrada do Fórum, após enumerar uma série de considerações sobre a necessidade da medida para a garantia da segurança de todos os usuários desse espaço público. Nos termos da portaria, resolveu, conforme transcrição dos dois primeiros artigos:
Art. 1o – Determinar que pessoas que ingressarem nas dependências deste Complexo Judiciário sejam submetidas a controle de armas por meio eletrônico e outros necessários, exercidos por Policiais Militares que guarnecem o Fórum ou por outros agentes da Autoridade constituída que aqui exercem suas funções.
Art. 2º - Para tal, fica estabelecido que os funcionários públicos incumbidos desta atividade fiscalizatória deverão agir com urbanidade, respeito e diligência que o cargo lhes exige, inclusive solicitando a todos aqueles que sejam submetidos à fiscalização a colaboração que se faz necessária para que seja garantida a cada um de nós a segurança a que todos temos direito enquanto cidadãos, enquanto operadores do Direito, enquanto funcionários que aqui militam e de um modo geral, enquanto presentes a um prédio público [10].
Pouco tempo depois, em 30 de setembro de 2003, o Conselho Superior da Magistratura, do Tribunal de Justiça de São Paulo, decidiu disciplinar a matéria, mediante o Provimento nº 811/2003 [11], considerando a necessidade de resguardar a segurança e integridade física de todos que se utilizam das sedes do Poder Judiciário e, ainda, a ocorrência de ameaças e a possibilidade de violência contra servidores da Justiça, partes, promotores de justiça, advogados e juízes, enfim, de todos os usuários do ambiente forense. Prescreveram os três primeiros artigos desse Provimento que:
Art. 1o – Em todas as unidades do Poder Judiciário do Estado serão adotadas medidas de segurança que poderão determinar a utilização de equipamentos, fixos ou portáteis, ou por outro modo, inclusive a revista pessoal [12], se for o caso, durante todo o expediente forense, para evitar ingresso de pessoas portando armas de qualquer tipo ou artefatos, que possam representar risco para a integridade física daqueles que estejam em seu interior.
Art. 2o – É vedado o ingresso de pessoas na posse de armas nas dependências das unidades judiciárias, ainda que detentoras de autorização legal, exceto os policiais, militares ou civis, e agentes de segurança bancária em serviço.
Art. 3o – Nos locais de entrada principal destas unidades do Poder Judiciário, haverá policiais militares, agentes de fiscalização judiciária ou funcionários especialmente treinados e designados pela Diretoria do Fórum, munidos, ou não, de aparelhos específicos para detectar metais, ou realizar eventuais revistas a serem feitas em quem desejar ingressar no interior das instalações.
Por fim, reconhece-se que no acesso de determinados locais não se pode abrir mão desse eficiente recurso para a garantia da segurança coletiva, ou seja, para a segurança de todo um grupo de pessoas que freqüenta determinado espaço, tal como o ambiente forense, em que se concentram tensões próprias dos conflitos humanos.
Por outro lado, a busca pessoal coletiva realizada nessas situações específicas, como medida imprescindível, constitui fórmula de tratamento igualitário aos usuários de determinado ambiente, enquanto a seleção sem critérios para revista pode configurar conduta discriminatória e por isso atentatória a dignidade humana. É o próprio caput do artigo 5o da Constituição Federal, em sua primeira parte, que nos dá a orientação, espelhando o ideário de igualdade que transformou a organização da sociedade, a partir das idéias do iluminismo, movimento que pavimentou o caminho para a Revolução Francesa e a Idade Contemporânea, em importante passo na história da humanidade, ou seja: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...
4. 1. A polêmica "revista privada"
Ao tratarmos de busca coletiva invariavelmente surge em discussão outro tema polêmico: a questão da legalidade da denominada "revista privada" imposta como condição de acesso a estabelecimentos particulares, especialmente em entradas de casas de espetáculos, boates e similares.
Trata-se de procedimento superficial realizado por agentes particulares de segurança, objetivando coibir a entrada de armas ou de objetos que possam causar perigo aos usuários desses espaços. Tal ato nunca poderá ser chamado busca pessoal ou simplesmente revista (que é sinônimo de busca pessoal, como já visto), eis que realizado por quem não está cumprindo ordem judicial ou exercendo atividade policial. Por isso escolhemos a expressão revista privada para a sua denominação.
Tem sido tolerado o procedimento de iniciativa particular, na ausência de regulamentação específica sobre a matéria, salvo a condição de devido registro do serviço particular de segurança junto à Polícia Federal. O interessado em acessar o ambiente restrito sabe que, além de pagar o valor do ingresso, deverá submeter-se a uma verificação pessoal incidente no seu próprio corpo e objetos por ele portados. Se por um lado pondera-se que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei, por outro lado se aceita que, no caso em análise, está configurado um contrato entre particulares, representado por um acordo de vontades razoável em face da realidade da vida moderna em grandes cidades.
Sem desconsiderar a dinâmica própria da sociedade que impõe novas fórmulas de convivência, para que não seja configurado o constrangimento ilegal na revista privada de forma direta (com tangibilidade corporal), há dois aspectos que devem ser rigorosamente observados: a superficialidade e a não-seletividade, ou seja, o tratamento dispensado a todos deve ser igualitário e o procedimento apenas superficial, com a anuência do revistado, o que pressupõe a ausência de coerção e o seu prévio conhecimento quanto à imposição do ato e sua forma.
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5. A busca pessoal direta e a indireta
Quanto à existência ou não de contato físico entre o agente e o revistado (tangibilidade corporal) a busca pessoal será classificada como direta ou indireta.
De fato, nem sempre é necessária a tangibilidade corporal. Uma busca superficial pode ser realizada indiretamente, por exemplo, por meio de dispositivos eletro-magnéticos fixos (portais) ou portáteis (detectores manuais), em que o revistado não é tocado, razão pela qual adotamos a denominação busca pessoal indireta para esse procedimento (no contexto da busca pessoal preliminar). Trata-se da mais discreta, e hoje comum, revista praticada na entrada de ambientes públicos, em que o interesse comum impõe maior garantia de segurança aos seus freqüentadores, como por exemplo, aquela realizada na entrada de estabelecimentos prisionais, na entrada de Fóruns e na área de embarque de aeroportos.
A propósito da busca pessoal indireta, a lei nº 10.792, de 1o de dezembro de 2003, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal, consignou em seu artigo 3o que os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública. Nesse caso, além de garantir maior segurança aos próprios custodiados, funcionários e visitantes do estabelecimento, o procedimento imposto evita a entrada de objetos que possam facilitar eventuais tentativas de fugas ou resgates de presos.
Certo que a simples detecção magnética de objetos não substitui a intervenção humana, ainda que ausente a tangibilidade corporal, em situações que justificam revista mais detalhada, até porque um produto entorpecente ou explosivo, por exemplo, não seria detectado por instrumento magnético auxiliar. Verifica-se tal circunstância na busca rigorosa realizada em parentes de réus presos, em regime fechado, antes da visita em que terão contato com o custodiado no respectivo estabelecimento prisional, a fim de coibir a entrada de objetos ilícitos diversos.
Interessante notar que, apesar do uso de meios auxiliares tais como esteiras com raio x, detectores de metal, cães farejadores e outros recursos que substituem o contato físico, a busca pessoal indireta não se revela, por enquanto, tão eficiente quanto a busca pessoal direta, esta realizada com uso exclusivo dos sentidos humanos, especialmente o tato e a visão, sem auxílio de qualquer meio externo. Em que pese o desenvolvimento de instrumentos auxiliares, a tecnologia não conseguiu ainda alcançar o efeito obtido com a tangibilidade corporal (própria da busca direta).
Por influência da linguagem médica, fala-se hoje também na busca pessoal ou revista "não-invasiva", "invasiva", ou "menos invasiva" (comparando-se um ou outro método) pela avaliação de eventual agressão ao organismo humano que é objeto de revista minuciosa. Em razão do aprimoramento da técnica policial de busca (a tradicional), criminosos têm desenvolvido estratégias para dissimular o transporte de objetos ilícitos, especialmente produtos entorpecentes, em partes do próprio corpo onde a visão comum não pode alcançar, ou seja, em cavidades corporais, no interior do estômago (pela ingestão de cápsulas), incisões subcutâneas, ou qualquer outra forma.
Assim, a revista tradicional na superfície do corpo do suspeito constituiria uma busca não-invasiva. A inserção de qualquer instrumento no organismo, para viabilizar a busca pessoal em vista de objetos escondidos no corpo, constituiria uma busca invasiva. Já o uso do raio-x, ou qualquer aparelho externo, para descobrir a presença de cápsulas, por exemplo, com produto entorpecente no estômago ou intestino de um suspeito, é menos invasiva em comparação ao método anterior.
Sem prejuízo da referida nomenclatura, que de modo suplementar poderá ser útil, mantemos o critério mais simples da presença ou não da tangibilidade corporal, conforme exposto, para distinguirmos as referidas espécies de busca: a direta e a indireta, sob o prisma da ação humana (do agente da busca). Devemos levar em consideração que o esforço de classificação não tem um fim em si mesmo, mas, sim deve constituir meio que dê suporte, pela organização, sistematização e lógica, para aprofundado estudo do tema proposto, buscando-se melhor compreensão da realidade.
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6. Conclusões
A busca pessoal deixa o plano teórico para materializar-se durante o ciclo completo de polícia, antes e durante o ciclo da persecução criminal, neste último, da repressão imediata da infração da norma até o efetivo cumprimento da pena imposta ao infrator.
A busca pessoal é desenvolvida por agentes do Estado designados para o cumprimento de ordem judicial, ou investidos de necessária autoridade policial. Possui, portanto, natureza processual, enquanto meio de obtenção da prova, para atender ao interesse do processo e tem natureza preventiva quando realizada por iniciativa policial na atividade de preservação da ordem pública, como ato de polícia que, não obstante, pode ensejar conseqüências no âmbito do processo penal.
Identificam-se, assim, duas espécies de busca pessoal, preventiva ou processual, tendo por referência a natureza jurídica do procedimento, analisada em razão do momento de sua realização (antes ou depois da prática da infração penal) e também em razão de sua finalidade (coibição da prática de ilícito ou meio de obtenção de provas).
Quanto ao nível de restrição de direitos individuais imposto durante o procedimento de revista identificam-se duas espécies de busca pessoal, quais sejam: a preliminar (superficial) e a minuciosa (mais rigorosa e também conhecida como "íntima").
Certo que as buscas pessoais devem ser realizadas, em prol do bem comum, ainda que causem eventuais prejuízos de caráter individual. Exigível, todavia, que a restrição de direitos individuais se dê na mínima medida possível, ou seja, no limite do que possa ser considerado necessário e razoável, para que não se caracterize a prática de abuso de autoridade.
No que toca ao sujeito passivo da medida, a busca pessoal será individual, como regra, e coletiva em situações especiais, como medida indispensável para a preservação da ordem pública, independente de mandado judicial desde que realizada por agente do Estado qualificado pelo exercício do poder de polícia, na esfera de sua competência legal.
Havendo contato físico (tangibilidade corporal) entre o agente e o revistado, a busca pessoal será direta e, se ausente esse contato em razão do uso de meios que substituem o sentido do tato, será indireta.
Alguns exemplos ajudam a entender essa classificação importante para fins de estudo. Vejamos quatro deles.
1º exemplo: uma patrulha policial-militar aborda dois indivíduos em atitude suspeita, observando o quintal de uma casa e realiza uma revista tateando superficialmente os suspeitos, por sobre as roupas, num primeiro momento verificando se há porte de armas. A busca pessoal é preventiva, preliminar, individual e direta.
2º exemplo: na entrada de um estádio de futebol, policiais militares realizam revista em todos os torcedores que pretendem adentrar ao recinto, utilizando detectores de metal manuais para dinamizar o procedimento. A busca pessoal é preventiva, preliminar, coletiva e indireta.
3º exemplo: um delegado de polícia, após oitiva de um suspeito em autos de inquérito, no interior do distrito policial, determina a um investigador que realize uma revista rigorosa no indivíduo em razão da fundada suspeita de que ele esteja portando objetos ou papéis de alguma forma relacionados à infração penal investigada. A busca pessoal é processual, minuciosa, individual e direta (se houver tangibilidade corporal).
4º exemplo: policiais militares em serviço no Fórum Criminal Central de São Paulo revistam, detalhadamente, todos os réus presos diariamente trazidos para a carceragem central, antes de conduzi-los, em escolta, até as respectivas audiências criminais. A busca pessoal é preventiva, minuciosa, coletiva e direta (se houver tangibilidade corporal).
________________________________________ NOTA
01 O Código de Processo Penal brasileiro, Decreto-Lei federal 3.689, de 03/10/1941, prevê duas modalidades distintas de busca: a domiciliar e a pessoal (art. 240). Leis processuais de outros países estabelecem outras classificações tais como busca em local público ou em local privado.
02 por esse motivo não há que se confundir a natureza do procedimento de busca domiciliar estabelecido no Código de Processo Penal com a entrada em domicílio alheio permitida em razão de flagrante delito, situação prevista no inciso XI, do art. 5o, da CF.
03 Art. 156 do CPP: A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
04 O § 5o, do inc. IV, do art. 144, CF, estabelece: Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;...
05 Tratamos da expressão "busca pessoal" como instituto e a expressão "revista" como ação respectiva do encarregado do referido procedimento. Interessante notar que o Código de Processo Penal português estabelece a "revista" como o próprio instituto (equivalente à busca pessoal do CPP brasileiro) e, provavelmente por direta influência na língua pátria, no Brasil é comum - e aceitável - utilizar "revista" como sinônimo de busca pessoal. Também no Brasil nota-se, em meio acadêmico, uma tendência de utilizar as expressões "revista" e "vistoria" voltadas aos objetos suscetíveis de verificação portados pelo sujeito passivo da busca ou ao seu veículo, associada nesse último caso ao vocábulo "veicular" ("revista veicular" no mesmo sentido de "busca veicular" que constitui uma extensão da busca pessoal). O Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969) já usou, inclusive, a expressão "revista pessoal", provavelmente para dar ênfase ao ato incidente no próprio corpo do revistado e, secundariamente, aos objetos por ele portados, não obstante resultar o mesmo efeito.
06 O procedimento, nesse caso, é a busca domiciliar, enquanto que a ação especificamente desenvolvida é o "varejamento" (procura em local determinado).
07 O art. 244 do CPP estabelece: A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. Logicamente quem determina a medida é o próprio órgão policial encarregado do cumprimento da ordem judicial, vez que "no curso de busca domiciliar" raramente a autoridade judiciária se fará presente. Nessa circunstância, a busca pessoal constituirá natural conseqüência da busca domiciliar. O código também não prescreve o grau de rigor dessa busca pessoal (de natureza jurídica processual), valendo, portanto, a preconizada relação de equilíbrio em face do nível de suspeita, que será sempre fundada, conforme argumentos apresentados neste estudo.
8 FORTE, Edmilson. Policiamento Preventivo: indivíduo suspeito, busca pessoal, detenção para averiguação, identificação de pessoas. São Paulo : Centro de Aperfeiçoamento e
Estudos Superiores da Polícia Militar, monografia do CAO-I, 1998. p. 30.
09 POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 5a EM/PM. Folheto: Alerta Geral – "blitz", 2003.
10 Portaria nº 01, de 14 de abril de 2003, do Juiz Diretor do Complexo Judiciário "Ministro
Mário Guimarães", na Barra Funda, São Paulo.
11 Provimento nº 811/2003, do Conselho Superior da Magistratura, do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 22 de maio de 2003, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, de 30 de maio de 2003, Parte I, Caderno I, do Poder Judiciário.
12 O Código de Processo Penal Militar brasileiro (Decreto-Lei nº 1.002/69) usa alternativamente as expressões busca pessoal (arts. 180, 183 e 184) e revista pessoal (arts. 181 e 182), não apresentando qualquer diferenciação entre elas. Nota-se, todavia, uma sutileza: a expressão "revista pessoal" reforça a idéia de que o procedimento se volta ao próprio corpo do revistado. Partindo-se, então, da noção de que revista é sinônimo de busca pessoal, interpreta-se a expressão "revista pessoal" (utilizada no Provimento) como busca pessoal dirigida especialmente ao corpo do revistado (com ou sem tangibilidade corporal) e, secundariamente, aos acessórios, pastas, malas e outros objetos à ele vinculados. Na verdade, toda revista é pessoal, pois se trata de procedimento que sempre recai sobre pessoa, eis que realizada - cumulativamente ou não - no próprio corpo do revistado, em suas roupas (ou sobre elas) e nos objetos que se encontrem consigo.
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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

ASPECTOS JURÍDICOS DA BUSCA PESSOAL

(Publicado na revista na Revista “A Força Policial”, nº 44, em 2004 e também no site "jus navegandi", em 2005, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9491 )

Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Capitão da Polícia Militar de São Paulo, pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, instrutor de Direito Processual Penal da Academia de Polícia Militar do Barro Branco

SUMÁRIO: 1. Posição da busca pessoal no ordenamento jurídico brasileiro 2. Autonomia da busca pessoal em relação a outros institutos processuais 3. Classificações da busca pessoal 4. A restrição de intimidade do revistado 5. Condições para o exercício da busca pessoal 6. O sujeito ativo da busca pessoal e a questão da revista privada. 7. Conclusões
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1. POSIÇÃO DA BUSCA PESSOAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Duas modalidades de busca foram especificadas no art. 240 do Código de Processo Penal brasileiro: a domiciliar e a pessoal. Por tratar-se de ação que inevitavelmente impõe restrição de direitos individuais em qualquer das duas modalidades, a busca somente deve ser concretizada com critérios fundamentados na análise da lei, harmonizada aos dispositivos constitucionas aplicáveis à esse instituto.
Essencial, portanto, o estudo dos aspectos jurídicos do procedimento que traz conseqüências diretas ao processo, atendendo ao interesse da Justiça ainda que realizado, como na maioria das vezes, por iniciativa policial.
Os contornos legais das duas modalidades de busca são diferentes. A domiciliar é procedida quando autorizada por fundadas razões, nos termos do parágrafo 1o do próprio art. 240, para possibilitar alternativa ou cumulativamente oito ações relevantes ao processo (letras "a" a "h"), ao passo que a busca pessoal, que também pode ser denominada revista, é procedida quando há fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nos termos do parágrafo 2o do mesmo dispositivo legal. Observa-se nesse ponto que é possível uma maior flexibilidade na interpretação do vocábulo suspeita, que na interpretação do vocábulo razões.
Enquanto a busca domiciliar é limitada por critérios objetivos, de fácil percepção, definidos em um único e específico inciso do art. 5o, da Constituição Federal (inciso XI: A casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial), impõe-se para a realização da busca pessoal a observação de garantias de prescrição genérica - ao máximo possível, levando-se em conta as naturais restrições de direitos decorrentes do ato -, quais sejam: o respeito à intimidade, à vida privada e à integridade física e moral do indivíduo, estabelecidas em pelo menos quatro dos incisos do mesmo artigo (art. 5º), da CF:
inciso III: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; inciso X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
inciso XV: é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz...;
inciso XLIX: é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.
Para a tutela da inviolabilidade domiciliar existe, inclusive, um tipo penal próprio, o do art. 150 do Código Penal, que trata da violação de domicílio. Não há, porém, tipo penal específico para a proteção da intimidade (no aspecto físico e pessoal e não domiciliar) e também para a intangibilidade do corpo, que são objetos jurídicos de sentido diverso da liberdade sexual. Utiliza-se, em geral, a descrição de abuso de autoridade, quando a conduta abusiva é praticada por agente público no exercício da função (Lei 4.898/65), ou de constrangimento ilegal (art. 146, do Código Penal), nos demais casos.
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2. AUTONOMIA DA BUSCA PESSOAL EM RELAÇÃO A OUTROS INSTITUTOS PROCESSUAIS.
Curiosamente a busca pessoal não tem sido analisada com profundidade no meio acadêmico. Os manuais de processo penal dedicam-lhe poucas linhas apesar da relevância do tema, desconsiderando os autores o fato de que se procede a busca pessoal com muito mais freqüência que a tão comentada busca domiciliar. Raciocinemos no sentido de que a busca pessoal é sempre realizada no curso de busca domiciliar por conta de que, nessa circunstância, ela (busca pessoal) independe de ordem judicial; ou seja, toda vez que ocorre busca domiciliar normalmente realiza-se a busca pessoal (que não é obrigatória, mas sempre legítima e recomendável nesse caso).
Por outro lado, nem sempre quando é realizada busca pessoal se faz a domiciliar, uma vez que esta, conforme mencionado, vincula-se a condições objetivas e portanto mais restritas, quais sejam: durante o dia, mediante cumprimento de mandado judicial ou realizada pela própria autoridade; e, à qualquer hora, somente com o consentimento do morador (tecnicamente, o procedimento de busca domiciliar não se confunde com a situação excepcional de entrada em domicílio justificável em razão de flagrante delito, prevista no inciso XI, do art. 5o, da CF).
A busca pessoal deve ser analisada separadamente de outras eventuais modalidades de busca, em razão de sua gravosa característica de incidência sobre o corpo da pessoa que a ela é submetida, além da verificação dos objetos encontrados sob sua imediata custódia. Mais sensato seria, inclusive, que a lei processual penal brasileira regulasse a busca pessoal em capítulo próprio, considerando-se a particular restrição de direitos individuais imposta, especialmente quanto a intimidade do revistado. Ao contrário, hoje o que se verifica é um tratamento secundário no Código de Processo Penal, que aproveita parte dos dispositivos relacionados à busca domiciliar para descrever a busca pessoal.
Além da separação das modalidades de busca, deve ser estabelecida uma completa desvinculação entre o procedimento da busca e o da apreensão - que se trata de instituto diverso - como já observado por exemplo no Código de Processo Penal Militar brasileiro, de 1969, no Código de Processo Penal português, de 1987 e no Código de Processo Penal italiano, de 1988. Ocorre que, na tradição da lei processual penal comum brasileira, a busca pessoal ou domiciliar vem sendo associada à apreensão, como se esta fosse sempre a sua conseqüência ou mesmo o seu único propósito e não concordamos com essa linha de interpretação. Há apreensão sem busca, por exemplo, no caso de objeto voluntariamente entregue ou ocasionalmente encontrado e, com maior freqüência, há busca sem apreensão.
Destacamos a importância do reconhecimento da autonomia da busca pessoal em relação a outros institutos processuais, em razão de suas características próprias, justificando-se análise específica sobre o tema. Na verdade, a busca pessoal é simplesmente "procura" por algo relevante ao processo penal - com efeito preventivo extraordinário -, no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive no interior de seu veículo desde que este não lhe sirva de moradia.
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3. CLASSIFICAÇÕES DA BUSCA PESSOAL
A busca pessoal deixa o plano teórico para materializar-se durante o ciclo completo de polícia, antes e durante o ciclo da persecução criminal, este abrangendo desde a repressão imediata da infração da norma até o efetivo cumprimento da pena imposta ao infrator. Não é exagerada essa afirmação vez que se verifica, por exemplo, até mesmo na fase de execução da pena a particular situação de revista realizada em presos ou em pessoas interessadas em visitá-los, ainda que seja considerada tal busca, no caso específico, atividade policial de apoio ao Poder Judiciário.
A busca pessoal é desenvolvida por agentes do Estado designados para o cumprimento de ordem judicial, ou investidos de necessária autoridade policial. Possui, portanto, natureza processual, enquanto meio de obtenção da prova, para atender ao interesse do processo e tem natureza preventiva quando realizada por iniciativa policial na atividade de preservação da ordem pública, como ato de polícia que, não obstante, pode ensejar conseqüências no âmbito do processo penal.
Distinguem-se, assim, duas espécies de busca pessoal: a processual e a preventiva, de acordo com o momento em que é realizada, bem como de acordo com a sua finalidade. Antes da efetiva constatação da prática delituosa, ela é procedida por iniciativa de autoridade policial e constitui ato legitimado pelo exercício do poder de polícia, na esfera de atuação da Administração Pública, com finalidade preventiva. Realizada após a prática, ou em seguida à constatação da prática criminosa, ainda que em seqüência de busca preventiva, tenciona atender ao interesse processual, para a obtenção de objetos necessários ou relevantes à prova de infração, ou à defesa do réu (alínea "e", do § 1º, do art. 240 do CPP).
A busca pessoal é realizada de dois modos: preliminar ou minucioso. O grau de rigor dispensado ao ato da revista, com a imposição de maior ou menor restrição de direitos individuais, é o fator de distinção entre essas duas espécies de busca pessoal, configurando-se preliminar (superficial) ou minuciosa (íntima), conforme o caso.
A busca pessoal preliminar normalmente antecede à eventual busca minuciosa, particularmente quando de caráter preventivo, ou seja, a busca mais rigorosa poderá ser conseqüência de uma superficial, dependendo do seu resultado; por esse motivo é denominada preliminar. De outro lado, o que caracteriza a busca minuciosa é a verificação detalhada do corpo do revistado, mediante a retirada de suas roupas e sapatos (por isso também é conhecida como "revista íntima"), além da verificação cuidadosa de todos os objetos e pertences por ele portados. A busca pessoal minuciosa é realizada em local isolado do público, sempre que possível na presença de testemunha, em vista do elevado nível de restrição de direitos individuais imposta ao revistado, especialmente quanto à sua intimidade.
Nos limites da busca pessoal preventiva, ocorre a denominada busca pessoal coletiva (que contrasta com a convencional busca pessoal individual). Na condição de medida excepcional, é tolerável em benefício do bem comum, a exemplo da busca pessoal preliminar procedida por policiais militares em todos que pretendem entrar em um estádio de futebol. Essa espécie de busca é realizada em entrada de eventos públicos ou em situações específicas (por exemplo, em todos os réus presos antes de serem escoltados).
Indiscutivelmente, porém, a busca pessoal individual constitui regra, tanto para a espécie de busca pessoal preventiva quanto para a processual. Aliás, inconcebível a busca processual, mediante mandado, sem a individualização de quem será a ela submetido, requisito obrigatório da ordem, nos termos do inciso I, do art. 243, do CPP.
Quanto à existência ou não de contato físico entre o agente e o revistado (tangibilidade corporal) a busca pessoal será classificada como direta ou indireta.
De fato, nem sempre é necessária a tangibilidade corporal. Uma busca superficial pode ser realizada indiretamente, por exemplo, por meio de dispositivos eletro-magnéticos fixos (portais) ou portáteis (detectores manuais), em que o revistado não é tocado, razão pela qual adotamos a denominação busca pessoal indireta para esse procedimento (no contexto da busca pessoal preliminar).
A tecnologia tem trazido, inclusive, várias inovações nesse setor, aperfeiçoando o sistema de detecção para muito além do simples uso do recurso eletromagnético. Já existem túneis que disparam jatos de ar comprimido para coleta e análise imediata de micro-partículas e também complexos mecanismos de "raio-X", além de outros equipamentos em operação especialmente nos Estados Unidos após a tragédia que ficou conhecida como o "11 de setembro".
Trata-se da mais discreta, e hoje comum, revista praticada na entrada de ambientes públicos, em que o interesse comum impõe maior garantia de segurança aos seus freqüentadores, a exemplo daquela realizada na entrada de estabelecimentos prisionais, na entrada de Fóruns (pelo exercício do poder de polícia do Juiz Diretor do Fórum ou de autoridade policial-militar em atividade de policiamento preventivo), sob responsabilidade de autoridades e na área de embarque de aeroportos (por iniciativa da Polícia Federal).
A propósito da busca pessoal indireta, a lei federal nº 10.792, de 1o de dezembro de 2003, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal, consignou em seu artigo 3o que os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública. Nesse caso, além de garantir maior segurança aos próprios custodiados, funcionários e visitantes do estabelecimento, o procedimento imposto evita a entrada de objetos que possam facilitar eventuais tentativas de fugas ou resgates de presos.
Portanto, em resumo, a classificação apresentada é a seguinte:
a. quanto à natureza jurídica do procedimento, distinguem-se a busca pessoal preventiva e a busca pessoal processual;
b. quanto ao nível de restrição de direitos individuais imposto verificam-se a busca pessoal preliminar e a busca pessoal minuciosa;
c. quanto ao sujeito passivo da medida, a busca pessoal individual e a busca pessoal coletiva;
d. quanto à tangibilidade corporal, a busca pessoal direta e a busca pessoal indireta.
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4. A RESTRIÇÃO DE INTIMIDADE DO REVISTADO
A questão da preservação da intimidade e da integridade física e moral do indivíduo projetadas na extensão do seu corpo, vestes e objetos pessoais, também deve ser objeto de estudo no contexto da busca pessoal.
Ao tratarmos do assunto, lembramos automaticamente das buscas pessoais minuciosas procedidas, por exemplo, em pessoas envolvidas em tráfico de entorpecentes (buscas baseadas em fundada suspeita ou em caso de flagrante), que são realizadas com cuidadosa observação inclusive das cavidades corporais do revistado. Constatamos a utilidade, a necessidade e a adequação do procedimento, vez que usualmente são ocultadas substâncias entorpecentes em espaços do corpo, impondo-se a sujeição do revistado a uma condição de total exposição física, imprescindível em tal circunstância. Já outras situações podem ensejar uma busca pessoal superficial para rápida verificação, por exemplo, de porte de arma.
Significa dizer que existem diversos níveis de busca pessoal, verificados de modo proporcional ao fator de sua motivação em cada caso particular, decorrendo, obviamente, maior ou menor nível de restrição de direitos individuais. Essa percepção está estritamente vinculada ao momento da realização da busca pessoal, bem como a sua finalidade e ao grau de suspeita, verificadas as circunstâncias do caso concreto.
A tangibilidade corporal é aspecto importante em razão do compreensível - e inevitável - desconforto na situação de submissão do revistado a toque de pessoas estranhas, se realizada de modo direto. Na busca pessoal preliminar convencional, o agente utiliza muito mais o tato que a visão; impõe-se o tateamento superficial sobre o corpo do revistado, ou seja, por cima de suas roupas, em movimentos rápidos que devem ser treinados para essa finalidade. Na busca minuciosa, ao contrário, quando a exposição corporal daquele que é submetido à revista é maior em razão de estar sem roupa, a tangibilidade corporal tende a ser menor e utiliza-se muito mais o sentido da visão.
Ainda quanto à questão do contato corporal, ocorre com a busca pessoal o fenômeno da aceitação do procedimento por convenção social, observando-se, todavia, algumas restrições. São intoleráveis condutas de desrespeito à intangibilidade corporal, como por exemplo: a realização da busca pessoal em razão da simples vontade do agente em realizá-la e tatear o corpo alheio; o excessivo e insistente tateamento em partes determinadas do corpo da pessoa revistada; e a conduta de policial masculino que procede à busca pessoal em mulher, havendo policial feminina disponível para tal finalidade e o contrário também, em vista de que, pelo tratamento igualitário, mulher não deve revistar homem na disponibilidade de policial masculino.
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5. CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO DA BUSCA PESSOAL
De fato, é mais fácil reconhecer e colocar em prática as limitações objetivas da busca domiciliar, aplicáveis em vista do espaço físico que abriga o lar, como regras claras e assecuratórias da denominada "inviolabilidade domiciliar", do que compreender e observar as limitações não objetivas aplicáveis em vista do próprio corpo daquele em quem se realiza a busca, num amplo espectro de situações. Esse corpo, aliás, que é o verdadeiro sacrário da dignidade humana, onde ela se expõe e a partir de onde ela se projeta. Seguindo esse raciocínio, avançaremos para um novo conceito: o da "inviolabilidade pessoal", concluindo que ela não é absoluta, tal como a domiciliar e como quaisquer outros direitos ou garantias individuais.
O tema é capaz de provocar calorosas discussões, eis que a busca pessoal independe de ordem judicial nas três situações previstas no art. 244 do Código de Processo Penal, quais sejam: 1. no caso de prisão; 2. quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito; e 3. no curso de regular busca domiciliar (pressupondo-se, nesse caso, ordem judicial para a busca em domicílio). E ainda podemos a elas somar mais duas circunstâncias que tornam prescindível o mandado judicial, sendo elas: 4. quando houver consentimento daquele a quem se pretende revistar e, por uma questão de lógica, 5. quando a busca for realizada pela própria autoridade judiciária. Casos de ordem judicial específica para busca pessoal são raros, exatamente por ela não ser necessária nas hipóteses ora relacionadas.
A caracterização ou não da segunda circunstância eximente de mandado judicial, a fundada suspeita, resulta da particular análise do responsável pela busca pessoal, ao contrário das outras circunstâncias, que já são claramente definidas. No caso da busca pessoal preventiva, motivada pela fundada suspeita, sua realização baseia-se na experiência profissional, no exercício do poder discricionário, por uma capacidade de percepção diferenciada adquirida durante o desenvolvimento constante da atividade policial, que possibilita a identificação de condutas suspeitas e situações que justificam a abordagem e a revista, mediante avaliação de probabilidade de prática ou iminência de prática delituosa. A competência do agente, os fins, o procedimento (sua forma) e também os motivos e o objeto constituem exatamente os limites impostos ao ato de polícia, ainda que a Administração disponha de certa dose de discricionariedade no seu exercício. Tratando-se de busca preventiva, a partir do momento da localização de objeto que identifique a prática ou iminência de prática de delito, passa o procedimento a ter interesse processual e, consequentemente, a ser regulado, junto às outras diligências necessárias, objetivamente pelas disposições da norma processual penal. A busca pessoal, nesse sentido, constitui ponto de convergência entre o Direito Administrativo e o Direito Processual Penal, observando-se que, ao iniciar a revista - em princípio de caráter preventivo -, o policial não sabe se encontrará ou não objeto relacionado a prática delituosa, ainda que impulsionado por avaliação de probabilidade, no caso da fundada suspeita.
Qualquer que seja a espécie de busca pessoal, forma e meio empregado, resultará restrição de direitos individuais, em nível variável conforme as circunstâncias em que é realizada, impondo-se como dever público, por outro lado, o respeito à dignidade do ser humano. Portanto, a busca pessoal deverá sempre ser orientada pela análise da estrita necessidade do seu emprego, pela proporcionalidade exigida na relação entre a limitação do direito individual e o esforço estatal para a realização do bem comum e, finalmente, pela eficácia da medida, que deve ser adequada para impedir prejuízo ao interesse público.
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6. O SUJEITO ATIVO DA BUSCA PESSOAL E A QUESTÃO DA REVISTA PRIVADA
O sujeito ativo da busca pessoal (o agente), também denominado buscador, é aquele que procede a revista, ou detém o seu controle mediante uso de dispositivos eletrônicos, mecânicos, ou de animais, ou por qualquer outro meio imaginável. A busca pessoal somente poderá ser realizada por agentes públicos em cumprimento a específica ordem judicial ou, então, sem ordem judicial, desde que possuam atribuição de prevenção ou investigação criminal, qualificados pelo exercício do poder de polícia. Em razão de sua fórmula procedimental, a diligência constitui atividade de caráter tipicamente policial, mesmo que destinada exclusivamente à colheita de provas para a instrução do processo.
Somente os agentes públicos que possuem a função constitucional de garantir a segurança pública, bem como de investigar ou impedir a prática de crime são autorizados a realizar busca pessoal independente de mandado judicial nas condições estabelecidas pelo art. 244 do Código de Processo Penal (nos casos de prisão, de fundada suspeita ou no curso de regular busca domiciliar). Portanto, os integrantes das guardas municipais que mantêm vigilância nas instalações e logradouros municipais (parques e espaços públicos municipais), exercendo tão-somente a guarda patrimonial, nos termos do par. 8o, do art. 144, da Constituição Federal, não podem realizar busca pessoal ou qualquer outra atividade própria de polícia, por falta de competência legal. Indiscutível, todavia, que na ocorrência de flagrante podem prender e apreender pessoa e coisa objeto de crime, tanto quanto qualquer do povo pode, conforme art. 301 do CPP, em situação extraordinária e, portanto excepcional à regra, no caso de prisão.
Da análise do sujeito ativo surge um tema polêmico: a questão da legalidade da denominada "revista privada" (de forma direta ou indireta) imposta como condição de acesso a estabelecimentos particulares, especialmente em entradas de casas de espetáculos, boates e similares. Trata-se de procedimento superficial realizado por agentes particulares de segurança, objetivando coibir a entrada de armas ou de objetos que possam causar perigo aos usuários desses espaços. Tal ato nunca poderá ser chamado busca pessoal ou simplesmente revista (que é sinônimo de busca pessoal, como já visto), eis que realizado por quem não está cumprindo ordem judicial ou exercendo atividade policial. Por isso escolhemos a expressão revista privada para a sua denominação.
Tem sido tolerado o procedimento de iniciativa particular, na ausência de regulamentação específica sobre a matéria. O interessado em acessar o ambiente restrito sabe que, além de pagar o valor do ingresso, deverá submeter-se a uma verificação pessoal incidente no seu próprio corpo e objetos por ele portados. Se por um lado pondera-se que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei, por outro lado se aceita que, no caso em análise, está configurado um contrato entre particulares, representado por um acordo de vontades razoável em face da realidade da vida moderna em grandes cidades.
Notório que o novo modo de vida em sociedade, de acentuada concentração urbana, tem provocado medidas de iniciativa particular na área de segurança, cada dia mais freqüentes e que trazem certo desconforto, como por exemplo, câmaras filmadoras espalhadas em ambientes abertos ou fechados e portas giratórias e detectores fixos em bancos e outros estabelecimentos privados, toleradas em razão de sua reconhecida utilidade.
No entanto, sem desconsiderar a dinâmica própria da sociedade que impõe novas fórmulas de convivência, para que não seja configurado o constrangimento ilegal na revista privada de forma direta (com tangibilidade corporal), há dois aspectos que devem ser rigorosamente observados: a superficialidade e a não-seletividade, ou seja, o tratamento dispensado a todos deve ser igualitário e o procedimento apenas superficial, com a anuência do revistado, o que pressupõe seu prévio conhecimento quanto à imposição do ato e sua forma.
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7. CONCLUSÕES
A busca pessoal é caracterizada pela procura por algo relevante ao processo penal - além do seu particular aspecto de prevenção criminal -, no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive no interior de veículo, considerando-se a busca veicular como extensão da revista. Em face da inevitável restrição de direitos individuais, somente é desenvolvida em cumprimento a ordem judicial ou por iniciativa de agentes públicos investidos de necessária autoridade policial.
Possui natureza processual enquanto meio de obtenção do que for relevante à prova de infração penal, ou à defesa do réu; e tem natureza preventiva, quando realizada por iniciativa policial para a preservação da ordem pública, podendo nesse caso igualmente ensejar reflexos no processo. Portanto, são identificadas duas espécies de busca pessoal: a processual e a preventiva, conforme o momento em que é realizado o procedimento e conforme a sua finalidade. Antes da constatação do delito, constitui ato legitimado pelo poder de polícia, na esfera de atuação preventiva da Administração Pública; após, objetiva atender ao interesse processual.
São dois os modos de realização: preliminar (revista superficial) ou minucioso (revista íntima), considerado o grau de rigor dispensado. A busca preliminar pode ser realizada sem contato corporal; trata-se da busca pessoal indireta, ou seja, com auxílio do faro de animais, equipamentos eletro-magnéticos ou outros meios. A tangibilidade corporal, todavia, é recurso normalmente utilizado e aceito, observadas as limitações impostas pelos critérios de necessidade e razoabilidade da medida.
É inadmissível busca pessoal mediante mandado sem a individualização do sujeito passivo, concluindo-se que a busca pessoal individual constitui regra. Na esfera preventiva, porém, pode ocorrer a denominada busca pessoal coletiva, como medida excepcional necessária ao bem comum, na entrada de eventos públicos, ou em situações específicas como a revista realizada em todos os réus presos antes de serem escoltados. Essa busca pessoal coletiva não se confunde com o procedimento particular imposto como condição de acesso a estabelecimentos privados, ora denominado revista privada, consentido por acordo de vontades e aceitável desde que caracterizado pela superficialidade e não-seletividade.
A busca pessoal, como ato legítimo de competente autoridade, deve ser orientada pela análise da estrita necessidade do ato, pela proporcionalidade exigida na relação entre a limitação do direito individual e o esforço estatal para a realização do bem comum e, também, pela eficácia da medida, que deve ser adequada ao seu propósito, para atender ao interesse público.
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