sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Uma nova abordagem sobre o aumento da criminalidade nas pequenas e médias cidades do Estado.


                                                                                                                                    Por Lúcio Nassaro[1]


Quero honrar meus estudos de filosofia e apresentar aqui um rápido comentário sobre o assunto que normalmente recai em questões econômicas de difícil e lenta solução. De fato, ao discutir-se academicamente o aumento da criminalidade nas pequenas e médias cidades do Estado,  transfere-se problema do crime muito rapidamente para problemas na economia, mas há uma outra compreensão sobre o tema que enseja outras ações possíveis. Espero que esta nova abordagem interesse porque diz respeito à maior parte das cidades.
É comum ouvirmos que antigamente havia menos crime e que então algo está errado com o funcionamento do Estado.  Mas não podemos ser inocentes: em uma pequena comunidade em que todos se conhecem pelo nome e todos se encontram diariamente em uma mesma padaria, escola, igreja etc. há um controle espontâneo de todos sobre todos: todos evitam comportamentos que  podem prejudicar  sua própria imagem e seu nome. Nestes ambientes a Policia Militar sabe que precisa de menos policiais para que os costumes e as leis sejam obedecidos.
 No entanto, à medida que as cidades crescem, as pessoas começam a andar por bairros distantes onde não são mais conhecidas, não são cumprimentadas, não são chamadas pelo nome e reconhecidas ou seja, diminuem os controles sociais e surge o sentimento de estar sozinho na multidão, de passar desapercebido, de não ser notado.
Por isto, alguns estrangeiros e turistas brasileiros se comportam mal longe de seus países. Por isto em um grande centro as pessoas se sentem à vontade para se vestir e agir de maneira mais extravagante. Elas podem ser mais criativas e divertidas, mas também podem se permitir comportamentos anti-sociais que derivam para o crime já que sua imagem não pode ser prejudicada diante de amigos e família, pois agem entre desconhecidos.
 Nestes ambientes a Policia Militar sabe que precisa de uma relação maior de policiais militares por grupo de 1000 habitantes. Vejam, na medida em que o anonimato aumenta, diminui o controle social de todos sobre todos e é preciso mais controles do Estado, vigilância da polícia, da prefeitura, não porque as pessoas são hoje pior que ontem, e os bons costumes foram esquecidos. Não, os valores existem, mas as condições urbanas mudaram.
E o que acontece em nossa Cidade? Vamos olhar do lado. Conhecemos todos a nossa volta? E dez metros adiante? Pois é, nossa cidade já cresceu, está crescendo, vai crescer muito mais e as pessoas vão se reconhecendo cada vez menos nas ruas e outros lugares comuns incluindo novos shoppings e mesmo na velha padaria. E isto acontece no mundo todo: observem as últimas estimativas da ONU: em 2007 metade da população do planeta vivia ainda no campo. Em 2030, três quartos da população habitarão cidades. Com a multiplicação de metrópoles, a época em que todos eram controlados e controlavam o comportamento de todos está acabando no mundo inteiro.
Isto é bom ou é mau? Não sabemos, mas em termos amplos, o que assistimos é um efeito da urbanização global que em si não é má, pois as pessoas saem do campo e vêm morar na cidade principalmente porque sabem que nas cidades há mais conforto e oportunidades.
Mas a boa pergunta é o que podemos fazer para convivermos bem em comunidade mesmo em cidades que crescem rápido? Ora, há muitas respostas, mas as melhores que ouço são aquelas que dizem que devemos diminuir o anonimato e voltarmos a ser reconhecidos por toda parte, porque quando somos reconhecidos cuidamos nós mesmos de nossa imagem e nos comportamos. Como então, seria possível diminuir o anonimato em cidades que não param de crescer?
Duas respostas estão se delineando:  uma é recorrer á tecnologia.
A Policia Militar está caminhando nesta direção com os Tablets que aceleram a consulta de placas e documentos de pessoas. Estes computadores de bordo inclusive disponibilizarão uma função que vincula suspeitos que foram identificados ao lugar em que foram abordados por policiais. Outro exemplo são as câmeras OCR que lêm placas de veículos, que estão sendo alugadas pela prefeitura de Mogi e serão instaladas nas 5 entradas e saídas da cidade informando a Guarda Civil e a Policia Militar sobre que carros entram e saem da cidade e quando. Isto acabará com o perigoso anonimato dos carros usados para crimes.
 Em futuro próximo, todas nossas avenidas terão estas câmeras e poderemos deixar chaves no contato dos carros estacionados, pois, se furtados, serão acompanhados por câmeras. Em seguida custarão menos as tecnologias de reconhecimento facial agregadas às técnicas de biometria e as pessoas é que serão acompanhadas e reconhecidas por máquinas.
Mas outra maneira de não permitir o perigoso e crescente anonimato não depende só do Estado, Prefeitura ou da Polícia Militar e suas câmeras inteligentes, ela é uma solução política construída por todos à medida que a ruptura dos velhos relacionamentos da pequena comunidade são compensados com a criação de outros novos.
 O que quero dizer? É preciso multiplicar as associações voluntárias e oportunidades de participação em clubes, comitês, grupos, associação de amigos para fins de lazer, conversa, bem estar, apoio, benemerência, esporte, religião, mutua ajuda, cultura, folclore e outros tão agradáveis e animados. É preciso estimular que as pessoas se encontrem e saibam o nome dos vizinhos e conheçam suas afinidades. Temos que criar novas oportunidades para que as pessoas se conheçam frequentando vários ambientes diferentes.
Estas iniciativas são necessárias para permitir que as pessoas tenham uma imagem social para zelar. Porque, quem é relegado e deixado por si mesmo em suas condições de origem, no anonimato e não é incluído em creches, escolas, empregos, não é convidado para clubes, associações e não é acompanhado por serviços público e ONGs, estas pessoas sozinhas se reúnem a outros solitários contra toda a sociedade, formam quadrilha e se tornam criminosos.
Assim, não vale querermos coisas contrárias: morar em cidades confortáveis que tenham de tudo – mas que propiciam o anonimato perigoso – e não tomar iniciativas sociais,  não prestigiar reunião nenhuma, não reunir e convidar os outros, não fazer nada, isolar-se e deixar os outros isolados, tristes com a perda da vida provinciana em que todos se conheciam e não havia crimes.

 As cidade recebem cada vez mais irmãos brasileiros e é preciso sermos coerentes e criarmos mais ocasiões em que as pessoas sejam agregadas, recebidas, acolhidas, convidadas, conhecidas, chamadas pelo nome e tenham um papel social na comunidade.
Por isto, todos que fundam uma associação de amigos com encontros regulares com finalidade as mais localizadas, por exemplo, andar de bicicleta juntos, fazer festas de bairro, prestar apoio à minorias vulneráveis etc. fazem o que gostam, fazem com prazer e, sem saber, fazem um grande serviço para Segurança Pública. Estão tornando mais contínuo e denso o tecido social criando laços e compromissos entre as pessoas que passam a se conhecer e chancelam, confirmam, uma a imagem social da outra.  Isto podemos chamar de Paz.
E na medida em que as pessoas se controlarem a si mesmas e umas às outras, zelando pela sua própria imagem, sua Policia Militar poderá se dedicar mais à sua verdadeira vocação: proteger as pessoas sem a necessidade de armas.


[1] Lúcio Nassaro é Tenente-Coronel da Policia Militar do Estado de São Paulo, bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra” (CAES), graduado em Filosofia, Mestre e Doutor em Ética e Filosofia Política pela USP. Foi bolsista da CAPES na França e é doutorando em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo CAES e comandante do 17ª BPM/M. Email: lucion@policiamilitar.sp.gov.br.

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