quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
O tráfico de animais silvestres (artigo publicado em jornais, em 2010)
Pesquisas indicam que o comércio ilícito de animais silvestres cresceu no final do século XX e se mantém em terceiro lugar no ranking mundial dos ilegais, perdendo apenas para o tráfico de drogas e para o tráfico de armas dentre os mais lucrativos. Entidades internacionais apontam que o Brasil abastece de 10 a 15 por cento desse mercado clandestino e que a atividade internacional é responsável pela circulação anual de aproximadamente 10 bilhões de dólares no mundo e de 700 milhões de dólares em relação ao país.
Animais silvestres são todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras. Pratica o tráfico a pessoa que captura, transporta, mantém em cativeiro animal silvestre, com o propósito de obtenção de vantagem econômica, e aquela que se envolve diretamente no comércio, comprando ou vendendo o animal silvestre, sujeitando-se à detenção de 3 meses a 1 ano, multa e apreensão dos animais. Essas prescrições se encontram no artigo 29 da Lei Federal nº 9.605/98, Lei dos Crimes Ambientais.
Nesse meio ilegal, é comum a associação de várias pessoas para o tráfico, o que caracteriza também a formação de quadrilha ou bando - mais de três pessoas em unidade de propósito criminoso - para completar o ciclo do tráfico, dividindo tarefas entre captura, transporte, guarda e o comércio propriamente dito. Nessa condição, pode ocorrer a condenação dos envolvidos à pena de reclusão de um a três anos (artigo 288 do Código Penal).
Apesar da atuação dos órgãos de fiscalização envolvidos na repressão a tal prática no Brasil, especialmente o efetivo das Polícias Militares empregados no Policiamento Ambiental, e os agentes da Polícia Federal em face do tráfico internacional, constata-se a persistência das ações criminosas em razão do baixo custo de sua operação. Além do prejuízo incalculável resultante da intervenção predatória no meio natural capaz de extinguir espécies, é marcante o aspecto da crueldade a que são submetidos os animais.
Os espécimes são subtraídos da natureza quando ainda filhotes e transportados no interior de malas de viagem fechadas, por vezes sedados e acondicionados em tubos cortados de PVC, nos bagageiros de ônibus ou de veículos de passeio, até o ponto de destino, onde serão guardados em condições impróprias e comercializados. Várias outras formas cruéis são empregadas para despistar o trabalho policial: já houve, por exemplo, apreensões de animais colocados no interior de caixas seladas de som, com o volume alto para disfarçar o barulho dos pássaros transportados durante uma eventual fiscalização. Diante disso, estima-se que de cada dez animais transportados clandestinamente, um sobrevive e essa circunstância faz aumentar o número de espécimes levados em cada viagem, como garantia da obtenção de lucro. Portanto, além do tráfico, se caracteriza o delito de abuso e maus-tratos contra animais previsto no artigo 32 da mesma Lei dos Crimes Ambientais.
De acordo com o Comando de Policiamento Ambiental de São Paulo, as espécies mais negociadas ilegalmente são as passeriformes, somando 98% do total. Especialmente as aves de canto despertam a cobiça dos traficantes; em razão do seu pequeno tamanho que facilita o transporte e a guarda, bem como do seu valor econômico, atraem aqueles que vendem e que compram criminosamente. As aves mais apreendidas pela polícia em São Paulo classificam-se na seguinte ordem: canário-da-terra, coleira-baiano, picharro, tico-tico, azulão, pintassilgo, pássaro-preto, curió, bigodinho e galo-de-campina; outros pássaros usados para ornamentação também atraem o interesse dos criminosos. Os demais espécimes apreendidos, em menor quantidade, são predominantemente dos grupos dos répteis e dos mamíferos.
Talvez a solução para esse problema seja o incentivo ao comércio regular de animais silvestres por meio dos chamados criadouros autorizados, ou seja, a venda de espécimes nascidas em cativeiro, com registro que comprova sua procedência, sinalizando-se um caminho de sustentabilidade no manejo da fauna, em conjunto com ações de rigorosa repressão ao comércio clandestino. Ainda, a população pode ajudar muito a polícia com denúncias e informações úteis à sua ação fiscalizadora.
Por fim, deve-se investir em campanhas de educação ambiental que buscam a conscientização de todos, nas várias faixas de idade, mas preferencialmente com foco nas novas gerações. Serão esses novos cidadãos, conscientes, a garantia de uma convivência mais civilizada com os animais silvestres e um futuro digno diante da necessária interação entre sociedade e natureza.
Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
(NASSARO, Adilson Luís Franco Nassaro. O tráfico de animais silvestres. Jornal Diário de Assis, Assis/SP, p. 02, 08 dez. 2010).
sábado, 30 de outubro de 2010
"Vizinho Amigo": pacto dos moradores e interação com o policiamento preventivo
O grau máximo de envolvimento nas questões de segurança pública de uma comunidade se dá com um compromisso voluntário entre vizinhos, moradores de determinado quarteirão ou quadra, de forma que um se torna responsável pela segurança do outro, como se fosse estabelecido um “condomínio virtual”, com a via pública constituindo um espaço de uso comum, cuja movimentação passa a ser observada por todos.
Não se trata de assumir “incapacidade” de órgãos de prevenção e repressão policial, mas aceitar que a responsabilidade pela segurança pública deve ser compartilhada nos próprios termos da Constituição Federal, pois, além de “direito” ela é “responsabilidade de todos”, conforme art. 144, caput, da Carta Maior. Naturalmente, o policiamento preventivo não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mesmo auxiliado por recursos tecnológicos.
A concepção do “Vizinho Amigo” deve ser estimulada pela força policial local porque envolve um grupo organizado de cidadãos em parceria direta com o policiamento preventivo, baseado no posicionamento geográfico, a partir do momento em que cada morador exerce um papel de vigilância e de “olhos da polícia” naquele setor. Estimula-se o exercício da solidariedade, para que cada envolvido assuma o problema do vizinho como um problema seu, com a garantia de que será beneficiado, como contrapartida, com a mesma preocupação do seu vizinho para consigo. A ideia do “Vizinho Amigo” pode ser colocada em prática pela iniciativa de qualquer um dos moradores interessados (que pode ser um policial, naturalmente).
A sabedoria popular já captou o raciocínio de que “mais vale um vizinho próximo, que um irmão distante”. Nem todo o vizinho é próximo no sentido de participação, apesar do vínculo físico dos imóveis que ocupam um mesmo logradouro; por isso há que existir uma liderança local que provoque essa aproximação entre moradores, de forma que as pessoas que residem ao lado deixam de ser apenas “vizinhos” e passam a atuar também na prevenção criminal de toda a rua - não somente em relação à própria casa ou estabelecimento comercial como é comum acontecer.
Em matéria de segurança é ultrapassado o pensamento de que “cada um cuida dos seus problemas”; exemplo disso é a situação em que determinada pessoa coloca vários dispositivos eletrônicos de segurança em sua casa (por exemplo, cerca elétrica, alarme e câmaras de vídeo) e não mantém relação amistosa com seu vizinho; ocorre que se o morador for sequestrado e entrar na casa fortificada junto com criminosos, sob ameaça, com um ou mais carros envolvidos, o vizinho não vai suspeitar da movimentação porque nada conhece do dia-a-dia, da rotina dele (que prefere o isolamento).
A iniciativa pode partir de algum policial, ou alguém que se preocupe com o aspecto da segurança coletiva, morador do quarteirão, rua, viela ou bairro rural. Esse morador entra em contato pessoalmente com cada vizinho, expõe resumidamente o propósito da mobilização e agenda uma reunião que ocorrerá em um dos imóveis locais, em horário não comercial, para organizar o funcionamento do programa “Vizinho Amigo”. Para esse propósito, como ponto de partida, pode ser aproveitada reunião já agendada para outros fins, como religiosos (comunidades de bairro, de novenas, de paróquias etc.) ou sociais e políticos (organizações de bairros, Conselhos locais e outros).
No primeiro encontro serão discutidas providências imediatas, no nível local, voltadas a segurança dos moradores. Também, haverá troca de informações que permanecerão restritas aos participantes compromissados, estabelecendo-se uma rede de contatos (telefones fixos, celular, e-mail). Muitos se surpreenderão pelo nível de afinidades e a oportunidade de conhecer melhor alguém que mora tão perto e que se mantém “distante” por falta de uma simples iniciativa para integração em prol do bem coletivo. A freqüência e o calendário das reuniões seguintes serão definidos conforme convencionado entre os participantes, mas, sugere-se uma reunião mensal como razoável para o objetivo proposto (a confirmação da reunião é sempre divulgada com antecedência na rede de contatos estabelecida).
Nesses encontros serão encontradas soluções locais e estabelecidas convenções que auxiliarão, em muito, a segurança de todos. Por exemplo, é possível convencionar que sempre que o veículo vai entrar em uma garagem, o condutor acene para o morador que está na via pública por um motivo ou outro. Estabelecida a rotina, se no horário usual, aquela senhora que está varrendo a calçada e sempre recebe o cumprimento diário do morador antes que este entre na garagem, não for contatada visualmente (e os vidros - escurecidos - do carro permanecem fechados), ela poderá ligar para o mesmo vizinho a fim de verificar se tudo está bem e, dependendo da situação, acionar o policiamento.
Se alguém vai viajar, pode combinar com o vizinho para que este recolha jornais, revistas e folhetos colocados no portão, combinando inclusive horários de acendimento de lâmpadas e outras providências, dependendo do nível de relacionamento que se estabeleça. Os sistemas de videomonitoramento também podem ser compartilhados, inclusive em nível de despesas de instalação e monitoramento, porque é comum uma câmara colocada em frente a uma residência cobrir parte da fachada de outras casas (em alguns municípios, dependendo de convênios estabelecidos entre empresas de energia elétrica e Prefeitura, é possível a instalação de câmaras inclusive nos postes; em Assis-SP, por exemplo, o prefeito propôs convênio semelhante à empresa local de energia elétrica em 2009).
A preocupação mínima de cada vizinho em relação à segurança de todos é multiplicada e ganha força extraordinária. A Polícia Militar pode ser acionada, por exemplo, por qualquer dos moradores (que pode pedir discrição quanto à sua identidade), para verificação de indivíduo em atitude suspeita na rua, a pé, ou em veículo estacionado com características estranhas àquele ambiente (espaço comum dos vizinhos amigos) porque o senso de suspeição é desenvolvido pela observação da rotina de determinado espaço, quem o freqüenta em determinados horários, o seu comportamento e outros indícios que somente o interessado observador local pode levantar.
No caso de uma cidade de porte médio, o gestor de policiamento preventivo pode verificar, dentro do seu efetivo operacional, policiais voluntários para manter contatos periódicos com lideranças em cada bairro, vila ou comunidade, em horário de serviço (desde que localizadas no setor onde trabalhará), sem prejuízo do atendimento de ocorrências e do desenvolvimento das operações e atividades próprias de cada programa de policiamento; será ele chamado de “policial do bairro”. Não existirá melhor forma de praticar o conceito de polícia comunitária, como filosofia de trabalho que cresceu desde o início da década de 1990 e que deve permear todas as iniciativas policiais, eis que privilegia a aproximação com a comunidade (também chamado “policiamento de proximidade”). Além das lideranças, obviamente devem ser visitadas pessoas da respectiva comunidade em que se estabelece o elo, mantendo-se o policial como referência e receptor dos anseios desse grupo de pessoas. Conhecer as pessoas é o primeiro passo para o policial estimular um espírito de participação e de colaboração comunitária; por isso, se o policial é morador da comunidade atendida, o vínculo será muito fortalecido.
A evolução dessa organização localizada em determinadas áreas urbanas pode gerar a criação de um “CONSEG de Bairro”. Essa representação local será capaz, inclusive, de pleitear junto ao Poder Público, de maneira organizada e com inegável força, melhorias que contribuem para a qualidade de vida, como limpeza e iluminação da vias públicas, promovendo a segurança de um modo geral, o que significa um avançado grau de exercício de cidadania (ainda na cidade de Assis, em São Paulo, o “CONSEG da Vila Prudenciana” ganhou destaque entre os anos de 2009 e 2010 pela força de reivindicação de melhorias físicas no local, em razão das suas lideranças reunidas, alcançando benfeitorias no bairro - que tem localização periférica no município, com grande densidade demográfica e um extenso eixo comercial, a Av. David Passarinho).
Em um possível aperfeiçoamento da iniciativa “Vizinho Amigo” (que nasce na comunidade, mas é estimulada pelo gestor de policiamento, conforme defendido), poderá ser implantada uma rede de câmeras de videomonitoramento e também um rede de rádio-comunicação, em caso de zona rural em especial, ou vigilância comum contratada. Todas as providências propiciarão o acionamento rápido da polícia com mais qualidade nas informações, em caso de necessidades.
Quanto à área rural, também o cadastramento dos moradores ou dos proprietários em um determinado bairro, vila ou rua, com coordenadas geográficas, permite uma pronta localização e melhor conhecimento do ambiente de atuação, bem como a forma mais adequada de contato com as pessoas interessadas (podendo o policial se valer de GPS - Global Position System). Para tanto, a iniciativa do “Vizinho Amigo” pode evoluir para um Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG Rural) em razão da necessidade de melhor estrutura de organização, para as providências oportunas voltadas à identificação das propriedades em mapas, bem como colocação de placas nas vias de acesso e placas numeradas em frente de cada propriedade.
A experiência de criação de um CONSEG Rural ocorreu em relação aos proprietários e moradores da área rural da cidade de Assis-SP, 1ª Companhia do 32º BPM/I, desde o final de 2009, com organização própria e uma média surpreendente de participação (em torno de quarenta pessoas, com quase todos os bairros, ou “águas”, representados). Dois tenentes da Companhia acompanham as reuniões mensais e transmitem orientações sobre segurança, auxiliando o presidente do grupo a coordenador os trabalhos: 1º Ten PM Paulo Sérgio Rezende Pereira (comandante interino da 1ª Cia) e 1º Ten PM Fernando Santana Xavier (voluntário da 1ª Companhia). As melhorias alcançadas inicialmente sob o propósito de segurança (como a identificação física dos endereços, com placas refletivas) estimulou cobranças dirigidas ao Executivo Municipal e providências como asfaltamento e melhoria de acessos.
Os policiais designados para desenvolverem um Patrulhamento Rural, com base na identificação das propriedades passarão a conhecer detalhes importantes de cada propriedade rural, por exemplo, se ela tem característica agrícola ou de pecuária, ou ambas; a existência de maquinários agrícolas e insumos caros como fertilizantes e também defensivos agrícolas (que atraem autores de furto ou roubo); quantos e quais são os moradores e trabalhadores; os acessos etc. Avançando-se o policiamento territorial na área rural, será fundamental a colaboração do policiamento ambiental, do policiamento rodoviário e também do aéreo, onde existirem, para melhor cobertura na atuação policial.
A vigilância combinada entre proprietários também é um caminho viável a partir dos contatos no CONSEG Rural especialmente porque, no meio rural, a ação do criminoso contra o patrimônio é diferente do que acontece no meio urbano. Prova disso, é a confirmação de que em noites claras de lua cheia ocorrem mais furtos de gado, naturalmente em razão de que não há necessidade de uso de lanternas ou de outros sistemas de iluminação que acabam chamando a atenção, ao longe, durante o arrebatamento de rezes nos pastos. Vivências como essa indicam a necessidade de associação para fortalecimento dos laços de amizade e compromissos entre proprietários vizinhos em conjunto com a força policial local.
Retornando ao conceito do “Vizinho Amigo” na área urbana, interessante notar que algumas matérias jornalísticas divulgaram recentemente experiências de cidades distintas sobre mobilização de comunidades cujos moradores se utilizam como recurso de codificação apitos para indicar situações de segurança, de risco ou de prática de crime, o que representa comunicação rápida entre eles e controle da situação local. Dentre as convenções, se estabeleceu: um silvo curto significa segurança; um silvo curto e um longo correspondem à alerta (presença de suspeitos); e silvo intermitente indica crime acontecendo. A ideia da “comunicação entre indivíduos”, que provoca uma onda de alertas no caso de perigo (que se propaga), pode ter surgido da estratégia popular de “anúncio de criança perdida” quando pessoas na praia começam a bater palmas caminhando junto com menor perdido, até que os responsáveis - normalmente os pais - percebam a mobilização e vão ao encontro da criança (no verão de 2008 e também no de 2009, por exemplo, o procedimento foi muito comum em praias lotadas do litoral paulista e bem divulgado em matérias televisivas).
Apesar da estratégia conhecida por “apitaço” surgir, conforme noticiado, como uma reação de insatisfação popular na área de segurança, no caso do Rio de Janeiro, ela ilustra bem a força da comunidade e a iniciativa agregadora de alguns líderes que, em parceria com a polícia, podem gerar mudanças significativas em benefício de todos. Segue a matéria referente a uma das iniciativas:
No bairro Cosme Velho, zona sul do Rio de Janeiro, os moradores passaram a usar apitos ao chegarem nas suas ruas. Ao se aproximarem, fazem soar um apito curto. Em suas casas, os outros moradores respondem ao apito, dando a deixa de que estão vigiando e velando pelo que está subindo a rua. Se o apito for longo, é sinal de alguma coisa não está normal e que a atenção deve ser redobrada; talvez até se chamar a polícia. Os moradores contam que esse recurso já até salvou uma jovem de ser espancada, pois os criminosos fugiram logo que ouviram os apitos.
O exemplo dessa iniciativa veio de Pernambuco, onde a ong Cidadania Feminina fez distribuir no ano passado mais de mil apitos só na favela Alto José Bonifácio, no Recife. Neste caso, o objetivo era diminuir os altos índices de violência contra a mulher no Estado, mais de 10 mil casos por ano. O lema da ong já diz tudo: “Vamos apitar até as violência acabar”.
O recurso dos próprios moradores vigiarem seus bairros vem desde o final dos anos 60, nos Estados Unidos. Uma mulher havia sido estuprada e morta em Nova York, e perto de trinta testemunhas não fizeram nada para evitar o crime ou chamar as autoridades policiais. Revoltados, moradores de diversas regiões da cidade decidiram criar comitês para vigilância de suas áreas. A experiência acabou incentivando a criação de várias organizações dedicaram à criação deste tipo de grupos e ao seu apoio, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra (Matéria de 07/10/2007. Fonte: http://www.avozdocidadao.com.br/Quintal_globo_66_a.asp, acesso em 01 jul. de 2010).
Na cidade de Londrina, além do uso do apito, alguns moradores de bairros de classe média se organizaram especialmente preocupados com as viagens de férias, com receio de furtos a residências. Adotaram providências como a fixação de placas nas fachadas das moradias com os dizeres: “Vizinhança alerta: estamos de olho em você!” e também a contratação (com despesas em comum) de serviços de vigilância e outras medidas preventivas, para viajarem com maior tranquilidade:
Famílias de Londrina (PR) se uniram para evitar que a casa do vizinho seja furtada durante as viagens de férias. Os próprios moradores criaram esquemas de segurança. Em uma rua, eles resolveram usar apitos para espantar os ladrões.
Em alguns bairros, os moradores contrataram vigias e equipes de ronda que trabalham 24 horas. Em outra rua, os moradores resolveram se unir. Eles já anotaram os telefones de todas as casas e instalaram placas avisando que estão em alerta e de olho na movimentação.
Para espantar os criminosos, foi criado um método especial. Cada pessoa tem dois apitos: um em casa, outro dentro do carro. Quando aparece algum suspeito, eles entram em ação. O apitaço deixa a rua em alerta. Depois que o sistema foi implantado, muitos moradores perderam o medo de viajar (Matéria de 13/09/2010. Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL216669-5598,00-MORADORES+DE+LO).
Em Uberlândia, Minas Gerais, o relato da mobilização dos moradores em projeto executado no Bairro Tibery também comprova a força da união da vizinhança para a segurança de todos. O recurso do apito, ao que se pode notar, é apenas um dos ingredientes do projeto (que conta com o apoio da Polícia Militar local) e o que mais interessa, na verdade, é a mudança de postura entre vizinhos que passam a se preocupar com a segurança do próximo, estabelecendo uma rede eficaz de contato e de relacionamento no seu ambiente mais próximo:
Moradores de quatro quarteirões de residências no bairro Tibery, em Uberlândia, estão há quase seis meses sem o registro de uma ocorrência sequer de crimes contra o patrimônio. Desde a época, por iniciativa da própria comunidade, está em funcionamento no lugar uma nova modalidade de segurança e vigilância: o projeto Vizinho Ajudando Seu Vizinho.
No semestre anterior, segundo levantamentos feitos pela própria Polícia Militar, que dá apoio ao projeto, ocorria, por semana, pelo menos um furto seguido de arrombamento em residências dos quarteirões. O fato ocorria, principalmente, porque bem perto do núcleo habitacional há um lugar denominado Favelinha, onde desocupados consomem e vendem drogas.
O projeto consiste em um morador ajudar o outro em caso de necessidade ou de perigo. Ao ouvirem qualquer barulho diferente ou avistarem a aproximação de estranhos, em atitude suspeita, os próprios moradores sacam de apitos e, por meio do som estridente, vão avisando um ao outro do ocorrido. Todos saem às ruas e se for um ladrão eles acionam a PM (Matéria de 21/05/2008. Fonte:http://www.correiodeuberlandia.com.br/texto/2005/11/20/14153/vizinhos_usam_Apitaco_para_ter_seguranca.html, acesso em 01 de jul. 2010).
Ainda, no interessante caso do bairro Tibery, o projeto comunitário chamado “Vizinho Ajudando Seu Vizinho” envolve outras providências, como a identificação das residências envolvidas com fixação de placa nas fachadas, a divulgação de uma “lista telefônica própria” (com a criação de uma rede de proteção), a designação de um “inspetor de quarteirão” voluntário, e outras idéias que foram colocadas em prática, além da importante conscientização dos populares, somado ao reforço do policiamento comunitário por parte da Polícia Militar local. Em razão dos ricos detalhes apresentados na mesma matéria, justifica-se a reprodução de mais uma parte do relato:
O projeto comunitário não é original. Há alguns anos ele foi implantada em Belo Horizonte, num bairro nobre. "Fiquei sabendo que os moradores estavam usando apito para espantar bandidos. Achei interessante trazer a ideia para discutir com meus vizinhos, porque segurança, embora seja dever do Estado, é responsabilidade também de cada cidadão", enfatiza uma moradora.
O bairro Tibery é uma das localidades de maior densidade populacional de Uberlândia. A estimativa é que cerca de 35 mil pessoas residem em casas e prédios da localidade. Aproveitando o projeto desenvolvido na região onde mora Carrijo (próximo ao estádio Airton Borges, com acesso pela rua Grécia) a PM está reforçando o policiamento comunitário.
Além do uso dos apitos, os moradores ampliaram o projeto. De acordo com o aposentado Sebastião José dos Santos, que atua como uma espécie de inspetor de quarteirão, todas as casas, cujos moradores aderiram à ideia, estão afixando uma placa na porta, avisando que as famílias fazem parte da iniciativa. "Assim, a gente sabe onde é que está quem."
Sebastião mora na rua Grécia há cinco anos. "Aqui em Uberlândia, eu nunca fui assaltado, mas sempre que vejo alguma coisa diferente, eu apito avisando os vizinhos", conta. (...)
Josias, um comerciante, diz estar tranqüilo. "Tenho os meus vizinhos. De um lado eles me ajudam olhando, do lado de fora, quem está vindo de maneira estranha; do outro eu os ajudo avisando da aproximação de alguém estranho da casa deles", afirma, explicando como colabora para o êxito da iniciativa. "As coisas melhoraram muito", diz.
A dona-de-casa Juventina é empolgada com a iniciativa. "Quando começamos as reuniões, muitos vizinhos achavam que (a ideia) não daria certo porque era muita gente que passava aqui na rua. Agora, eles — segundo ela, usuários de drogas, mendigos e bandidos - sumiram e tomara que não voltem mais."
Ela é encarregada de uma outra tarefa na rede de proteção. Quando alguma pessoa nova muda para as imediações, ele a chama para integrar o projeto. Os moradores mandaram imprimir uma lista telefônica própria, com nomes de cada chefe de família vizinho. "A gente anota o número do telefone, o nome completo da pessoa e também o apelido, quando tem."
Neta de Juventina, Natália, de 15 anos, é a mais nova participante da comunidade solidária. "Dá até para viajar, sem ficar preocupada em voltar e encontrar a casa vazia", salienta. De acordo com ela, as reuniões que são feitas pelo menos uma vez por mês motivam os moradores. "Cada um vem e conta o que ocorreu e o que fez", relata.
O funcionário público Silvestre diz que os comentários que surgem sobre os efeitos positivos do projeto do apito ajudaram a levar a paz ao lugar. "Quando a gente chegava aqui em casa, a gente ficava até com medo de abrir o portão de tanto vagabundo que ficava na rua fumando maconha. Ainda têm alguns, mas a maioria não aparece mais."
Dona de um açougue, Dalva diz que a única coisa que ainda atrapalha são os pedintes que freqüentam a favelinha atrás do estádio Airton Borges. "Teve uma vez que um ia invadindo a casa de um vizinho e eu avisei." Dias atrás um estranho tentou destruir parte do muro de uma residência. E os vizinhos o puseram para correr.
A iniciativa do “Vizinho Amigo”, enfim, pode ser ajustada às necessidades de cada quadra, bairro ou comunidade. Qualquer mecanismo que surja da própria união da comunidade (sem que haja restrições legais, obviamente) não será encarado como algo extravagante, a exemplo do uso de apitos se for o caso, mas legítimo pela sua origem, finalidade e, em muitos casos, com sucesso comprovado. O mais importante é a mobilização e envolvimento dos vizinhos, que conseguirão soluções imediatas e rápidas no seu ambiente de proximidade residencial.
O gestor de policiamento preventivo deve estar atento, incentivar a criação de vínculos entre os moradores que contribuam para a segurança coletiva e participar dentro de suas possibilidades. Enfim, mais uma vez, trata-se da força da união e a prova de que ninguém consegue viver ou resolver todos os seus problemas de forma individualista.
Autores: Adilson Luís Franco Nassaro e Lincoln de Oliveira Lima
(O artigo pode ser amplamente divulgado, sempre com citação de fonte e autoria).
terça-feira, 21 de setembro de 2010
O tráfico de animais silvestres no Brasil
1. O significado da expressão
No ordenamento jurídico brasileiro não existe propriamente a figura de um delito intitulado “tráfico de animais silvestres”, mas há indicação de um conjunto de condutas relacionadas de algum modo ao aproveitamento irregular de animal integrante da fauna silvestre, com ganho econômico dele decorrente. Constituem exemplos: a caça; a apanha; a venda; a exposição; o transporte; a aquisição; a manutenção em cativeiro; e a utilização; dentre outras, nos termos do art. 29 e os incisos I, II e III do seu parágrafo 1º, da Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conhecida com “Lei dos Crimes Ambientais” (de acordo com a definição do parágrafo 3º, do mesmo artigo: “são espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras”).
O uso comum da expressão “tráfico de animais”, inclusive no âmbito dos órgãos de fiscalização e dos demais atores envolvidos na proteção da fauna silvestre, aponta para uma interpretação consensual, qual seja, a de que integram o ciclo do tráfico de animais silvestres: a captura; o transporte; a guarda; e a comercialização propriamente dita, que são voltados à obtenção de alguma vantagem econômica.
Assim como ocorre com o tráfico de drogas, emprega-se usualmente apenas o vocábulo tráfico como sinônimo de “negócio proibido”. Mas convém um esclarecimento preliminar: a palavra tráfico por si só pode significar especificamente “comércio” (regular ou não) como apresentam os dicionários de língua portuguesa, em pese o seu uso mais comum, sem adjetivação, já denotando negócio ilícito ou indecoroso, associado aos seguintes “objetos” de circulação: drogas; armas; animais silvestres; órgãos humanos; obras de arte; escravos em passado não muito distante e, mais recentemente, também associado à circulação de crianças para adoção ilegal e à circulação de mulheres como modalidade de lenocínio. Tráfico igualmente se associa à influência, também no sentido de negociação ilícita, na conduta de aceitar oferecimentos e/ou receber presentes para obter de um governante ou duma autoridade pública uma vantagem qualquer; ou advocacia administrativa (dentre outros consultados, FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996).
No caso dos animais silvestres, note-se que pode ocorrer o comércio legal (ou regular), desde que o animal seja proveniente de criadouros autorizados - como se interpreta na leitura do inciso III, do par. 1º, do art. 29, da mesma Lei 9.605/98; mas, nessa situação não se tem utilizado o vocábulo “tráfico”, naturalmente pelo sentido negativo que ele adquiriu, em razão das associações mais comuns a diversas práticas ilegais.
Formalmente, a ilegalidade de atos relacionados ao comércio de animais silvestres existe no Brasil a partir da proibição da caça e da venda de algumas espécies silvestres, o que ocorreu apenas com a vigência do antigo “Código de Caça”, instituído pelo Decreto Federal nº 23.672, em 02 de janeiro de 1934 (MELE, João Leonardo. A Proteção do Meio Ambiente Natural. Cubatão: Edição Petrobrás, 2006, p. 58).
O tema ganha relevância em razão dos números expressivos indicados quanto à circulação ilegal e contemporânea de animais silvestres. Entidades internacionais de pesquisa apontam que o Brasil abastece de 10 a 15 por cento do mercado clandestino de animais silvestres. A atividade internacional é responsável pela circulação anual de aproximadamente 10 bilhões de dólares no mundo e 700 milhões de dólares em relação ao país.
Pelo critério de circulação de valores em dinheiro, o tráfico de animais silvestres no mundo perde apenas para o tráfico de armas e para o tráfico de drogas (LIMA, Pedro C. de e SIDNEI, Sampaio dos Santos. Cetas: an importante tool to fight Illegal traffic of sylvan animals and reintroduction of species in protected habitats in light of eco-tourism activities. In World Ecotour, Annals of Second International Congress & exhibition on ecotourism. Biosfera: Salvador. 2000. p. 29).
2. Evolução legislativa e caracterização da prática ilegal
A caça compreendida como a captura do animal no seu meio natural, abatido ou não, já era praticada muito antes da chegada dos colonizadores, como meio de subsistência, por exemplo, pelos índios tupis na área coberta pela Mata Atlântica, nesse caso, com características culturais marcantes, como ilustra Warren Dean: “Os caçadores tupis evidentemente experimentavam complexas interações psíquicas com sua caça. Atribuíam almas aos animais e se identificavam profundamente com eles. Um caçador não consumia ele mesmo a caça que havia abatido, por medo de vingança do animal” (DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a destruição da mata atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 55).
Quanto ao aproveitamento econômico do objeto da caça, que veio a caracterizar a figura do caçador profissional, não havia em princípio irregularidade na comercialização de animal simplesmente pela sua qualidade silvestre, desde que não constituísse propriedade alheia. A “proteção” da fauna no Brasil, influenciada pela doutrina civilista do começo do século XX, partiu de uma noção privatista da relação existente entre o homem e os animais. O Poder Público protegia o valor econômico agregado ao animal, defendendo a sua propriedade particular ou mesmo a expectativa de propriedade do criador, do pescador ou do caçador (nessa fase, o legislador preocupou-se em coibir condutas lesivas aos semoventes, objetivando protegê-los enquanto bens jurídicos incorporados ou passíveis de incorporação ao patrimônio particular. Para tanto, classificou-os materialmente como bens móveis, com a característica de “bens suscetíveis de movimento próprio”, na precisa definição do art. 47 do Código Civil de 1916, em redação atribuída a Clóvis Bevilacqua). Tal como a água, por exemplo, o animal sem dono constituía "res nullius"; assim, na condição de bem que não estava integrado ao patrimônio de alguém, poderia vir a pertencer àquele que o caçasse, em razão do próprio sentido primitivo da dominação do meio natural identificado por Keith Thomas: “Com efeito, ‘civilização humana’ era uma expressão virtualmente sinônima de conquista da natureza” (THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.21-61).
Com o advento do Código de Caça, de 1934, que estabeleceu restrições à caça e à comercialização, tornou-se possível identificar atos caracterizados como tráfico ilícito de animais silvestres, sob o ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro voltado à proteção da fauna. Antes disso, poder-se-ia identificar um crime de ordem patrimonial, como o furto e, consequentemente, a receptação, mas não especificamente a condição de tráfico pela característica silvestre do animal objeto de negociação.
Já em 1967, surgiu outra novidade com a Lei Federal nº 5.197, de 03 de janeiro, conhecida como “Lei de Proteção à Fauna”. Foi estabelecido, logo em seu art. 1º, que: “Os animais de quaisquer espécies em qualquer fase do seu desenvolvimento que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedade do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”.
Esse dispositivo refletiu, já na década de 1960, o reconhecimento das limitações do recurso natural “fauna silvestre” e de sua relevância para a integridade do meio ambiente. Em razão disso, tornou-se indisponível a apropriação do objeto jurídico tutelado na condição de bem público, pertencente à União. Ainda, leis posteriores continuaram a estabelecer como condição de exploração da fauna silvestre a obtenção de autorização, licença e concessão expedidas pelo órgão público competente, em consonância com a interpretação de titularidade do Estado, como ente federal, em relação ao referido bem jurídico.
Essa maior proteção legal dirigida aos animais silvestres surgiu após expressiva ocupação humana dos seus ecossistemas em período de expansão e de acelerado desenvolvimento no país. Proibiu-se definitivamente a caça profissional - que durante séculos dizimou espécimes da fauna silvestre brasileira - e, quanto à caça amadora, foram estabelecidas condições para a sua prática verificada em alguns dos Estados da Federação.
A partir do que foi estabelecido em 1967 (fauna silvestre como propriedade da União), a evolução dos textos legais fez surgir o moderno conceito de bem ambiental, como novo tratamento jurídico aplicado à fauna, cujos titulares são indeterminados, vez que, teoricamente, todos os homens têm interesse em relação ao meio ambiente, ou seja, há o interesse difuso pelo reconhecimento da função ecológica do animal, que é anterior ao seu valor individual eventualmente observado na esfera econômica (nesse sentido, FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 86).
Nos anos seguintes, o mundo viveu momentos marcantes quanto ao reconhecimento da importância da relação do homem com a natureza e o equilíbrio ecológico do meio ambiente, surgindo inclusive uma nova forma de estudar a história, conforme destacou Worster: “A idéia de uma história ambiental começou a surgir na década de 1970, à medida que se sucediam conferências sobre a crise global e cresciam os movimentos ambientalistas entre os cidadãos de vários países. Em outras palavras, ela nasceu numa época de reavaliação e reforma cultural, em escala mundial” (WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Revista Estudos Históricos, vol. 4, n. 8, Rio de Janeiro: FGV, 1991, p. 199).
Já em 1988, a Constituição Federal estabeleceu no seu art. 225, § 1o, inciso VII, que “compete ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade”. No âmbito da legislação infraconstitucional, a Lei 9.605/98 prescreveu as condutas que podem caracterizar o tráfico de animais, dentre outras ações delituosas verificadas na relação entre o homem e as demais formas de vida animal.
Não obstante o aparato legal proibitivo, a prática do tráfico de animais silvestres evoluiu ao longo das décadas no Brasil, por meio de divisões de tarefas e do aperfeiçoamento da dissimulação do transporte, para manter o lucro e, com isso, a compensação do risco das sanções inerentes às condutas criminosas perpetradas, privilegiando sempre o objetivo econômico, ou seja, a obtenção da vantagem indevida.
Várias formas cruéis de camuflar o transporte de animais são ainda hoje desenvolvidas nesse propósito, como a sedação e o acondicionamento de pássaros em tubos fechados no interior de malas de viagem, conforme registros recentes em boletins de ocorrência policial. A maioria dos animais transportados em tais condições morre antes mesmo do término da viagem, ou chegam totalmente debilitados ao destino. Portanto, associado ao tráfico, invariavelmente tem sido identificado pelo menos outro crime: a crueldade contra os animais, além da configuração da formação de quadrilha, esta no caso de criminosos agindo em unidade de propósitos para completar o ciclo do tráfico (a crueldade, ou maus-tratos dirigidos a animais constitui conduta prevista como crime no artigo 32, também da Lei Federal 9.605/98, com o seguinte tipo penal: “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Pena: detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”. Já a formação de quadrilha tem a seguinte tipificação, encontrada no artigo 288, do Código Penal: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos”).
3. Prevenção e repressão
No plano da fiscalização, verificam-se o surgimento e o papel desenvolvido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e pelas Polícias Ambientais dos Estados, com ações de prevenção e repressão ao tráfico, sob a ordem jurídica da ampla tutela do Estado em relação aos animais silvestres.
Decorrente do agravamento das questões ambientais e diante de uma crescente movimentação em todo o mundo em prol de iniciativas de proteção dos recursos naturais, no ano de 1967 foi criado, no âmbito do Ministério da Agricultura, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, mesmo ano em que entrou em vigor a “Lei de Proteção à Fauna”. Esse órgão foi extinto e substituído pelo IBAMA, que é agência ambiental criada pela Lei Federal nº. 7735, de 22 de fevereiro de 1989, subordinada ao Ministério do Meio Ambiente brasileiro e formado pela fusão de quatro entidades brasileiras que trabalhavam na área ambiental, quais sejam: Secretaria do Meio Ambiente - SEMA, Superintendência da Borracha - SUDHEVEA, Superintendência da Pesca - SUDEPE e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF.
Atualmente o IBAMA tem como atribuições, dentre outras, exercer o gerenciamento, controle, proteção e preservação das espécies silvestres brasileiras da fauna e da flora. Porém, em razão do seu pequeno corpo de agentes para fiscalização em todo o território brasileiro, ao longo de sua existência foi cedendo a área de atuação para as Polícias Ambientais dos Estados, integrantes das estruturas das polícias militares estaduais e constituídas como órgãos de competência abrangente, no amplo espectro da preservação da ordem pública (o parágrafo 5º, do inciso IV, do artigo 144, da Constituição Federal, estabelece a sua competência, nos seguintes termos: “Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública...”).
Antes do IBAMA, no Estado de São Paulo surgiu em 14 de dezembro de 1949 o Policiamento Ambiental, originariamente como “Polícia Florestal” e integrada por efetivo da então Força Pública, atual Polícia Militar. Atuando no cumprimento da legislação de proteção aos recursos naturais, ao longo dos anos o efetivo foi assumindo praticamente toda a fiscalização de campo sobre o comércio ilegal de animais silvestres e as condutas a ele relacionadas. Tal concentração deveu-se à sua presença em todo o território estadual, e a circunstância de que o IBAMA passou a priorizar, por limitações operacionais, a emissão das licenças e a atualização dos cadastros dos criadouros legalizados, na condição de gestor do controle e proteção da fauna (informações obtidas junto à Seção Operacional do Comando de Policiamento Ambiental, em São Paulo).
Essa centralização na esfera da fiscalização passou a ser mais evidenciada a partir da vigência da Lei Federal nº 9.605/98, que trouxe também novas definições aos crimes ambientais. Ao longo da década seguinte, praticamente todas as ocorrências envolvendo condutas relacionadas ao tráfico de animais no Estado de São Paulo, geradoras de providências administrativas e criminais, com apreensão dos animais, foram registradas nos Boletins de Ocorrência do Policiamento Ambiental paulista. Na maior parte dos outros estados brasileiros é verificada situação parecida, ou seja, o efetivo policial-militar com competência de preservação da ordem pública e polícia ostensiva ao longo do tempo assumiu a prevenção e repressão às condutas relacionadas ao tráfico de animais silvestres.
Nos últimos anos, as ocorrências têm sido observadas em três grupos: as de atendimento à denúncia de guarda ou manutenção de criadouro irregular e comércio; as de constatação do transporte de animal detectado em bloqueios policiais ou em atendimento igualmente a denúncias; e as de fiscalização quanto aos atos de comercialização propriamente dita. Muito comum, também, a constatação de maus-tratos, nesse caso, voltados tanto a animal silvestre quanto ao doméstico, bem como a verificação das condições de eventual mantença, ou guarda doméstica, como também é conhecida a conduta para o propósito de estimação, nesse caso sem qualquer finalidade de vantagem econômica, comportamento que não se tem enquadrado como utilização para fins de responsabilidade penal, ou administrativa (nesse último caso, desde que não pertença o animal à espécie considerada ameaçada de extinção, nos termos do parágrafo 2o., do artigo 19, da Resolução SMA 37, de 09 de dezembro de 2005, em São Paulo, que regulamenta a aplicação do Decreto Federal n. 3.179, de 21 de setembro de 1999. vide NASSARO, Adilson Luís Franco. A Mantença de Animais Silvestres a Propósito de Estimação. Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em Ciências Sociais e Jurídicas. Guarulhos: FIG, 2001 e COMANDO DE POLICIAMENTO AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Guarda Doméstica de Espécie Silvestre a Título de Estimação. Boletim Técnico nº 2, ano I, 15.08.2000).
Sem prejuízo do conjunto de providências decorrentes da constatação do tráfico de animal silvestre, o efetivo do Policiamento Ambiental tem investido no aspecto da educação ambiental como estratégia de prevenção, voltado destacadamente ao público jovem e estudantil.
Quanto à repressão ao tráfico internacional, especificamente, que passou a envolver grande volume de animais silvestres comercializados, a atuação da Polícia Federal se mostra expressiva a partir do final da década de 1990.
4. Considerações finais
As leis que trouxeram dispositivos de proteção aos animais de um modo geral surgiram, ao longo do tempo, como reflexo do reconhecimento da imprescindibilidade de um meio ambiente equilibrado, de que são partes indissociáveis a fauna e a flora na sua total diversidade. O homem situa-se como principal agente transformador do meio e, ao mesmo tempo, original integrante do universo dos seres vivos dependentes de relações processadas no meio natural.
Enquanto a intervenção humana atingia proporções que impediam a espontânea regeneração da camada de cobertura vegetal devassada, iniciou-se processo de extinção de espécies em virtude da incapacidade de adaptação, pela abrupta alteração do meio natural e também em razão da impossibilidade de manutenção de formas sensíveis de vida em ambiente artificial. Como conseqüência, passou o Estado à tutelar a fauna, mediante legislação específica, sob o enfoque da preservação do valor ecológico da vida animal.
A verificação da evolução da tutela ambiental, em especial a proteção legal da fauna silvestre no Brasil, merece destaque em oposição à contínua ação dos traficantes, que constituem irregulares aproveitadores desses recursos. Não se interpreta a ordem jurídica específica e a movimentação estatal manifesta nas ações de polícia e em seus desdobramentos sem conhecimento do desenvolvimento, ao longo do tempo, do esforço legal de preservação desses bens naturais limitados. A análise dessa proteção legal da fauna no Brasil, em face do tráfico de animais, subsidia conclusão centrada no desenvolvimento da teoria da posse aplicada ao animal silvestre, indicando que o traficante subverte a ordem do regular e justo aproveitamento do recurso especialmente protegido para o propósito do bem comum.
A riqueza dos recursos naturais do país e o aspecto econômico implícito nas vantagens que dão lastro ao aproveitamento da fauna silvestre, tendo por condicionante o legal reconhecimento desse bem como público (de interesse difuso), explicam as duas faces da mesma moeda, presentes no país desde longa data. Apresenta-se a face da marginal captura, transporte, guarda, comercialização e utilização do animal silvestre e de seus subprodutos, que se mantém ainda na primeira década do século XXI e, de outro lado, a face do crescente aproveitamento regular desses recursos mediante instrumentos legais de licença de uso, como solução para a sustentabilidade no manejo da fauna.
Não obstante o esforço legal de caráter permanente, os traficantes prosseguem aprimorando as técnicas para consumar práticas delituosas, e por isso clandestinas, a fim de alcançar os seus propósitos e buscam lacunas na atuação dos órgãos de fiscalização fazendária, de fiscalização de transportes e na movimentação dos órgãos policiais na área de segurança pública, de um modo geral.
Com o avanço da biotecnologia, os bancos genéticos naturais passaram também a despertar interesse no mercado clandestino internacional, face à possibilidade de aproveitamento dos recursos biológicos na condição de material para pesquisa e desenvolvimento científico, em busca de soluções medicinais e de produção de bens diversos que propiciem melhor qualidade de vida, com baixo custo.
Assim, a riqueza da biodiversidade no Brasil, que possui várias espécies endêmicas, constitui foco de pesquisadores de diversas partes do mundo, ensejando ações de iniciativa governamental, e mesmo privada, para a preservação das espécies nativas brasileiras. Nesse contexto, surgem ocorrências que evidenciam a prática da chamada biopirataria, por meio do tráfico de animais e o aproveitamento irregular da riqueza genética das espécies brasileiras, integrantes da fauna silvestre.
Por fim, as ações do Estado buscam prevenir e reprimir o tráfico de animais silvestres, apresentadas inicialmente pelo trabalho desenvolvido no âmbito do Policiamento Ambiental. Portanto, as análises das ocorrências com apreensões de animais no tempo presente têm relevância para verificação das estratégias desenvolvidas pelos traficantes e também para identificação e dimensionamento do esforço legal e Institucional voltados a coibir tais condutas criminosas (AZEMA, Jean Pierre - “Tempo presente”, IN BURGUIÈRE, André Org., Dicionário das ciências históricas. Trad. H. A. Mesquita. Rio de Janeiro. Imago, 1993, p. 735). Essa tarefa se volta para o campo da história ambiental, uma área nova de conhecimento favorecida pela avaliação metodológica dos registros de ocorrências policiais disponíveis.
Como concluiu Drummond: “A história ambiental é, portanto, um campo que sintetiza muitas contribuições e cuja prática é inerentemente interdisciplinar. A sua originalidade está na sua disposição explícita de ‘colocar a sociedade na natureza’ e no equilíbrio com que busca a interação, a influência mútua entre sociedade e natureza” (DRUMMOND, José Augusto. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Revista Estudos Históricos, vol. 4, n. 8, Rio de Janeiro: FGV, 1991, p. 185).
O estudo sobre o tráfico de animais silvestres também abre espaço para amplo debate sobre a viabilidade de compatibilização de legítimos interesses sociais, diante do modo de vida contemporâneo. Essa reflexão passa obrigatoriamente, em primeiro lugar, quanto à expectativa de perpetuação das espécies da fauna silvestre, para que possam desempenhar sua função ecológica no meio natural, e, em segundo momento, quanto à regular e ampla possibilidade de utilização dos recursos da fauna silvestre disponibilizados ao homem.
REFERÊNCIAS
AZEMA, Jean Pierre - “Tempo presente”, IN BURGUIÈRE, André (Org.), Dicionário das ciências históricas. Trad. H. A. Mesquita. Rio de Janeiro. Imago, 1993.
COMANDO DE POLICIAMENTO AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Guarda Doméstica de Espécie Silvestre a Título de Estimação. Boletim Técnico nº 2, ano I, 15.08.2000; responsável: Cap PM Nilson Prazeres.
COMANDO DE POLICIAMENTO AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Dados Estatísticos e Estratégicos Operacionais do período 2005-2009 sobre o Tráfico de Animais da Fauna Silvestre Nacional.
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a destruição da mata atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DRUMMOND, José Augusto. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Revista Estudos Históricos, vol. 4, n. 8, Rio de Janeiro: FGV, 1991.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000.
FREITAS, Wladmir Passos de, e outro. Crimes Contra a Natureza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
LIMA, Pedro C. de e SIDNEI, Sampaio dos Santos. Cetas: an importante tool to fight Illegal traffic of sylvan animails and reintroduction of species in protected habitats in light of eco-tourism activities. In World Ecotour, Annals of Second International Congress & exhibition on ecotourism. Biosfera: Salvador. 2000.
MARTINEZ, Paulo Henrique. História ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez. 2006.
MELE, João Leonardo. A Proteção do Meio Ambiente Natural. Cubatão: Edição Petrobrás, 2006.
NASSARO, Adilson Luís Franco. A Mantença de Animais Silvestres a Propósito de Estimação. Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em Ciências Sociais e Jurídicas. Guarulhos: FIG, 2001.
NASSARO, Marcelo Robis Francisco. Direito Ambiental Aplicado à Proteção da Fauna. Apostila do Curso de Especialização de Oficiais da Polícia Militar Florestal de São Paulo. Edição interna, 2000.
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Revista Estudos Históricos, vol. 4, n. 8, Rio de Janeiro: FGV, 1991.
Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
(NASSARO, Adilson Luís Franco Nassaro. O tráfico de animais silvestres no Brasil. Fórum Ambiental da Alta Paulista, Volume VI. Tupã: ANAP. 2010) ISSN 1980-0827
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Iniciativas do gestor de policiamento preventivo como estratégias locais de segurança pública
É certo que sem segurança, em sentido amplo, não há condições de desenvolvimento pleno em qualquer outra área, ou seja, sem “ordem” não há progresso. O anseio por mais segurança se caracteriza não somente como um pleito local, mas como uma demanda de todo um país, ensejando maior ou menor clamor público, dependendo do alarde provocado e também, evidentemente, dos índices criminais verificados no bairro, município, região ou Estado.
Essa percepção de necessárias ações em favor da segurança coletiva significa um incômodo ruído que alcança os diversos níveis da administração pública, dos meios produtivos e da população em geral.
Se não chega a inviabilizar o desenvolvimento de outras áreas, a simples cogitação de deficiência na segurança pública inflaciona os valores necessários aos investimentos que podem trazer qualidade de vida; e esse fator pode ser reconhecido como “custo da insegurança”. Crescem os preços dos seguros, tornando impraticáveis negócios de risco e, como reação à demanda, cresce também a oferta dos serviços privados de segurança o que não é um mal em si, mas um efeito que deve ser considerado porque os agentes particulares não atuam somente em ambientes privados, mas também em áreas públicas a exemplo dos serviços de escolta e de transportes de valores. Também a popularização do uso de barreiras (físicas) e, inclusive, de recursos tecnológicos contra o crime interferem na dinâmica e no modo de ação criminosa e movimentam um mercado crescente. (vide MENDONÇA, Antonio P. O Preço da Violência. Artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, de 01/03/2010, caderno Economia, p. B6. Trechos: “Para efeito deste artigo o que importa é o custo que estes delitos representam para a nação e impedem que as seguradoras disponibilizem as apólices necessárias para proteger a sociedade brasileira contra os acidentes da vida (...) Dinheiro que deixa de ser investido em novos negócios porque é necessário para repor perdas relativamente evitáveis, que, num cenário menos dramático e mais administrado, poderiam ser suportadas pelas seguradoras.”)
Toca-se, nesse ponto, em uma questão sutil: a segurança é um produto imaterial e ela é sentida. Tratando-se dos comportamentos anti-sociais mais graves, considerados crimes, busca-se, como plano ideal, o estágio de total ausência de práticas delituosas, patamar que, paradoxalmente, extinguiria a força policial pelo reconhecimento de sua desnecessidade e, também, assim ocorreria com outros órgãos do sistema criminal. Sabendo-se que nunca será alcançado tal estágio de ausência de delitos, persegue-se um nível considerado “aceitável” de segurança pública, o qual não é possível identificar em análise puramente quantitativa, mas qualitativa. Essa percepção somente poderia ser medida ou confirmada mediante uma séria e ampla pesquisa de opinião pública.
Também, no campo empírico não é possível avaliar quantas infrações ou condutas criminosas deixaram de ser praticadas em razão do trabalho policial de prevenção. A constatação vem quase sempre no sentido inverso, ou seja, quantas condutas irregulares foram praticadas (registradas) no período avaliado apesar dos esforços e de todas as realizações - prisões, dentre elas - materializadas. Essa noção desse ser invertida, logicamente, para valorizar a produtividade policial pelo aspecto positivo, qual seja, o de suas realizações. As divulgações na área do trabalho policial, em especial, deveriam priorizar os indicadores positivos para incentivar a manutenção de boas práticas, em um círculo virtuoso de ações positivas que se realimenta. Isso deve constituir uma das preocupações constantes do gestor de policiamento preventivo, pois ele também trabalha com a “força da imagem”, muito além da sua “imagem de força”.
Não obstante, ainda que sem rigor científico, algumas pesquisas apresentam um quadro de insatisfação da população com a questão da segurança pública, mesmo com os reconhecidos avanços observados na primeira década do século XXI, especialmente no Estado de São Paulo.
(Constata-se que São Paulo teve redução de 70% no número de homicídios dolosos, de 1999 a 2008. Essa diminuição das mortes intencionais é comparável à observada apenas em dois casos mundiais de sucesso no combate à criminalidade: Nova Iorque, entre 1993 e 2003, e em Bogotá, mais recentemente. Em São Paulo, como nessas duas cidades, após longo período de redução, o número de homicídios dolosos voltou a crescer (7% no primeiro trimestre de 2010); mas, apesar da oscilação, o crime contra a vida se mantém sob controle. A taxa de homicídios no Estado caiu de 35,27 por grupo de 100 mil habitantes/ano, em 1999, para 10,95/100 mil, em 2009. Para efeito de comparação, nas cidades norte-americanas de Detroit, a taxa é de 47,3; e, em Memphis, de 21,6 homicídios dolosos por 100 habitantes. Fonte: página da SSP/SP, consultada em 08 de junho de 2010 (http://www.ssp.sp.gov.br/acoes/acoes_taxa-homicidios.aspx).
A Revista Veja publicou matéria completa sobre a questão em novembro de 2009, destacando a importância da gestão de polícia, como uma área em que as forças policiais podem e devem investir para melhorar a sua eficiência, depois de um diagnóstico sombrio que, por questão de justiça não pode ser generalizado, evidentemente:
“Na origem de todos esses fatos está a péssima gestão que se verifica na maioria das polícias brasileiras, cujos comandos ainda acreditam que tudo se resolve com mais policiais e armamento cada vez mais pesado. "A pesquisa mostra um sério problema de gestão. O Brasil tem uma das maiores proporções de policiais por habitante, mas a maioria dos entrevistados considera que seriam necessários mais homens na rua", afirma o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva. Os serviços de segurança pública custam aos brasileiros 16 bilhões de reais por ano. Se não fosse por todas as outras razões, muito mais importantes, haveria esta a exigir um padrão de qualidade superior. No entanto, é mínimo o nível de satisfação com o serviço pelo qual se paga. Além de ouvir os policiais, a CNT/Sensus fez uma pesquisa com a população, na qual entrevistou 1.000 pessoas em 24 estados. Para 80% dos brasileiros, a situação da violência está fora de controle; e as ações da polícia para acabar com o crime são inadequadas, segundo 53% dos entrevistados. A formação dos policiais está aquém do esperado por 60% das pessoas. É um diagnóstico grave. A população está com medo e confia pouco na polícia (46% das respostas). A vida nas cidades é insegura para um terço dos moradores. E o medo sabota as cidades. Ruas vazias são territórios de gangues. Retomar os espaços urbanos das mãos dos bandidos tem um efeito profilático contra o crime. Mas a operação de desembarque dos brasileiros de volta às suas ruas e praças e aos passeios noturnos não pode ser um ato de coragem individual. Ela tem de ser liderada por suas polícias. Isso só acontecerá se, antes, elas mesmas se libertarem das amarras que sequestram sua eficiência” (FRANÇA, Ronaldo. A polícia e o cidadão diante do crime. Revista Veja, ed. 2141, 02/12/2009. São Paulo: Abril).
No que diz respeito às atividades na esfera de polícia, a experiência indica que, na verdade, são basicamente três os fatores que podem tornar o trabalho mais eficiente, por iniciativas do gestor de segurança, quais sejam: o emprego de policiais melhor preparados; o uso de tecnologia; e uma boa administração, com a otimização do emprego dos recursos disponíveis.
O primeiro e o segundo fator não dependem direta ou exclusivamente do administrador local, apesar de em algumas situações ele ter a possibilidade de nelas influir; no entanto, quanto ao terceiro fator, ele pode trabalhar de imediato com a melhoria da gestão, viabilizando-se rapidamente o emprego eficiente dos recursos disponíveis e isso é possível com o desenvolvimento de boas estratégias na área de policiamento preventivo. E além do conhecimento, a motivação e a criatividade constituem as principais virtudes que um gestor de policiamento preventivo pode possuir para obter sucesso nessa empreitada.
Portanto, o gestor de policiamento preventivo deve desenvolver “estratégias” (em sentido amplo) de emprego eficiente dos seus recursos para alcançar os objetivos de uma boa administração policial, em nível operacional especialmente, que viabilizem o alcance das metas propostas e, para esse fim, colocará em prática seus conhecimentos e habilidades de liderança. São as suas próprias iniciativas que poderão transformar a realidade imediata.
O significado da palavra “estratégia”, quase sempre relacionado à “arte”, oferece uma dimensão exata da conduta desse importante gestor, especialmente quando não restrito às acepções vinculadas às características originalmente militares do vocábulo, sem desconsiderar a ligação histórica do termo à prática da guerra (TZU, Sun. A Arte da Guerra. Trad. Ed. São Paulo: Ciranda Cultural, 2006. Essa obra clássica se perpetuou apresentando como “arte” estratégias chinesas milenares utilizadas na guerra. Suas elaborações têm qualidade atemporal e são úteis nos estudos sobre liderança e tomada de decisões).
Do grego strategía, pelo latim strategia, o substantivo feminino adquiriu ao longo do tempo os seguintes sentidos: “1.Arte militar de planejar e executar movimentos e operações de tropas, navios e/ou aviões, visando a alcançar ou manter posições relativas e potenciais bélicos favoráveis a futuras ações táticas sobre determinados objetivos. 2.Arte militar de escolher onde, quando e com que travar um combate ou uma batalha. [Cf., nesta acepç., tática (2).] 3.P. ext. Arte de aplicar os meios disponíveis com vista à consecução de objetivos específicos. (grifo nosso) 4.P. ext. Arte de explorar condições favoráveis com o fim de alcançar objetivos específicos. (grifos nosso) 5.Fig. Fam. V. estratagema (2).” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996).
As melhores acepções de “estratégia”, para o propósito do policiamento preventivo, remetem ao aspecto da eficiência operacional, para a consecução de objetivos específicos. E somente é capaz de desenvolver “arte”, quem tem motivação e criatividade.
Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
(reprodução autorizada, desde que citadas a fonte e a autoria)
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sexta-feira, 16 de abril de 2010
Definição e exercício de policiamento preventivo
Para o propósito de situar o chamado "policiamento preventivo" nos campos teórico e operacional, inicialmente é importante frisar que se trata ainda de assunto novo, com pouca bibliografia especializada, não proporcional à sua relevância. Ele hoje se revela como dinâmico e precioso recurso do Estado para garantia da ampla “ordem pública”, representada por sua faceta mais comum: a segurança pública, como condição para que se viabilize o desenvolvimento de todas as demais áreas do crescimento humano, na vida em sociedade.
No Brasil, trata-se do cerne da atividade das instituições policiais-militares que, por sua simples presença ostensiva, em postura neutral ou reativa (em posicionamento territorial estratégico), ou em postura pró-ativa (em intervenções também estratégicas originariamente de prevenção) “previnem” práticas anti-sociais. De fato, esses órgãos estaduais, por definição da Constituição Federal, no parágrafo 5º do seu art. 144, são os responsáveis pelo exercício da “polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”.
Importante, nesse ponto, separar os conceitos “polícia ostensiva” e “polícia de preservação da ordem pública”, levando em conta que o legislador não pretendeu ser apenas enfático ao atribuir missões constitucionais de tão grande complexidade. Nota-se que foi estendido o espectro de atuação institucional, então definida na lei federal nº 667/69 como simples policiamento ostensivo (então limitada à fiscalização de polícia), evoluindo para o amplo conceito de polícia ostensiva, que pressupõe o exercício do poder de polícia lato sensu na modalidade ostensiva, portanto, preventiva e imediatamente identificável, associado à “preservação da ordem pública”.
Nota-se que o texto constitucional anterior a 1988 estabelecia como competência das polícias militares a “manutenção da ordem pública”, que traz um sentido de menor amplitude no aspecto de intervenção. Compreende-se que as ações de preservação permitem iniciativas estratégicas de maior alcance, prevenindo-se circunstâncias e situações antes mesmo de se manter um determinado nível ou estado de ordem pública e, ainda, abrange o imediato restabelecimento da ordem, quando turbada.
De fato, baseado na premissa de que não se produz norma por redundância de terminologias, a preservação da ordem deve significar também a sua restauração, ou seja, o “poder-dever de intervir imediatamente no fato que causa quebra da ordem e restaurá-la pela sua cessação”, como entende a doutrina amplamente difundida e acolhida pelo organismo policial. Nesse sentido, o eminente administrativista e especialista em “poder de polícia”, Álvaro Lazzarini, possui ampla bibliografia a respeito, destacando-se os seus estudos nas seguintes obras publicadas: Direito administrativo da ordem pública, 2ª ed, Rio de Janeiro, Forense, 1987; Estudos de direito administrativo, 2ª ed, São Paulo, RT, 1999 e Temas de direito administrativo, São Paulo, RT, 2000.
Diante disso, não é aceitável definir simploriamente que, no âmbito estadual, diante da ordem constitucional vigente, uma das polícias trabalha somente com “prevenção” - Polícia Militar -, isto é, apenas tentando evitar a prática delituosa, e outra - Polícia Civil - lida somente da “repressão” ao crime (na verdade, esta atua também na esfera da chamada "prevenção geral" com o esclarecimento dos delitos e de seus autores).
No caso da Polícia Militar, a sua competência é ampla e supletiva, limitada apenas pela competência específica dos outros órgãos policiais, agindo na esfera administrativa igualmente para coibir práticas irregulares que não chegam a constituir crime, aquelas, em regra, menos graves (nesse sentido, as “infrações” podem ser classificadas como penais ou administrativas). Também, porque a “preservação da ordem pública” engloba a noção tanto de “prevenção”, no sentido de “evitar acontecer”, como de pronta resposta no âmbito da “repressão imediata”, ou seja, o imediato restabelecimento da ordem pública, conforme visto.
Portanto, conclui-se que as ações policiais-militares, no universo da “preservação da ordem pública” previnem e “reprimem” as condutas ilegais, criminosas ou não, que interferem no equilíbrio da vida em sociedade. Também a Polícia Militar, em postura reativa, quando acionada por solicitante da comunidade ou quando uma equipe se depara com circunstância que exige intervenção do Estado nas relações entre pessoas, constitui o primeiro órgão público a interferir nas situações de conflito e dar o inicial encaminhamento à ocorrência.
Esse primeiro filtro estatal é visível e reconhecível, de imediato, pela apresentação visual uniforme (farda, grafismo de viaturas e fachadas de sedes, todos padronizados) em função da própria natureza de sua ostensividade, que é marca original de sua existência.
autor: Adilson Luís Franco Nassaro
(reprodução autorizada, desde que citadas a fonte e a autoria)
terça-feira, 23 de março de 2010
Sobre busca, verificação e apreensão de cartas destinadas ao acusado ou em seu poder
Aprofundando os estudos relacionados à busca, atividade de extremo interesse da ação policial, nota-se que, de acordo com a alínea "f", do parágrafo primeiro, do art. 240 do Código de Processo Penal, uma das suas motivações legais compreende a de “apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado, ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato”. Portanto, a busca se prestaria também à localização de cartas, objetivando a apreensão de missivas consideradas suspeitas, conjeturada a sua utilidade para o esclarecimento de fatos considerados relevantes na esfera processual.
No entanto, o Código de Processo Penal em vigor - de 1941 - foi redigido sob a égide da Constituição de 1937, tal como o texto do Código Penal que estabeleceu como crime a conduta de “devassar, indevidamente, o conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem” (art. 151). Faz sentido no contexto histórico, desse modo, a descrição do tipo penal que trouxe o advérbio “indevidamente” para excluir alguns casos da responsabilização penal tais como aqueles em que são buscadas e apreendidas cartas nas condições da norma processual em análise. De fato, a Constituição de 1937 também protegia a inviolabilidade da correspondência, ressalvando, todavia, hipóteses excepcionais que seriam regulamentadas mediante lei ordinária posterior (CPP).
Ocorre que a Constituição de 1988 dispôs no art. 5o, inciso XII, agrupando as inviolabilidades de comunicação, que: "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal" (Constituição Federal promulgada em 05.10.1988).
Portanto, literalmente, abriu como única exceção a possibilidade de quebra do sigilo das comunicações telefônicas e, ainda assim, mediante ordem judicial, no interesse da persecução criminal. Diante dessa nova condição, a maioria dos doutrinadores posicionou-se no sentido de que a Constituição não recepcionou o dispositivo da lei processual em estudo (possibilidade de apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado...) aceitando, não obstante, a possibilidade de mandado judicial como último e extensivo recurso, posto que já aplicável à quebra do sigilo das comunicações telefônicas.
Na dinâmica construção interpretativa, surgiram ainda posições bem fundamentadas que defendem a análise restrita do texto constitucional, baseadas na compreensão de que os direitos e garantias individuais não são absolutos e nem podem se prestar à defesa do próprio delito e de seus praticantes, devendo, por outro lado, a “inviolabilidade” de correspondência ceder espaço ao interesse maior representado pela segurança pública e a correção das decisões do Poder Judiciário.
Nessa linha de raciocínio, seria possível a abertura e eventual apreensão da correspondência de acusados e presos para impedimento da continuidade de prática criminosa, com ou sem mandado judicial. Ao contrário, se a inviolabilidade da correspondência fosse aceita como absoluta, poder-se-ia chegar à insustentável situação dos líderes de grupos criminosos organizados continuarem, mesmo atrás das grades, coordenando as suas atividades mediante uso sistemático de correspondência tal como o faziam até pouco tempo mediante telefones celulares (e em alguns casos, infelizmente, ainda o fazem).
A solução defendida em relação ao uso de aparelhos celulares é a implantação de dispositivos eletrônicos que impeçam tal comunicação, bloqueando os sinais de transmissão e receptação nos limites dos estabelecimentos prisionais de segurança. Mas, e o que fazer com a carta do preso? A tese da violabilidade da correspondência dirigida ao réu preso, ou por ele encaminhada a outrem, vem ganhando defensores de grande respeitabilidade.
Justifica sua posição, nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci: "Segundo pensamos, nenhum direito ou garantia fundamental é absoluto. Fosse assim e haveríamos de impedir, terminantemente, que o diretor de um presídio violasse a correspondência dirigida a um preso, ainda que se tratasse de ardiloso plano de fuga, pois a ‘inviolabilidade de correspondência’ seria taxativa e não comportaria exceção alguma na Constituição Federal. Nem mesmo poderia devassar a correspondência para saber se, no seu interior, há drogas, o que se configura um despropósito. ... E mais, mesmo que se tivesse seríssimas suspeitas de que determinada carta, recebida por pessoa acusada de crime, contivesse a solução para a apuração da autoria do delito, podendo até inocentar terceiros, não se poderia, ainda que com mandado judicial, devassar o seu conteúdo. Cremos injustificável tal postura, pois até o direito à vida – principal bem jurídico protegido do ser humano – comporta violação, garantida em lei ordinária (como o aborto, fruto da gestação produzida por estupro ou a morte do agressor na legítima defesa, entre outros exemplos)" (Código de Processo Penal Comentado. São Paulo : RT, 2002. p. 455).
Sobre a previsão do inciso XII, do art. 5o, da Constituição Federal (“inviolabilidade de correspondência”), registrou sua interpretação Alexandre de Moraes, igualmente defendendo a inexistência de uma garantia absoluta: "A interpretação do presente inciso deve ser feita de modo a entender que a lei ou a decisão judicial poderão, excepcionalmente, estabelecer hipóteses de quebra das inviolabilidades da correspondência, das comunicações telegráficas e de dados, sempre visando salvaguardar o interesse público e impedir que a consagração de certas liberdades públicas possam servir de incentivo à prática de atividades ilícitas" (Direitos humanos fundamentais – teoria geral, comentários aos arts. 1o a 5o da Constituição da República Federativa do Brasil – doutrina e jurisprudência. 2. ed. São Paulo : Atlas, 1998. Temas Jurídicos, v. 3. p. 145).
No caso concreto, podem ser destacadas algumas situações ilustrativas. Ocorreu em julho de 2002, conforme publicado no diário “Jornal da Tarde”, página 01, do Caderno “Polícia”, que um dos líderes da facção criminosa denominada “PCC”, José Márcio Felício, vulgo “Geleião”, submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em isolamento, encaminhou por meio de seu advogado cartas escritas no presídio ao Governador do Estado, com cópias para o Secretário-adjunto da Administração Penitenciária, para o Coordenador dos Presídios da Região Oeste do Estado e para os órgãos de imprensa.
Com propósito de chamar a atenção da opinião pública e colocando-se em evidência para afrontar o sistema, em uma das cartas o preso chamou o Governador de “mentiroso e ladrão”, contestando a informação de que haviam sido gastos R$ 8 milhões para a construção de um presídio de segurança máxima (o mesmo em que se encontrava preso). Apresentando a existência de posições de eminentes juristas favoráveis à quebra do sigilo postal, em casos de necessidade pelo aspecto da segurança pública, em seguida o autor da matéria destacou mais um argumento respeitável: "Ninguém tem um direito absoluto. É possível reter a correspondência e encaminhá-la ao juiz-corregedor’, explica o juiz aposentado Luiz Flávio Gomes ... Na opinião do jurista, apenas o fato de Geleião estar em um presídio construído para abrigar chefes de facções criminosas, homens considerados perigosos, é motivo suficiente para o exame da correspondência. ‘E não há necessidade de ordem judicial para uma carta ser interceptada e examinada’, afirma Gomes. ‘A Constituição exige ordem do juiz apenas para a quebra do sigilo telefônico'" (Diário “Jornal da Tarde”, São Paulo, de 23.07.2002, página 01, do Caderno “Polícia”).
Sagaz, o raciocínio apresentado inverte a concepção original do dispositivo da Constituição que indiscutivelmente deu mais valor ao sigilo da correspondência, sendo extremamente interessante do ponto de vista interpretativo; ora, a verdade é que o inciso XII, do art. 5o, exige a ordem judicial para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, apenas, não ressalvando hipótese semelhante para a correspondência.
Finalmente, o Supremo Tribunal Federal já decidiu (HC 70.814-SP, 1a T., rel. Celso de Mello, 01.03.1994, v. u, DJ 24.06.1994, RT 709/418) que cartas de presidiários podem ser violadas pela administração penitenciária, desde que respeitado o que dispõe o art. 41, parágrafo único, da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), vez que o sigilo da correspondência não pode prestar à salvaguarda de práticas criminosas. O art. 41 da mencionada Lei trata dos direitos do preso e, especificamente o seu inciso XV estabelece que é permitido ao preso: “contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes”. Já o parágrafo único estabelece que alguns dos direitos, dentre eles o do inciso XV, “poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento”.
Portanto, em que pesem as respeitáveis considerações dos eméritos juristas que defendem a não aplicabilidade do dispositivo em estudo (art. 240, parágrafo primeiro, alínea f), em face do texto da Constituição Federal, compartilhamos a opinião de que não existem direitos e garantias absolutas, inclusive a da inviolabilidade de correspondência, especialmente no caso dos presos. Como ensina José Joaquim Gomes Canotilho: "A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a conseqüente destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma ‘lógica do tudo ou nada’, antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o seu ‘peso’ e as circunstâncias do caso” (Direito Constitucional. Coimbra : Almedina, 1995. p. 190).
Certo é que, se nada for encontrado que enseje a apreensão da missiva, deverá esta ser devolvida ao destinatário, preservando-se ao máximo a intimidade daquele que teve violada a sua correspondência. Ainda que alguma informação de ordem estritamente pessoal tenha sido revelada a quem obteve o acesso por dever de ofício, o assunto permanecerá preservado de qualquer divulgação, sob pena de evidente responsabilização do agente.
Não se trata propriamente de confrontar os bens jurídicos tutelados para a verificação de qual deles é mais importante - a intimidade, o sigilo das correspondências e da vida privada, a segurança pública e também o interesse de punir criminosos - mas, sim, de buscar a harmonização entre os princípios, direitos e garantias constitucionalmente estabelecidos de forma que um direito não seja sobreposto a outro, vez que não existe hierarquia entre eles na circunstância inegável de que todos têm sua origem na Constituição Federal.
autor: Adilson Luís Franco Nassaro
(reprodução autorizada, desde que citadas a fonte e a autoria)
sábado, 6 de fevereiro de 2010
É a Força Pública!
Aplaudimos de pé a Proposta de Emenda Constitucional enviada em 03Fev10 à Assembléia Legislativa de São Paulo, com base em estudos do Estado-Maior da PMESP e que altera o nome da Instituição para “Força Pública do Estado de São Paulo”. E de fato, do seu famoso hino composto pelo poeta paulista Guilherme de Almeida, o trecho cantado com maior ímpeto em nossas comemorações sempre foi “(...) Seus passos deixam fundo na terra rastro e raízes, É a Força Pública!”.
É claro que nos afeiçoamos à expressão “Polícia Militar” que nos solidariza aos irmãos policiais-militares de outros Estados da Federação, mas justamente uma federação é a uma aliança de Estados diferentes que se unem para construírem uma grande nação. E a Constituição Federal do Brasil resguarda grande autonomia político-administrativa para seus Estados, incluindo mesmo o cultivo de símbolos próprios, como expressa seu artigo treze.
E o sentimento paulista merece e precisa de símbolos que lhe espelhem e representem especificamente a grandeza de São Paulo. Enganam-se os que pensam estreitamente e dizem que vamos desperdiçar tinta e adesivos e que estamos tratando de meras palavras ao vento, pois sabemos que os símbolos são capazes de inspirar, reunir e concentrar grandes esforços humanos.
De fato, sangue, suor e lágrimas só podem ter algum sentido se pagos por altíssimos valores humanos. Mas como não nos contentamos em saber quais são estes valores, precisamos traduzi-los para nossos olhos em imagens brilhantes e vibrá-los para nossos ouvidos em palavras insubstituíveis! Enganam-se os que pensam que as palavras são iguais. Elas se hierarquizam em graus diferentes em relação a nossa felicidade. Algumas valem latão outras valem ouro; algumas nos cortam com uma repentina tristeza, outras iluminam nossos olhos já nas primeiras sílabas que ouvimos.
Este é exatamente o caso da expressão Força Pública. Quando a ouvimos vibrada, uma multidão de significados elevados como se materializam! Lembramos de imediato que é a tradução direta e fiel da Force Publique prevista pelo artigo 12 da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” feita pela Assembléia Constituinte francesa de 1789. Lembramos que esta Declaração é a mãe de todas as atuais democracias do mundo e que fez renascer no século XVIII a igualdade de direitos inventada e defendida com armas pelos cidadãos de Atenas e duramente conquistada pela República Romana. Lembramos que com a Force Publique nos livramos das guarnições dos reis que encarceravam sem julgamento; que com a Force Publique a polícia passou a ser constituída pelo povo e para servir ao povo.
Quando ouvimos Força Pública! ecoa ainda em nossos ouvidos outra palavra importante e que dá garantias aos nossos direitos e tornam doces nossos deveres: a palavra República! Palavra cujo real significado participativo vem sendo conquistado lentamente no nosso jovem Brasil desde 1889. Palavra que diz respeito a um número crescente de irmãos brasileiros que, com melhor ensino, são incluídos e podem integrar responsavelmente a vida política de seu país. República que tem sua alma na Constituição. Pois é nas suas cláusulas pétreas e em cada uma de suas linhas preciosas que temos a garantia de continuidade da paz, da confiança e do desenvolvimento do país que queremos para nós e nossos descendentes.
E não nos escapa que foi em defesa desta Constituição que em um Nove de Julho o povo de São Paulo e sua Força Pública se levantaram e pegaram em armas em 1932. Esta é a maior data cívica para os paulistas. Não há lembrança de outra data que nos una tão fortemente.
Assim, quando ouvimos a expressão Força Pública, somos remetidos de imediato à Force Publique, à “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, à reconquista da Democracia, à nossa filiação ao melhor da Grécia e de Roma, à palavra República, à defesa da Constituição e ao seu máximo valor na garantia de nossos direitos e deveres que são o espelho mesmo de nossa dignidade pessoal. Corrente de associações que se torna cada vez mais visível quanto mais conhecemos e refletimos sobre a história de vida de nossos pais e mães, de seus antepassados, de nosso povo, a história do Estado de São Paulo.
De outro ponto de vista, vemos que ao mesmo tempo em que a globalização padroniza procedimentos para a produção e oferta de serviços, torna semelhantes as técnicas empregadas, universaliza as melhores práticas e conceitos, esta globalização está longe de tornar o mundo homogêneo e indistinto, como previam alguns sociólogos e historiadores. Em grandes federações como a União Européia e os Estados Unidos da América, já se observa que os homens guardam seu ambiente de origem como uma referência permanente e têm sede de identidade. O mundo da política multiplica acordos internacionais e amplia as responsabilidades das administrações locais. O mundo dos negócios já conhece o quanto a denominação de origem controlada agrega valor aos produtos. A internet depois de criar um igual e infinito espaço virtual precisa agora desesperadamente de conteúdos que só ambientes humanos diferentes e limitados criam. O futuro é também do particular, original e local. A identidade de São Paulo e sua gente será e terá cada vez mais valor neste novo mundo.
Então podemos nos congratular, pois a partir desta visão de futuro e daquele olhar para o passado se revela afinal perfeita a opção pelo nome Força Pública para a polícia ostensiva e preventiva que protege e serve a cidadã, o cidadão e seus filhos, em cada rua, estrada, praia, rio e floresta do Estado de São Paulo. Isto porque, afinal, temos algum controle sobre o presente e o futuro, mas não mudamos nosso passado. E naturalmente preferimos buscar no passado o que há de melhor para inspirar nosso futuro.
Autor: Sílvio Lúcio Franco Nassaro. Major da Policia Militar do Estado de São Paulo, graduado em Filosofia, Mestre e doutorando em Ética e Filosofia Política pela USP. Foi bolsista da Capes na França. É o atual Subcomandante do 24º BPM/I.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
O transporte de objetos variados de contrabando e de descaminho em veículo automotor
O art. 334 do Código Penal, Decreto-Lei n.º 2.848/40, prevê o crime de contrabando ou descaminho nos seguintes termos: Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Apesar de se encontrarem as duas condutas descritas conjuntamente no mesmo artigo, impondo-se a mesma pena, há diferença técnica entre o contrabando (a primeira) e de descaminho (a segunda), pois possuem elementos normativos diversos, como reconhece a doutrina, mesmo levando em conta que o uso da disjuntiva “ou” tornariam equivalentes as ações delituosas.
Diferenciando as modalidades, ensina Julio Fabbrini Mirabete:
"A primeira parte do art. 334, caput, refere-se ao contrabando, ou seja, à conduta de importar ou exportar mercadoria proibida. Importar significa trazer para o país e exportar é tirar dele qualquer mercadoria, pouco relevando se o faça através de alfândega ou fora dela. Nessa primeira modalidade é necessário que o objeto material seja mercadoria proibida, que inclui não só a que o é em si mesma (proibição absoluta), como a que o é apenas em determinadas circunstâncias (proibição relativa). (...) Na segunda parte do caput do art. 334, a lei refere-se ao descaminho, em que o crime se configura pela fraude empregada para evitar o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída de mercadoria não proibida (Manual de Direito Penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1995, 3.v., p. 368)”.
Quanto aos sujeitos, importa notar que é comum a associação de várias pessoas para a sua prática, o que traz como consequência a caracterização do crime de formação de quadrilha ou bando, em concurso material com o respectivo delito do art. 334. De fato, o art. 288, do Código Penal prevê a conduta de: "Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos".
Havendo participação de funcionário público na ação criminosa, este poderá responder pelo crime do art. 318, também do Código Penal, no caso de: "Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho". Para essa hipótese, há previsão de pena de reclusão, de 03 (três) a 08 (oito) anos, e multa, como prevê o referido artigo.
A atuação policial tem reprimido o transporte de objetos de contrabando ou descaminho em veículos automotores, especialmente nas abordagens realizadas em bloqueios nas rodovias e acessos às áreas urbanas, destacando-se as apreensões de equipamentos de informática e eletro-eletrônicos em geral, além de cigarros e bebidas trazidos ilegalmente do exterior, especialmente do Paraguai. Destaca-se que, conforme Decreto-lei n.º 399/68, constitui contrabando a importação de fumo estrangeiro.
Quem transporta tais produtos, nessa condição, está sujeito à prisão e apreensão dos objetos transportados, em qualquer momento do seu deslocamento. A origem ilegal do material vincula o responsável ao contrabando (importar ou exportar mercadoria proibido) e a falta de documentos de importação, se não proibida a mercadoria, vinculam-no ao descaminho (iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.
autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Major PM Coordenador Operacional do 32º BPM/I, Assis/SP.
(reprodução autorizada, desde que citadas a fonte e a autoria)
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
O transporte ilícito de armas de fogo, acessórios e munições em veículos automotores
A Lei Federal nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida com “Lei do Desarmamento”, dispôs sobre registro, posse e comercialização de arma de fogo, acessório e munição, e também sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, definindo crimes correlatos.
Dentre as infrações penais previstas no Capítulo IV (Dos Crimes e das Penas), dos art. 12 a 21, três apresentam o verbo “transportar” junto às outras condutas relacionadas respectivamente em cada tipo, tratando-se de crimes de ação múltipla. São eles: art. 14, “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”; art. 16, “posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito” e art. 17, “comércio ilegal de arma de fogo”. Portanto, qualquer dessas infrações penais pode ser perpetrada mediante o uso de veículo automotor.
No caso do art. 14, o autor pode tanto “portar”, como “transportar” a arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, pois o que importa é exatamente a finalidade dessa conduta que, diversamente do propósito de comércio, limita-se à manutenção do objeto de ilícito em uma relação de proximidade.
Entende-se por acessório tudo o que pode acompanhar o objeto principal, que é a arma, para a realização do disparo, a exemplo de mira acoplável, silenciador, carregadores sobressalentes etc. Munição é o cartucho íntegro, que pode ser usado para alimentar arma de fogo.
O porte de arma é constatado normalmente nas buscas pessoais e corresponde à situação de se ter arma (acessório e munição da mesma forma) ao alcance das mãos, sem a necessidade de que ela se apresente ostensiva ou que seja exibida pelo portador. Aliás, quando portada, quase sempre a arma é ocultada, seja em razão de que se encontra em situação irregular com relação ao registro e/ou autorização de porte, seja porque não é conveniente à sua exibição em local público. Já o transporte, previsto também no caput do mesmo crime do art. 14 (“porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”), corresponde à estrita locomoção do objeto de um local para outro e, também, depende de autorização, além do registro, evidentemente. No caso de transporte de arma, a conduta normalmente é detectada durante busca veicular que, tecnicamente, corresponde à extensão de uma busca pessoal.
Em termos práticos, se o objeto de ilícito (arma, acessório ou munição) estiver guardado em uma bolsa no bagageiro fechado de um veículo, inclusive de um ônibus, tem-se a conduta de transportar. Quando na cintura do condutor ou do passageiro, ou de outro modo junto ao seu corpo, ou em bagagem de mão ao seu alcance imediato, caracterizar-se-á o porte. Acentua-se que o texto legal tornou irrelevante a circunstância de a arma não se encontrar pronta para o uso durante o porte ou o transporte ilegal, ou seja, é indiferente se ela estava ou não municiada, alimentada e carregada.
A pena é de reclusão de dois a quatro anos, além de multa, e importa notar que, conforme parágrafo único, do art. 14, o crime é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.
A mesma interpretação das condutas quanto ao porte e ao transporte é aplicada quando se trata de arma, acessório ou munição “de uso proibido ou restrito”, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, conforme art. 16, com pena maior, qual seja, reclusão de três a seis anos, e multa. Nessa mesma pena grave, incorre quem porta ou transporta arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, seja a arma de uso proibido, restrito, ou não, conforme inciso IV do mesmo artigo.
No caso específico de ônibus rodoviário, que também são fiscalizados em abordagens policiais, nota-se que o porte ilegal de arma de fogo praticado por passageiros não é conduta incomum. O diário “Jornal de Assis” publicou matéria em 23 de abril de 2008, pág 11, noticiando a prisão de uma mulher por porte de arma, com o seguinte histórico: “Uma artista plástica de 67 anos de idade, que mora em Salvador, na Bahia, recebeu voz de prisão por policiais militares rodoviários de Assis e posteriormente foi levada à cadeia pública de Lútecia, ao ser flagrada na posse de uma pistola e duas caixas com munições, dentro de um ônibus que foi fiscalizado às 3h15 do último sábado, no km 445 da Rodovia Raposo Tavares. Embaixo do acento nº 15 do coletivo que transportava 11 passageiros, com itinerário Assunção (Paraguai) x Salvador (BA), os policias localizaram um pacote, no qual havia uma pistola marca Cobra, calibre 380, uma caixa com 43 cartuchos de calibre 380, marca CCI, outra com 50 munições de calibre 38, um coldre axial de cor preta e um carregador apropriado para a pistola. A passageira admitiu que o pacote lhe pertencia e recebeu voz de prisão. Tentou se justificar dizendo que um desconhecido pediu para fazer a entrega da arma em uma rodoviária, mas disse não saber quem seria esta pessoa. ‘Alguém iria chegar em mim e pegar o pacote. Eu fiz isso porque gosto de ajudar as pessoas; não sabia que estava cometendo uma ilegalidade’, alegou”.
Por outro lado, o transporte de mais de uma unidade, acessórios ou quantidade expressiva de munição, que em tese pode configurar o tráfico ilícito, ou melhor, “comércio ilegal” nos termos do art. 17 da mesma lei, depende da verificação da finalidade e constitui situação rara pelo histórico de apreensões recentes, o que significa que o transporte vem sendo realizado em maior escala por meios diversos do ônibus rodoviário, em que a dissimulação do material - que é compacto e pesado - seja viabilizada. Apesar de raros, existem registros de prisões de indivíduos por tráfico ilegal de armas, inclusive internacional, em ônibus rodoviário (normalmente de fretamento), como aconteceu recentemente em Araçatuba (01/09/08), de acordo com os seguintes termos do histórico da mensagem nº. 2BPRv-2121/241/08: “Durante fiscalização de combate ao narcotráfico e demais ilícitos penais, os integrantes da Equipe TOR abordaram o ônibus da Empresa São Luiz, Scania Marcopolo Paradiso, cor branca, ano 2008, placas HSI-0593 Três Lagoas/MS, que fazia o itinerário de Ponta Porã/MS à Araçatuba/SP, conduzido por Edigard Tadeu de Souza RG 29.661.868 SSP/SP, que transportava 07 (sete) passageiros e durante revista minuciosa, foi localizada, dentro de uma mochila de nylon de cor preta sob as pernas, ocultada por um cobertor, com o passageiro da poltrona 21, as mercadorias descritas no item 6 (01 Pistola Taurus 9 mm sem marca, modelo PT99 AF Parabellum; 02 carregadores de pistola 9mm, cap 15 cartuchos cada; 01 coldre de couro preto; 01 lançador de granadas sem marca e sem nº; 01 sub-metralhadora 9 mm sem marca de fabricação, Nore Americana; 02 carregadores de sub-metralhadora 9mm com capacidade para 40 cartuchos cada; 04 granadas M433 (40 mm); 13 granadas de mão M-09 A1, marca CEV; 03 granadas de mão marca DIM-ARGES; 02 granadas de mão modelo M14 marca CEV; 01 granada de mão modelo de procedência estrangeira FMR2MODO e 50 cartuchos marca aguila calibre .25). O indiciado alegou que adquiriu as mercadorias no Paraguai e seguia com destino à cidade do Rio de Janeiro/RJ para entregá-las à integrantes de uma facção criminosa no bairro da Penha. Diante dos fatos, foi dada voz de prisão em flagrante e encaminhado o infrator e mercadorias à Sede da Polícia Federal em Araçatuba/SP, onde foi lavrado o APFD por tráfico de armas internacional.”
Por fim, para o comércio ilegal (art. 17), a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. No caso de tráfico internacional, a conduta é prevista no art. 18, com essa mesma pena, nos seguintes termos: “Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente”.
autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Major PM Coordenador Operacional do 32º BPM/I, Assis/SP.
(reprodução autorizada, desde que citadas a fonte e a autoria)
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