A polícia constitui parte da
engrenagem do chamado “Sistema Criminal” composto por vários atores e se
apresenta inegavelmente como a face mais visível da estrutura do Estado.
Especialmente o policial militar está presente no dia-a-dia da comunidade, no
exercício ininterrupto de sua missão constitucional nas ações de preservação da
ordem pública, mediante o policiamento ostensivo; sua presença e visibilidade,
portanto, são fatores imprescindíveis para o alcance da sensação de segurança.
Não obstante, a sua atuação pode e deve ser potencializada com o envolvimento
de representantes de outros órgãos públicos locais ligados direta ou
indiretamente às questões de segurança pública até porque, no amplo contexto da
garantia da ordem, não é certo considerar a polícia como órgão por si mesmo
suficiente. Enfim, deve ser reconhecida como imprescindível, mas não como auto-suficiente.
Por isso, faz
parte do passado a imagem de uma polícia dentro de quartéis fechados, ou
equipes aguardando os fatos acontecerem a fim de simplesmente reagirem, na
prática de intervenções puramente reativas. Hoje, as chamadas intervenções
pró-ativas, aquelas de iniciativa dos agentes, são as mais valorizadas, e a
aproximação com a comunidade preconizada pela filosofia da Polícia Comunitária,
que permeia todos os programas de policiamento desde a década de 1990, impõem
transparência absoluta do trabalho, bem como, a interface produtiva com
representantes da comunidade e de órgãos das diversas áreas e esferas da
administração pública. O objetivo final é claro: todos devem se sentir
responsáveis pela segurança pública local, que também significa “qualidade de
vida”.[1]
Especialmente em nível de
gerenciamento policial, contatos estratégicos entre comandantes e chefes de
fração com dirigentes locais de outros órgãos policiais como a Polícia Federal,
a Polícia Rodoviária Federal, com membros do Ministério Público, do Poder
Judiciário, diretores de estabelecimentos prisionais, responsáveis pela
fiscalização fazendária, conselheiros tutelares e diretores de órgãos de
fiscalização municipal (nas áreas: sanitária e de trânsito, dentre outras de interesse
policial) são capazes de transformar uma realidade local por conta de operações
conjuntas ou ações coesas que podem ser idealizadas nessas oportunidades, pela
troca de informações e experiências e pela conquista do apoio institucional às
iniciativas policiais mais ousadas, sem que se abra mão do aspecto da
legalidade das ações, naturalmente.
No caso da
Polícia Federal, que tem como uma de suas competências constitucionais “prevenir
e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o
descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas
respectivas áreas de competência”, em todo o território nacional (inciso II, do
§ 1º, do art. 144, da CF), seus delegados e agentes têm revelado ampla
disposição para trabalhos conjuntos em diversas localidades, inclusive
integrando informações na esfera de inteligência policial. Se para os
traficantes não existe “fronteira”, a ação dos órgãos policiais não pode mesmo
ser limitada por áreas geográficas intransponíveis, respeitadas obviamente as
competências próprias e as estruturas funcionais de cada órgão e, nesse
sentido, a força da “polícia” é uma só, voltada contra o mesmo criminoso.
Por isso, espera-se que os
respectivos gestores tenham iniciativas de aproximação e de trabalho integrado
em nível regional e, para que tal ocorra, alguém precisa quebrar a barreira
tênue do distanciamento, o que é possível por meio de uma primeira visita de
cortesia e apresentação: esse é o ponto de partida. Reuniões de trabalho e planejamento
virão naturalmente, com a identificação dos propósitos comuns.
Na região
de Assis/SP, por exemplo, durante a fase de preparação do programa de policiamento implantado em julho de 2009, o comando do batalhão e seus oficiais promoveram sistemáticas visitas
de cortesia e de trabalho aos delegados de Polícia Federal e também a
representantes de outros órgãos relacionados à segurança pública da região e receberam,
como retribuição, visitas dos representantes locais desses mesmos órgãos. No
caso da aproximação com a Polícia Federal, durante o segundo semestre de 2009 e
início de 2010 foram desenvolvidas operações conjuntas, com acompanhamento do
Ministério Público, após longa espera das melhores oportunidades de intervenção
policial com base em detalhadas investigações provocadas por levantamentos
preliminares de informações, o que resultou na prisão de diversos líderes
criminosos que agiam na região.
Especialmente
os representantes do Ministério Público estadual precisam ser contatados pelo
gestor de policiamento preventivo, em exercício permanente de integração, pois,
como fiscais do cumprimento da lei e responsáveis pela iniciativa da ação
penal, os promotores podem apoiar e certamente dispensarão toda a energia
possível em benefício da ação policial legítima e necessária para
restabelecimento da situação de ordem pública. Contatos pontuais para esclarecimento
de posições interpretativas de ordem legal serão inclusive avaliados como
iniciativas de valorização do papel institucional de ambos os órgãos. A
intermediação possível para pleitos junto ao Poder Judiciário de interesse
operacional para fins policiais, a exemplo de eventual pedido de mandado de
busca e apreensão domiciliar, é motivo concorrente para a salutar aproximação
dos dirigentes, em razão de que o promotor é ouvido antes de decisões judiciais,
mesmo cautelatórias, relacionadas à área criminal.
Na mesma região, ainda, os dois promotores criminais atuantes junto ao Fórum foram contatados e informados das providências que os órgãos policiais locais
pretendiam adotar em caráter emergencial e houve apoio incondicional, mesmo em
relação às iniciativas consideradas ousadas como: encaminhamento de pessoas em
situação de vadiagem ao distrito policial para cadastramento e providências na
esfera de polícia judiciária (o que não significava prisão ou detenção); a
apreensão de veículos com equipamentos de sonorização causadores de perturbação
do sossego público para perícia técnica; e a saturação de intervenções
pró-ativas do policiamento ostensivo na região central da cidade. Contatos
posteriores foram mantidos, em conjunto ou individualmente, pelos dirigentes
locais dos dois órgãos policiais, pessoalmente ou via fone. A ponte natural
entre os promotores e os magistrados do juízo criminal propiciou ampliação,
ainda que não explícita, do apoio necessário ao trabalho policial.
Ainda, revelou-se produtiva a
aproximação com promotores especializados do GAECO (Grupo de Atuação Especial
de Repressão ao Crime Organizado) atuantes na região. A partir dos contatos
preliminares estabelecidos, importantes prisões foram viabilizadas, com foco
nas organizações criminosas e suas lideranças envolvidas principalmente com
lavagem de dinheiro e redes com máquinas de jogos de azar, algumas delas associadas
ao tráfico de drogas.[2]
Especificamente
quanto ao apoio dos representantes do Poder Judiciário, é necessário anotar que
o juízo da Infância e da Juventude começou a autorizar as custódias de
menores infratores reincidentes que frequentemente eram utilizados como linha
de frente da prática de furtos, roubos e tráficos de drogas (e assumindo as
autorias na certeza de que permaneceriam livres), ou seja, passou a determinar
medida sócio-educativa mais rigorosa com privação de liberdade por três meses
nos casos mais graves. Em menos de um semestre, aproximadamente cem menores
foram custodiados junto à Fundação Casa (antiga FEBEM) que na região possui
unidade na cidade de Marília, resultado da forte reação policial e dos
desdobramentos da estratégia preventiva adotada que incluía ampla divulgação
das custódias (ressalvada a divulgação dos nomes e imagens dos menores).
Rapidamente a notícia se espalhou na cidade e muitos menores foram
desestimulados a participarem em ações criminosas e, consequentemente, vários
deles deixaram de ser aliciados.[3]
O
intercâmbio de preciosas informações com dirigentes de estabelecimentos
prisionais permitiu um melhor conhecimento do perfil das lideranças do crime na
região e o planejamento de ações dirigidas, com base no fortalecimento do setor
de inteligência policial voltado à realidade local. Também a relação próxima
estabelecida com o perito chefe do núcleo de polícia técnico-científica de
Assis mostrou-se importante para a agilidade das providências desse órgão,
economizando-se tempo de espera em preservações de locais de ocorrência, além
do ganho na conjugação de esforços para esclarecimentos de crimes. [4]
A troca de informações foi viabilizada em reuniões conjuntas dos dirigentes dos
três órgãos policiais (militar, civil e técnico-científico), que contaram
também com a participação voluntariosa do diretor do estabelecimento prisional
local.
Operações com apoio policial-militar
aos agentes de fiscalização fazendária em locais de grande circulação de
veículos também aumentaram a visibilidade da força policial, ao mesmo tempo em
que houve a aproximação dos representantes dos órgãos envolvidos, favorecendo
acionamentos inesperados em outras ocasiões.
A ação conjunta em fiscalização programada
dos membros do Conselho Tutelar em ambientes usualmente frequentados por
menores que ingeriam bebidas alcoólicas, cujos proprietários e administradores
(do estabelecimento) estavam sujeitos às sanções penais, foi estimulada em reuniões
de nível gerencial, o que resultou operações conjuntas em locais também com suspeita
de patrocínio da prática de prostituição infantil ou exposição de menores a
situações de constrangimento, além de fiscalizações em ambientes diversos (shows,
bailes, discotecas e similares) cuja frequência de menores é limitada por
horários e condições definidos em portaria do Juízo da Infância e da Juventude
(no município de Assis, portaria n. 02/2000). Na verdade, o apoio
policial-militar já vinha sendo prestado, mas o que se conquistou com a maior
aproximação dos órgãos foi o planejamento eficiente - e sem formalidades - das
referidas fiscalizações.
Ainda, ações conjuntas foram tratadas
com agentes de órgãos de fiscalização municipal na área de vigilância sanitária
e de trânsito. Por fim, parcerias foram estabelecidas com responsáveis pelo PROCOM,
com sede no município, em campanhas preventivas relacionadas ao exercício dos
direitos dos consumidores e apoios esporádicos prestados em ações
fiscalizadoras também de competência dos seus agentes. Esse órgão de proteção
ao consumidor com representação regional coordenou campanha de orientação e fiscalizações
quanto à restrição do uso de cigarro decorrentes de lei estadual em São Paulo,
também no segundo semestre do mesmo ano (lei n. 13.541 de 07 de maio de 2009,
conhecida como lei “antifumo”), com participação de policiais militares e
contando com ampla adesão popular, razão pela qual foram raros os incidentes
registrados na região.
[1] O próprio art. 144, da Constituição Federal, ao mesmo
tempo em que relaciona os órgãos policiais por meio dos quais a segurança
pública será exercida (inciso de I a V), prescreve no caput a responsabilidade coletiva para a sua concretização, nos
seguintes termos: “A segurança
pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para
a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos: (...)”
[2] Conforme disponível no site
do Ministério Público paulista, “o GAECO é um grupo de atuação
especial criado pela Procuradoria Geral de Justiça em
1995, que tem como função básica
o combate a organizações criminosas e se caracteriza pela atuação direta dos
Promotores na prática de atos de
investigação, diretamente ou em conjunto
com organismos policiais e outros organismos. A partir de 1998 foram criados os GAERCOS regionais,
visando atender às outras regiões do Estado de São Paulo” (grifo nosso).
Fonte:
http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/gaeco/Historico, consultado em 03/06/2010.
[3] O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prescreve a
possibilidade de internação com condições particulares (Lei Federal nº
8.069/90). “Art. 122. A medida de internação
só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido
mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento
de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável
da medida anteriormente imposta. § 1º O prazo de internação na hipótese do
inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses. (...)
[4] A Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) foi
criada em 1998 em São Paulo, para administrar as perícias criminalísticas e
médico-legais realizadas em todo o estado. Ela é hoje responsável pela
coordenação dos trabalhos do Instituto de Criminalística e do Instituto Médico
Legal e está subordinada diretamente à Secretaria de Segurança Pública,
trabalhando em estreita cooperação com
as Polícias Civil e Militar, além do Departamento Estadual de Trânsito
(Detran). A Polícia Técnico-Científica é especializada em produzir a prova
técnica (ou prova pericial), por meio da análise científica de vestígios
produzidos e deixados durante a prática de delitos. A prova pericial é
indispensável nos crimes que deixam vestígio e constitui a principal fonte da
Justiça no estabelecimento de sanções, penas e indenizações, mesmo que haja a
confissão do criminoso que cometeu o delito. Fonte:
http://www.polcientifica.sp.gov.br/institucional_superintendencia.asp. (Consulta em 03/06/2010).
Adilson Luís Franco Nassaro
(divulgue, citando a fonte)
Leia mais em: "Estratégias de Policiamento Preventivo"
(divulgue, citando a fonte)
Leia mais em: "Estratégias de Policiamento Preventivo"
Obra completa disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=HXdE68HtvlEC&printsec=frontcover&hl=pt
(NASSARO, Adilson Luís Franco; LIMA, Lincoln de Oliveira; 2011).
(NASSARO, Adilson Luís Franco; LIMA, Lincoln de Oliveira; 2011).
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