A
maior conquista dos órgãos policiais é o apoio da comunidade, do seu
envolvimento na busca de soluções para a segurança pública, como reflexo da
confiança na capacidade conjunta, quando se trata do delicado tema que
interfere no dia-a-dia de todas as pessoas. Particularmente, quando se constata
um estágio de avanço da criminalidade em determinado tempo e espaço, esse
envolvimento deve ser encarado como o maior desafio para os gestores, o almejo
de uma nova fase representada pelo resgate da confiança da comunidade em
possíveis soluções locais para a diminuição da violência e da criminalidade.
Lideranças locais são capazes de
estabelecer pontes seguras para essa nova postura em contraste com o
conformismo (apatia) ou com a polarização do tipo “platéia”, quando a sociedade,
apesar de inconformada, se vê em um grande teatro apenas assistindo o
espetáculo protagonizado pela “polícia” contra o “criminoso”. O ideal
pretendido é a mudança de mentalidade, capaz de alterar comportamentos ou ao
menos manifestações individuais, propiciando ações de auxílio à força policial
que podem ser representadas por um simples telefonema (número 190) de um
popular que indica a presença de pessoa com atitude suspeita e solicita a
abordagem para verificação, evitando a prática de um crime não somente contra
si, mas contra algum vizinho ou mesmo contra um desconhecido.
Não se
pode abrir mão da permanente busca dessa conquista. O envolvimento da
comunidade deve ser promovido antes que a simples apatia avance para o estágio
do sintoma “platéia”, caracterizado pelo inconformismo e este avance para o
último estágio possível, marcado pelo sentimento generalizado de insatisfação que
se traduz na crítica aberta e direta à incapacidade dos órgãos policiais, em
situação extrema de ruptura de qualquer nível de credibilidade. Para que não se
alcance esse último grau, também o gestor deve ter a cautela de nunca se posicionar
como um “dono da razão” ou transparecer a imagem de alguém que possui
conhecimento e experiência suficientes para lidar com a questão, ao tratá-la
apenas como “assunto de polícia”, em atitude inversa à preconizada, caracterizada
pela busca de parcerias. Se não tiver esse cuidado, mesmo sem perceber, poderá
voltar contra si todas as críticas e polarizará as manifestações de
descontentamento e até mesmo de revolta de pessoas expressamente inconformadas,
normalmente vítimas recentes da criminalidade e que são formadoras de opinião
pela posição social que ocupam.
Mesmo defendendo a eficiência do
aparato estatal, o gestor de policiamento deve ter a consciência da limitação
das ações de iniciativa puramente policial. Portanto, é necessário de algum
modo provocar o envolvimento da comunidade, preferencialmente antes do avanço
da insatisfação, e fazer com que os cidadãos abracem a causa da segurança
pública de forma propositiva, colocando-se como extensão da polícia.
Na
verdade, a relação entre polícia e comunidade deve manter-se estreita a ponto
de se fundir pela própria condição imanente de dependência, conforme preconizou
Robert Peel: “A Polícia deve esforçar-se para manter constantemente com o povo
um relacionamento que dê realidade à tradição de que a polícia é o povo e o
povo é a polícia.”.[1]
No plano ideal defendido, a
comunidade deve se sentir como “os olhos da polícia”, também porque nunca
haverá vigilância suficiente - por mais atuante que se apresente o policiamento
preventivo - para evitar todas as manifestações criminosas apenas com os
recursos humanos e logísticos policiais. Informação é sempre insumo essencial
e, combinada com a responsividade (tempo de resposta) em nível adequado,
resultará produtos perceptíveis e até contabilizáveis (prisões, capturas e
apreensões) que podem realimentar um sistema participativo, aumentando o número
de “denúncias” ou chamados com pedidos de intervenções policiais, o que é sinônimo
do aumento da confiança da população em sua polícia e prova da reversão de um
eventual quadro de insatisfação.[2]
Pessoas
que podem auxiliar no estabelecimento desses vínculos são representadas
normalmente por presidentes de associações e órgãos não-governamentais, por
lideranças políticas, pelo presidente da OAB, pelo diretor da associação comercial
local e, principalmente, representantes do Conselho Comunitário de Segurança
(CONSEG) e outros Conselhos como o COMSEP (Conselho Municipal de Segurança
Pública), que é instituído em algumas cidades por decisão do Executivo
Municipal, e o CONSEG Rural, implantado por conta do programa de “policiamento
rural” da Polícia Militar, entre 2009 e 2010, em várias localidades do estado
de São Paulo, com participação de líderes representantes de moradores e
produtores rurais das respectivas áreas.
Instituídos no ano de 1985, em São
Paulo, os CONSEGs são grupos de pessoas do mesmo bairro ou município que se
reúnem para discutir e analisar, planejar e acompanhar a solução de seus problemas
comunitários de segurança, desenvolver campanhas educativas e estreitar laços
de entendimento e cooperação entre as várias lideranças locais. Cada Conselho
homologado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) é uma entidade de apoio à
Polícia Estadual nas relações comunitárias, e esses grupos se vinculam, por
adesão, às diretrizes emanadas da SSP, por intermédio do Coordenador Estadual
dos Conselhos Comunitários de Segurança. As reuniões ordinárias de cada
Conselho são mensais, em horário previamente combinado, em imóveis de uso
comunitário, segundo uma agenda definida por período anual. A Secretaria de
Segurança Pública tem como representantes, em cada CONSEG, o Comandante da
Polícia Militar da área (capitão comandante de companhia) e o Delegado de Polícia
Titular do correspondente Distrito Policial, que são os dois membros natos de
cada Conselho; além deles, participam também representantes dos poderes
públicos, das entidades associativas, dos clubes de serviço, da imprensa, de
instituições religiosas ou de ensino, organizações de indústria, comércio ou
prestação de serviços, bem como outros líderes comunitários que residem,
trabalham ou estudam na respectiva área de circunscrição. Sua legitimidade tem sido reconhecida pelas várias esferas
de Governo e por institutos independentes, o que permite afirmar que os CONSEGs
representam, hoje, a mais ampla, sólida, duradoura e bem sucedida iniciativa de
Polícia orientada para a comunidade em curso no Brasil.[3]
Não é de
hoje que a Força Pública paulista investe na filosofia de “Polícia
Comunitária”. Em 1997 ela iniciou um processo de gestão e mudança
organizacional buscando maior aproximação com a comunidade, propósito maior da
moderna visão de funcionamento de um órgão policial voltado à defesa do cidadão.
Nesse ano foi criada uma comissão para análise e implementação da filosofia de
Polícia Comunitária, no âmbito de todos os programas de policiamento, o que foi
materializado em 1999, aperfeiçoando-se gradativamente os diversos canais
abertos com a comunidade, dentre eles, com destaque os próprios CONSEGs.[4]
O envolvimento da sociedade pode ser
facilitado, sem dúvida, pela circunstância de o gestor de policiamento residir no
município e “viver a comunidade” onde serve. O fato de já estar relacionado
naturalmente com o grupo social facilita, em muito, os seus contatos com
lideranças locais - não raras vezes constituindo amizades de longa data - e
traz um peso de legitimidade às inovações colocadas em prática. Aos olhos do
cidadão comum, esse gestor possui um especial e insuspeito interesse na
melhoria das condições de segurança local, por ser também beneficiário direto
na condição de estabelecido com sua família (filhos e esposa, especialmente) naquela
localidade, provocando tal circunstância grande empatia, inspiradora de confiança.
As relações com os grupos representativos, como o CONSEG, também são mais
produtivas pelos vínculos maiores estabelecidos pela convivência local.
[1] Sir Robert Peel, 1º Primeiro Ministro Inglês, Fundador da
Polícia Londrina, em 1829 escreveu um decálogo intitulado “Princípios da
polícia moderna”. Além do citado princípio que conclui a clássica sequência,
ele indicou outros três relacionados ao trabalho em sintonia com a comunidade,
quais sejam: “A capacidade de a polícia realizar suas obrigações depende da
aprovação pública de suas ações”; “A
polícia necessita realizar segurança com o desejo e cooperação da comunidade,
na observância da lei, para ser capaz de realizar seu trabalho com confiança e respeito
do público”; e “O nível de cooperação do público para desenvolver a segurança
pode contribuir na diminuição proporcional do uso da força”.
[2] O indicador “responsividade” tem grande importância na
análise da eficiência de um sistema policial. A maior agilidade policial para
se apresentar num local de crime aumenta as chances de detenção do agressor e a
pronta resposta amplia na comunidade a confiança pela certeza no seu
atendimento, propiciando condições de colaboração e envolvimento desejado. A combinação
do radiopatrulhamento (atendimento por solicitação telefônica) com outros
programas de policiamento, em uma distribuição territorial bem planejada e em
turnos condizentes com a demanda dos pedidos de intervenção (mediante análise
permanente dos horários de pico de atendimento e características das diversas
ocorrências), é capaz de reduzir o tempo de resposta.
[3] Os CONSEGs foram criados pelo Dec. 23.455, de 10 de maio
de 1985 em São Paulo (no governo de Franco Montoro), regulamentado pela
Resolução SSP-37, de 16 de maio de 1985, complementado e modificado pelo Dec.
25.366, de 11 de junho de 1986. Fonte: http://www.conseg.sp.gov.br/conseg/default.aspx#,
consultado em 04/06/2010.
[4] “São Paulo foi o primeiro Estado a
sinalizar o interesse político em implantar esta filosofia de atuação policial,
estabelecendo como prioridade de Governo, institucionalizando o Programa de
Policiamento Comunitário utilizando-se para isso experiências de países que a
adotam há vários anos o mesmo procedimento: Estados Unidos da América, Japão e
Canadá. Em 2004 foi assinado um Acordo de Cooperação Técnica entre a PMESP e a
Japan International Cooperation Agency (JICA) que permite a expansão da
filosofia a outros Estados e Países da América Latina. A PMESP também teve a
honra de, a partir de 2005, enviar 10 (dez) policiais militares por ano para
fazer um curso de imersão e especialização por um período de 15 (quinze) dias
no Japão, sendo escolhidos pelo comando aqueles que se encontravam na ponta da
linha e desenvolviam o programa de policiamento comunitário, sendo definido
para tal que dentre os escolhidos a comitiva contaria com um Coronel (chefe da
delegação) um Major, um Capitão, dois tenentes e cinco Sargentos. Desde então a
troca de informações entre culturas e polícias diferentes permitiu a
atualização e modernização. Destaco que também exportamos idéias e
conhecimentos, como é o caso da Base Comunitária Móvel, hoje inserida no
contexto preventivo da Polícia japonesa , uma das mais avançadas do mundo.” (trecho
de resposta à revista Época, encaminhada pelo Comandante Geral da PMESP de São
Paulo, sobre matéria publicada na revista em 14/02/2010). No âmbito do programa
de Policiamento Comunitária, o Estado de São Paulo possui 38 Bases Comunitárias
de Segurança Distrital (BCSD) em pequenos distritos em que o policial mora com
a família na mesma sede em que atende a comunidade (semelhante ao modelo
japonês); o 32º BPM/I é referência nesse programa, por possuir instaladas 03
dessas BCSD (nos Distritos de Alexandria, Frutal do Campo e Porto Almeida, área
de sua 3ª Cia, Cândido Mota) com uma quarta em fase de regularização, já em
funcionamento, no Distrito de Roseta (área de sua 2ª Cia, Paraguaçu Paulista);
no modelo japonês, essa base tem o nome tradicional de Chuzaishos e são as bases de segurança do interior, das cidades
pequenas; apenas um policial trabalha e mora na base, juntamente com sua
família; a residência é parte da base comunitária e até sua esposa está
envolvida na prestação de serviços comunitários.
Adilson Luís Franco Nassaro
(divulgue, citando a fonte)
Leia mais em: "Estratégias de Policiamento Preventivo"
(divulgue, citando a fonte)
Leia mais em: "Estratégias de Policiamento Preventivo"
Obra completa disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=HXdE68HtvlEC&printsec=frontcover&hl=pt
(NASSARO, Adilson Luís Franco; LIMA, Lincoln de Oliveira; 2011).
(NASSARO, Adilson Luís Franco; LIMA, Lincoln de Oliveira; 2011).
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