quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O CASARÃO DA CAIXA BENEFICENTE DA FORÇA PÚBLICA EM SÃO PAULO



           Quem passa pelo cruzamento da Rua Alfredo Maia com Rua Rodrigo de Barros, no Bairro da Luz em São Paulo, se surpreende com a imponência de um sobrado de arquitetura característica dos anos 1920, com bandeiras hasteadas na sua sacada principal e um campanário em sua lateral. A obra integra o importante conjunto arquitetônico do bairro, junto com quarteis centenários e suas histórias de heroísmo, funcionando como sede da autarquia Caixa Beneficente da Polícia Militar (CBPM), órgão de apoio à família dos militares do Estado de São Paulo criado em 28 de setembro de 1905.
           No ano de 1917, sob a superintendência do Coronel Antônio Batista da Luz, a Caixa Beneficente da então Força Pública do Estado de São Paulo (atual Polícia Militar do Estado de São Paulo) teve a oportunidade de adquirir seu próprio espaço: um terreno sem edificações, que compreendia à época uma área de mais de 12 mil metros quadrados.  
          Como marco inicial em pesquisa sobre o imóvel, foi possível localizar o registro da matrícula do terreno (de número 5.825, do 2º Cartório de São Paulo) adquirido em 24 de janeiro de 1917. Consistia em uma ampla área do “Recolhimento de Nossa Senhora da Luz”, na antiga Freguesia de Santa Efigênia, descrito como “com frente para a Rua Rodrigo de Barros, onde mede 52,90m, para a Rua Alfredo Maia, onde mede 230m, e para a Rua Dr. Jorge de Miranda, onde mede 53,70m; tendo uma área de 12.259m², confinando com as ruas mencionadas e com o prédio ocupado pelo Quartel do Segundo Batalhão”. Note-se que, em 1917, já existia o histórico quartel do atual 2º Batalhão de Polícia de Choque (2º BPChq), que fazia limite com a ampla área adquirida naquela oportunidade. Já o antigo proprietário do terreno, o Recolhimento Nossa Senhora da Luz, atualmente denominado “Mosteiro da Luz”, também permanece na vizinhança há mais de cem anos.
             Em pesquisa no Museu da Polícia Militar, de 26 Jun. 2017, foi possível localizar cópia do Boletim Geral n. 98, de 1925, em que se publicou o registro completo da solenidade ocorrida em 03 de maio de 1925, em ata do “Assentamento da Pedra Fundamental do prédio da Caixa Beneficente da Força Pública”. A nota foi assinada pelo notável Comandante Geral da Força Pública, Coronel Pedro Dias de Campos, que acumulava, por força legal, a função de Superintendente da Caixa. Constou na nota:
Aos três dias do mês de maio do ano de mil novecentos e vinte e cinco, nesta Capital de São Paulo, às nove horas da manhã.... ...procedeu-se à solenidade do assentamento da pedra inaugural para este edifício, que foi colocada no bloco de fundação de um dos pilares principais, e dentro se encerram uma cópia da presente ata, devidamente assinada, um exemplar da última edição de cada jornal e revista da Capital e moedas correntes do País... realça, ao final, a alta importância econômica para a instituição e o considerável valor de sua utilidade que representa um atestado eloquente da prosperidade da Caixa e da Força.
         
            Apesar de tentativas, não foram ainda localizados os objetos e registros dessa espécie de “cápsula do tempo” que se mantém junto à fundação de um dos pilares principais da sede histórica da Caixa Beneficente, deste o início de suas obras. A diretoria da Caixa tentou, em 2017, localizar - com equipamentos próprios de detecção - possíveis locais onde ela permanece depositada, mas não obteve sucesso. Como se observa na nota publicada, não existe indicação precisa sobre em qual dos pilares da sede ela foi guardada.
              A construção do magnifico prédio consiste em mais uma entre as muitas obras do distinto Coronel Pedro Dias de Campos que liderou a Força Pública de 1924 a 1928, igualmente responsável pela criação da Cruz Azul, constituída no mesmo ano de 1925. Consta no histórico da Cruz Azul: “em 1925, a Comissão de Damas da Sociedade Paulistana pediu apoio ao Coronel Pedro Dias de Campos, com o intuito de amparar órfãos e viúvas dos soldados. Com esse espírito solidário, o Sr. Sampaio Moreira doou o terreno no Cambuci em que, dez anos depois, foi inaugurado o Hospital e Maternidade Santa Maria da Cruz Azul, vencendo percalços de ordem financeira em prol da população” (disponível em: <http://www.cruzazulsp.com.br/institucional/historia/>; consulta em: 22 Ago. 2017). A Cruz Azul é mantida até hoje como parceira da Caixa Beneficente na assistência à saúde da família policial-militar, o que demonstra a visão de futuro do então Comandante da Força Pública.
            Também os jornais da época noticiaram o referido Lançamento da Pedra Fundamental da construção da sede da Caixa Beneficente, ocorrido em 03 de maio de 1925, destacando a solenidade prestigiada por importantes autoridades civis e militares da época, entre elas o presidente do Estado de São Paulo, Dr. Carlos de Campos, e o Secretário da Justiça e da Segurança Pública, Dr. Bento Pereira Bueno.
           Em apenas um ano, surpreendentemente, graças ao grande esforço da administração militar e de voluntários, a obra foi concluída, mesmo com as dificuldades de uma construção de vulto, com riqueza arquitetônica notável naquela época, utilizando-se basicamente tijolos de argila. Ainda, as peças de mármores nas escadas e barrados, as grades de ferro, os pisos de ladrilho hidráulico, o madeiramento de portas, janelas, batentes e as pinturas originais nas paredes são detalhes de expressiva beleza, resultado que torna ainda mais surpreendente a velocidade da construção da sede.
            O ato público de inauguração deu-se em mais uma concorrida solenidade no ano de 1926, que contou com a presença do Secretário da Justiça e da Segurança Pública, e que foi registrada em filme pela produtora “Rossi-Film”, com película em preto e branco, sem áudio, contendo trechos do evento. Esse registro, em fragmentos, junto como outras representações da Força Pública de São Paulo na época, foi recentemente recuperado e digitalizado (arquivo  disponível  em:  <https://www.youtube.com/watch?v=73CkSjn0F
k0>; acesso em: 22 Ago. 2017)

              Após sua inauguração, o Casarão foi ocupado como sede da Caixa Beneficente da Força Pública, tendo acolhido reuniões do seu Conselho no Salão Nobre do piso superior, com acesso à sua sacada principal. Comprovam essa destinação os registros do livro “A Força Pública - Esboço Histórico, 1831 a 1931” lançado em comemoração ao Centenário da Instituição, em 1931 e republicado pela Imprensa Oficial do Estado em 1982, com foto da fachada do prédio e o registro do seu ambiente interno (Salão Nobre) com uma reunião da antiga Diretoria naquele espaço (cito: ANDRADE, Euclides de & CÂMARA, Hely F. de. A Força Pública de São Paulo, Esboço Histórico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado - reimpressão, 1931/1982, p. 191 e seguintes).

Ilustração da pg. 101 do livro comemorativo ao Centenário da então Força Pública de São Paulo (A Força Pública de São Paulo, Esboço Histórico, de 1931), mostrando a sede da Caixa Beneficente e a utilização do Salão Nobre em reunião de diretoria.

Em 25 de fevereiro de 1937, o monumental casarão veio a receber nova e honrosa atribuição: passou a funcionar como a primeira sede do Tribunal de Justiça Militar (TJM), criado pouco antes, em 8 de janeiro do mesmo ano pela Lei Estadual n. 2.856. O TJM foi oficialmente instalado nesse espaço em ato solene que contou com a presença do governador do Estado. Importante registrar que os primeiros juízes liderados pelo primeiro presidente (biênio 1937/1938), Coronel Arlindo de Oliveira, já assumiram os trabalhos na referida sede, destacando-se o uso do Salão Nobre na parte superior do sobrado (fotos da instalação do Tribunal e demais informações integram o livro História de Justiça Militar do Estado de São Paulo, de 1976, do Juiz Gualter Godinho, então presidente do TJM, São Paulo: IMESP, p. 15).
            Os primeiros juízes foram o Doutor Romão Gomes, que havia sido consultor jurídico da Força Pública e hoje dá nome ao Presídio Militar em São Paulo; o Doutor Mário Severo de Albuquerque Maranhão, que fora auditor da Força Pública, cargo que, ainda de forma incipiente, já exercia certas funções castrenses antes mesmo da criação do TJM; além do Coronel Arlindo de Oliveira - primeiro presidente - que antes fora Comandante Geral da Força Pública, nos anos de 1935 a 1936, e por consequência também Superintendente da Caixa Beneficente.
     


Ilustração do livro História de Justiça Militar do Estado de São Paulo, de 1976, p. 15 e seguintes. Mostra a solenidade de instalação do TJM no espaço do Salão Nobre da antiga sede da Caixa Beneficente da Força Pública, em 25 Fev. 1937. 

            Em 1942 a Caixa Beneficente reocupou as instalações do prédio, em razão de que o TJM passou a funcionar em novo endereço, também provisório, na Av. Tiradentes, n. 822. Somente em 12 de janeiro de 1976 o Tribunal inaugurou sua sede própria na Rua Doutor Vila Nova n. 285, depois de atuar em vários endereços a partir de 1942 (livro História da Justiça Militar do Estado de São Paulo, obra citada, p. 385).
       Em 1974, mediante a Lei n. 452, de 02 de outubro, ocorreu a fusão da Caixa Beneficente da Força Pública do Estado e da Caixa Beneficente da Guarda Civil de São Paulo, instituindo-se a Caixa Beneficente da Polícia Militar (CBPM) e estabelecendo-se os regimes de pensão e de assistência médico-hospitalar e odontológica, em conformidade com o disposto no Artigo 12 do Decreto-lei n. 217, de 8 de abril de 1970. O antigo prédio da Força Pública prosseguiu como sede do órgão que passou a cuidar dos benefícios dos dependentes dos novos integrantes da Polícia Militar, bem como dos dependentes dos integrantes das antigas Força Pública e Guarda Civil.
            No ano de 2002, por ocasião do aniversário de 97 anos de existência da Caixa, foi anunciada reforma no “prédio antigo que ganha roupa nova para o aniversário”. Todavia, a reforma não foi suficiente para a plena recuperação da sede histórica em razão dos detalhes de sua construção original, substituídos ao longo dos anos por pequenas adaptações. Na oportunidade, era Superintende o Coronel PM Júlio Gomes da Luz (registro constante do informativo “Ao Toque da Caixa”, ed. Jul-Ago/02, ano VII, número 35).
            Em 24 de agosto de 2017, finalmente, em razão de grande empenho da Diretoria e colaboradores liderados pelo Superintendente Coronel PM Luís Henrique Falconi, deu-se a reinauguração do Casarão, como “Sede Histórica da Caixa Beneficente” em solenidade comemorativa aos 112 anos da instituição. Com investimento próprio e também com a participação de voluntários, somaram-se doze meses de obras e mais de cinquenta profissionais dos mais variados ofícios.
            Desse modo, foram recuperados detalhes da construção original, em especial quanto ao madeiramento das portas e janelas, as ferragens, o piso original, as pedras e detalhes arquitetônicos, a pintura e a reocupação correta de espaços esquecidos como o próprio Salão Nobre (com um novo espaço de memória), o Campanário, as salas da Superintendência e o novo espaço do auditório General Francisco Alves do Nascimento Pinto, além do acesso lateral térreo. Na mesma oportunidade, foi inaugurado o espaço de convivência “Dona Hortensia D’Asti”, na lateral do prédio, em justa homenagem à fundadora da União das Pensionistas da Caixa Beneficente da Polícia Militar, personalidade e associação ligadas de forma inseparável à história da centenária casa. O busto da Dona Hortência, que por anos permaneceu naquela associação, passou a adornar a nova casa.
           Destacou-se na oportunidade, também, a reinstalação do quadro histórico elaborado em homenagem ao Primeiro Conselho da Caixa Beneficente da Força Pública, que permaneceu por anos guardado no acervo do Museu de Polícia Militar, e finalmente pode novamente ser visto, após minucioso trabalho de restauração.  
      Enfim, o imponente Casarão, sede histórica da CBPM, está recuperado e rejuvenescido, o que representa uma conquista para a família policial-militar que projeta o futuro com respeito ao passado: eis uma grande realização que envolve e une os dependentes e beneficiários no tempo da tradicional Caixa Beneficente, no espaço paulista do Bairro da Luz.

Adilson Luís Franco Nassaro        
25 de agosto de 2017

Bibliografia

ANDRADE, Euclides de & CÂMARA, Hely F. de. A Força Pública de São Paulo, Esboço Histórico. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado - reimpressão, 1931/1982.

CBPM. Ao Toque da Caixa. Informativo impresso, ed. Jul-Ago/02, ano VII, número 35.

CRUZ AZUL. Histórico. Disponível em: <http://www.cruzazulsp.com.br/institucional/histo
ria/>; consulta em: 22 Ago. 2017.

GODINHO, Gualter. História de Justiça Militar do Estado de São Paulo. São Paulo: IMESP, 1976.

JORGE, Clóvis de Athayde. Luz: notícias e reflexões. Série: história dos bairros de São Paulo, volume 27. São Paulo: Departamento de Patrimônio Histórico, 1988.

ROSSI-FILME. Registro, em fragmentos, junto como outras representações da Força Pública de São Paulo na época, foi recentemente recuperado e digitalizado (arquivo  disponível  em:  <https://www.youtube.com/watch?v=73CkSjn0Fk0>; acesso em: 22 Ago. 2017).