quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O transporte no tráfico ilícito de medicamentos



Justifica-se a detida análise do transporte de produtos destinados originariamente a fins terapêuticos ou medicinais - que geralmente se apresentam em forma de comprimidos -, em conduta relacionada ao seu comércio ilícito, em razão das recentes e expressivas apreensões realizadas em buscas veiculares. O pequeno volume físico desse material enseja transporte de significativa quantidade de comprimidos por viagem, chegando a milhares em alguns casos.
Somente no ano de 2008, ocorreram 12 grandes apreensões de medicamentos ilegais, ou transportados ilegalmente, apenas nas rodovias estaduais policiadas pelo efetivo da 3ª Companhia do 2º Batalhão de Polícia Rodoviária (2º BPRv), do Estado de São Paulo, com sede no município de Assis. Uma das apreensões do período deu-se no dia 17 de outubro, às 04h 40min, conforme histórico da mensagem nº 2BPRv-2566/231/08, da mesma data:
A equipe TOR em fiscalização defronte a Base Operacional de Assis, Km 445 da SP 270, Rodovia Raposo Tavares, abordou o ônibus marca Scania, modelo Buscar, cor amarela, placas GXH 5690 Curvelo/MG, pertencente a Empresa Gontijo, que fazia o itinerário Assunção (Paraguai) X Salvador (BA) transportando 20 passageiros, e, durante vistoria no coletivo, localizou com a autora, 1.000 cartelas de PRAMIL com 20 comprimidos cada uma, todas localizadas em uma bolsa de nylon guardada no bagageiro externo e, em uma bolsa de mão, na poltrona respectiva, 150 cartelas de PRAMIL FORTE de 180 miligramas com 10 comprimidos cada cartela, 100 cartelas de POTENT com 10 comprimidos cada cartela e 100 cartelas de CIALIS com 02 comprimidos cada cartela, totalizando 22.700 comprimidos.
A maior parte das ocorrências de apreensão envolve transporte de produtos falsificados ou de origem não autorizada configurando-se o crime contra a saúde pública, conforme previsão do art. 273 do Código Penal. Esse dispositivo possui redação abrangente para coibir as ações de “falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais”, com pesada pena de 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão, e multa. A conduta de quem transporta amolda-se à descrição do parágrafo 1º, parágrafo 1º-A e parágrafo 1º-B, no mesmo art. 273, conforme a situação, nos seguintes termos:
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

Assim, por exemplo, quem importa o produto “Cytotec, com princípio ativo Misoprostol, 200mg, blister contendo 10 comprimidos”, fabricado pela empresa Continental Pharma, estabelecida na Itália, pratica a conduta do inciso I, do parágrafo 1º-B, do art. 273, em razão da determinação de apreensão constante da Resolução nº 1.232, de 30 de julho de 2003, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Isso ocorre em razão de que o produto é fabricado e comercializado sem registro e a empresa não possui Autorização de Funcionamento, segundo os critérios desse mesmo órgão.
O Cytotec em comprimido tem como original finalidade terapêutica o tratamento de doenças gástricas; no entanto, é distribuído e comercializado clandestinamente como abortivo em clínicas, em farmácias e até em barracas de camelôs. Além do produto italiano, já foram apreendidas marcas de fabricação norte-americana e francesa transportadas em ônibus rodoviários vindos de Foz do Iguaçu e, nesses casos, apesar de não haver portaria proibitiva da Anvisa, configura-se o crime previsto no artigo 273 do CP, parágrafo 1º-B, inciso VI, em razão da entrada do produto no país por meio do Paraguai.
Remédios para a impotência sexual masculina, falsificados ou originais, todos sem registro nos órgãos de saúde do Brasil, também são constantemente apreendidos. A maior parte das ocorrências refere-se a remédios de disfunção erétil de laboratórios conceituados e com nomes conhecidos no mercado, a exemplo do “Viagra” do laboratório Pfizer, o “Cialis” do laboratório Lilly e o “Levitra” do laboratório Bayer, que são objetos de falsificação. Existem também produtos fabricados no Paraguai, na China ou em países da Europa, que trazem na fórmula os princípios ativos encontrados nesses mesmos remédios (“Sildenafil”, do Viagra; “Tadalafil”, do Cialias; “Vardenafil” ou “Vardenafila” do Levitra), porém são identificados com nomes próprios (fantasia) como, por exemplo, o Pramil, o Valient e o Potent. Depois de entregues no ponto de destino, esses produtos são normalmente distribuídos e comercializados clandestinamente em barracas de camelôs, postos de combustíveis às margens de rodovias, onde existe ponto de prostituição e também em algumas farmácias.
Com relação aos anabolizantes, também apreendidos em grande quantidade, o produto identificado como “Decadurabolin” é o mais conhecido e tem como consumidores vários usuários normalmente freqüentadores de academias de musculação ou de fisiculturismo. As marcas são variáveis, quase todas com nome em língua inglesa e fabricados nos Estados Unidos ou em países da Europa e, em alguns casos, na Argentina. Ainda, grande parte dos produtos apreendidos, chamados “anabolizantes” constitui medicamentos de uso original veterinário, ministrados especialmente em eqüinos.
Nota-se que a Lei n.º 9.695, de 20 de agosto de 1998, acresceu o inciso VII-B ao art. 1º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90), transformando em crime hediondo a conduta do art. 273 do Código Penal. Portanto, nos termos do art. 2º, da Lei n.º Lei n.º 8.072/90, aquele que transporta os referidos produtos, tal como o traficante de drogas, não terá benefícios processuais, conforme segue: “Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e o terrorismo são insuscetíveis de: I – anistia, graça e indulto; II - fiança”.
Pode ocorrer, também, o transporte de “medicamento” não falsificado, mas de comercialização proibida ou controlada no Brasil por conta do seu princípio ativo constar na Portaria n.º 344 como substância entorpecente (listas A1 e A2). Nesse caso, o responsável responderá por tráfico ilícito de drogas, nos termos do art. 33 da Lei Federal nº. 11.343/06, salvo se portar autorização especial para esse transporte.
Apesar de incomum, tecnicamente pode ocorrer ainda a importação de medicamento não falsificado, de comercialização não proibida no Brasil, mas sem o pagamento de direito ou imposto devido. Nesse caso, configura-se o descaminho (segunda parte do caput do, art. 334, do Código Penal), inclusive se a conduta do agente resume-se ao transporte, como parte da cadeia de ações criminosas.
Enfim, a caracterização da conduta criminosa dependerá, em princípio, da classificação legal dada ao produto transportado. As modificações com relação à classificação de substâncias, produtos e medicamentos, bem como a mudança de categoria, dentro das definições elencadas na portaria n.º 344, são realizadas por novas portarias da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, órgão federal). Nota-se, em conclusão, que um produto que em certo dia era controlado, em outro pode não mais ser assim classificado e isso acontece normalmente com as substâncias que compõem o princípio ativo de medicamentos. Igualmente, a proibição, o controle e a suspensão de comercialização de determinados produtos são determinados por portarias do mesmo órgão.
Assim, para coibir o transporte irregular de medicamentos, ou seja, aquele envolvido na cadeia do tráfico ilícito - em ascensão por conta dos expressivos valores do material e a facilidade do seu transporte pelo pequeno volume e peso próprios -, tratando-se de produto original restrito ou falsificado, a ação policial precisa fundamentar-se em informações mínimas sobre as características desses medicamentos e suas restrições. Deve o agente policial atualizar-se constantemente com as definições apresentadas pelo órgão competente e com informações reunidas a partir da prática em buscas veiculares, particularmente as identificações das principais marcas, princípios ativos e falsificações visados para o comércio ilícito.

autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Major PM Coordenador Operacional do 32º BPM/I
(reprodução autorizada desde que citada a fonte e a autoria)

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