quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O USO DE ALGEMAS APÓS A SÚMULA VINCULANTE 11/2008, DO STF


A SÚMULA VINCULANTE 11/2008:
- O STF aprovou em 2008 a Súmula Vinculante nº 11 que limita o uso de algemas a casos excepcionais de “resistência, de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física do policial ou alheia, por parte do preso ou de terceiros”. O Judiciário teve a iniciativa depois da inércia de mais de 24 anos dos outros Poderes em regulamentar a matéria prevista na Lei de Execuções Penais (Lei Federal nº 7210/84). A ideia principal da norma é a seguinte: o uso da algema deve ser exceção (e justificada), não a regra...

- Prevê a súmula, ainda, a aplicação de penalidades pelo abuso - no uso indevido de algemas - pois consubstanciaria-se em constrangimento físico e moral do preso, caso o ato policial não seja devidamente justificado por escrito, podendo acarretar em responsabilidades disciplinar, civil e penal do agente e de nulidade da prisão ou do ato processual, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

- O que é uma Súmula Vinculante? Instituto jurídico criado pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004 - possui efeito “vinculante”, em outras palavras, força de lei extraordinariamente alcançada pelo Poder Judiciário por meio de decisão específica do STF para essa finalidade (em matéria constitucional). O seu propósito é a pacificação no entendimento jurisdicional na discussão de questões examinadas nas instâncias inferiores (1º grau de jurisdição), visando diminuir o numero de recursos que chegam às instâncias superiores (Tribunais) e ao próprio STF, permitindo a sua resolução na primeira instância.


OUTROS APARATOS NORMATIVOS

Além da Sumula 11, de 2008, o aparato normativo relacionado ao uso de algemas é o seguinte:

- Art. 284 do CPP:
Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.

- Art. 292 do CPP:
Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.

- Art.474, §3º do CPP:
Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.

- Art. 234, §1º do CPPM:
O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242 - autoridades sujeitas à prisão especial.
(Na verdade, o CPPM - que é norma subsidiária ao CPM em matéria processual não regulamentada - já reconhecia o caráter de excepcionalidade do uso de algemas).

Ainda, importante:
Em São Paulo o emprego de algemas foi regulado por muitos anos pelo Decreto Estadual nº 19.903/50 (também previa a excepcionalidade do uso):
A norma permitia o uso de algemas, excepcionalmente, para conduzir delinquentes presos em flagrante delito, desde que oferecessem resistência ou tentassem a fuga; para conduzir os ébrios, os viciados e os turbulentos apanhados em prática de infração e que devessem ser postos em custódia, desde que seu estado de extrema exaltação tornasse indispensável o emprego de força. Para transportar, ainda, de uma dependência para outra presos que, pela sua periculosidade, pudessem tentar a fuga durante a diligência, ou tivessem tentado ou oferecido resistência quando da prisão. A justificativa do uso por escrito também era determinada (para registro em livro próprio) o que caiu em desuso.

- O antigo M-14 PM (Manual de Policiamento Ostensivo da PM de São Paulo), de 1997 (ainda em vigor) já estava harmonizado com o disposto no Decreto de 1950.


DIVERGÊNCIAS E RESISTÊNCIAS QUANTO À LIMITAÇÃO DO USO DE ALGEMAS APÓS A SÚMULA DO STF:

- Há contestações sobre a constitucionalidade da Súmula 11 ... a própria Polícia Federal continuou usando algemas em todas as prisões... Existe doutrina que defende, além da inconstitucionalidade da Súmula (sob vários argumentos quanto à forma, competência e mérito da decisão) a possibilidade de uso da algema em todas as prisões para a garantia de bens jurídicos de valor maior aos direitos do preso, como a vida e a integridade física de terceiros (e do próprio preso, que é inalienável). Cita-se o próprio o “Manual sobre Uso de Algemas da Polícia Federal” visando “a segurança e preservação da Integridade Física do preso”.


POSIÇÃO INSTITUCIONAL (POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO). ALINHADA À SÚMULA DO STF.
- O excesso no emprego das algemas caracteriza atentado à liberdade de locomoção, crime de Abuso de Autoridade (Lei nº 4898/65), decorrendo também responsabilidade civil e disciplinar (existem dispositivos no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar que se amoldam a cada caso, cuidando do tratamento dirigido ao preso custodiado pelo policial escoltante.

- O policial militar que fizer uso das algemas deverá justificar por escrito o feito, podendo fazê-lo no próprio Relatório de Serviço Operacional, o RSO; devendo, ainda, atentar para a exposição indevida do preso à mídia, principalmente se algemado.

- Note-se, todavia, que a análise sobre a necessidade do uso de algema é do próprio escoltante ou policial responsável pela custódia do preso (sempre justificando por escrito). Destaca-se que em qualquer decisão tomada (ato discricionário) não haverá crime de “Abuso de Autoridade”, pois para essa infração deve existir o dolo (vontade) de agir contrário às normas, constituindo fato atípico o emprego de algemas da qual o policial militar, na dúvida, a utilizou crendo estar fazendo dela uso correto (desde que justificando a circunstância por escrito).

- Antes da Súmula, o POP de abordagem em indivíduo suspeito previa o uso de algemas em situações de necessidade ou quando o infrator era preso e o POP de abordagem em infrator da lei previa o uso da algema, sempre (então conflitante com a Súmula 11). Em razão disso houve rápidas alterações nos POP com a inclusão da “Doutrina Operacional de processo n.º 5.01.00”, que estabeleceu conceitos e explanações legais quanto ao emprego de algemas a ser seguida pela instituição (harmonizando-se com a Súmula e com o aparato normativo nacional e internacional de proteção aos Direitos Humanos).

Doutrina na Polícia Militar de São Paulo:
- as algemas somente serão empregadas depois de observada a real necessidade comprovada para cada caso concreto, haja vista que a força somente poderá ser utilizada pelos policiais no nível estritamente necessário.
- Nesse sentido, houve expedição e divulgação de documento “Instrução Continuada do Comando sobre emprego de algemas, ICC n.º 08-005”, de setembro de 2008 para instrução de todo o efetivo;
- os POP de “Ato de Algemar e Ato de Retirada das Algemas”, foram revisados em 29 de dezembro de 2008, ou seja, apenas 4 (quatro) meses após a edição da súmula (acrescentando a justificativa por escrito como fator preponderante, no próprio RSO, Relatório de Serviço Operacional ou, dependendo da ocasião e desdobramentos, por meio de Parte Circunstanciada elaborada pelo policial militar).

CONCLUSÕES
Em pese divergências interpretativas (polícia federal) a readequação das normas operacionais da Polícia Militar de São Paulo foi necessária e importante, pois de um algemamento injustificado, pode-se abrir a possibilidade de anulação da prisão do detido, ou até mesmo acarretar a nulidade de todo o processo do réu pelo Judiciário (além das responsabilidades do agente, decorrentes do excesso quando constatada tal circunstância).

- A matéria emprego de algemas ingressou no rol de matérias constitucionais pela Súmula Vinculante nº 11 (ou foi reconhecida como tal), prevalecendo a Teoria das Provas Ilícitas diante do ilícito emprego de algemas, dada a violação às normas constitucionais.

- O poder de polícia não é absoluto ou ilimitado e deve ser legitimado pela legalidade e motivação do ato. Certo que a força é quesito necessário para a polícia cumprir sua função constitucional de preservação da segurança pública; porém, o excesso é sempre punível.

Postou: Adilson Luís Franco Nassaro (material para estudo)