domingo, 27 de novembro de 2016

MEU DEPOIMENTO



Próximo de completar 50 anos de idade e 32 anos de serviço na Polícia Militar do Estado de São Paulo, sinto-me compelido a registrar algumas palavras. 
Vejo-me feliz por tudo o que já vivi e pude contribuir, mas também não escondo certa apreensão pelo contraste do plano real com o ideal; ainda, mantenho a esperança e o otimismo mesmo diante de uma realidade difícil, desenvolvendo o trabalho policial que considero muito gratificante.
Inicialmente reafirmo o amor à profissão que deve ser lembrada pelo lema que a distingue no mundo inteiro e embute uma notável missão: “servir e proteger” a sociedade. Também, apesar de tantos desafios enfrentados nesse longo período, declaro que eu faria tudo novamente! Jamais me arrependi das escolhas que construíram meu presente.
No dia 17 de novembro (2016), como coronel PM, último posto da hierarquia policial-militar, recebi com indisfarçável orgulho e, confesso, grande emoção, a Medalha “Brigadeiro Tobias”, mais alta condecoração da Instituição. Isso ocorreu no mesmo pátio da Academia de Polícia Militar do Barro Branco onde iniciei a trajetória profissional como cadete. Essa ligação do aluno entusiasta ao oficial experiente, do passado e do presente, ocorreu para mim em uma ligação de tempo-espaço inexplicavelmente rápida e tocante, como uma sensação de retorno a origem, em inexorável continuidade da vida e, simultaneamente, um contraste no plano íntimo e pessoal.  
Ao integrar a Instituição, muito jovem, me senti inserido em uma notável Legião de Idealistas, como diz a Canção da Polícia Militar, e essa percepção não mudou ao longo de mais de três décadas, como certamente ocorre com a maioria dos companheiros de profissão. No mesmo compasso, porém, a experiência profissional trouxe a exata noção de como é complexa a missão e dolorida a incompreensão para muitos policiais militares.
Sem rodeios, noto com clareza que a forma como a sociedade que recebe esse serviço e a proteção, do mesmo “servir e proteger”, trata seus agentes policiais e mostra a incompreensão de um lado e, de outro, a necessidade de amadurecimento profissional dos próprios policiais militares.
Não é possível que as pessoas deixem de reconhecer e admitir a importância do trabalho realizado por essa longeva Força Policial, pelas incontáveis vidas salvas, pelos direitos e garantias individuais preservados, desde o patrimônio até o direito de locomoção, de manifestação e tantos outros, pelo equilíbrio social garantido - e sem exagero na expressão - a ponto de não conseguirmos imaginar um dia ou uma hora sequer sem a atuação da Polícia Militar... sem ela, o caos se instalaria rapidamente.
Por outro lado, prevalece, na Força Policial, o foco na prisão de criminosos e até um “combate”  estimulado pela própria violência na sociedade contemporânea no Brasil que atinge o policial na mesma medida. Se os índices de letalidade policial são considerados altos, também nos parece que não existe país no mundo em que morrem tantos policiais por ação criminosa como no Brasil. O policial é agente da lei e da ordem, mas vítima da mesma violência que procura debelar.
Então, ao mesmo tempo em que louvo o heroísmo de tantos policiais militares pelos sacrifícios e realizações pelo bem comum e pelo risco diário, reconheço que é preciso voltar o foco para as vítimas, para o cidadão beneficiário dos serviços de proteção. O trabalho essencial da Polícia Militar, que cuida da “preservação da ordem pública” no exercício da “polícia ostensiva” não pode ser simplificado e traduzido por uma guerra diária e frenética diante dos crimes, contra o criminoso, mas como um esforço voltado ao cidadão, à sua proteção. Enquanto ele policial e o seu grupo mais próximo o classificam como herói, por ter usado a força necessária e legítima para a defesa de si e de terceiros, muitos outros o classificam como violento pelo eventual resultado morte de sua ação. Nesse cenário, é preciso admitir, reconhecer e preconizar que o resultado morte é indesejável. Nessa turbulência, é fundamental lembrar o ensinamento dos cursos de formação, registrado nos rodapés dos documentos, como plenas palavras de inequívoco sentido moral: “Nós, policiais militares, sob a proteção de Deus, estamos compromissados com a preservação da vida, da integridade física e da dignidade da pessoa humana”.  
No plano ideal - sim, e somos idealistas - o compromisso é sempre pela preservação da vida, e o foco é na vítima, no cidadão que merece e conta com a proteção do Estado, por meio de sua Força Pública, não a simples neutralização do inimigo bandido. O foco não pode ser no criminoso. Nesse sentido, a Polícia Militar precisa ser vista, e também se ver (pela percepção de seus agentes), como uma “Força de Paz” e não como um aparato bélico de destruição, o que também não significa se sujeitar à força criminosa. Noto, aliás, que no momento presente, pela fragilidade da legislação penal, processual penal e de execução penal, a permitir vários mecanismos para se escapar da punição, existe grande dificuldade em impedir os reincidentes comportamentos criminosos e a polícia é cobrada por resultados, quando não classificada como incapaz ou ineficiente, mesmo prendendo o mesmo infrator da lei várias vezes em reiterada prática criminosa.
Por outro lado, acredito na evolução da sociedade, no processo civilizatório que permite a consciência e um idealizado “autopoliciamento”. Talvez por esse motivo as nações e sociedades mais desenvolvidas não precisem de tanta presença ou ação policial. Por isso também não são razoáveis as simples comparações estatísticas entre os índices criminais e os resultados de ações policiais entre países. A educação, em amplo sentido, permite a transformação e pavimenta o caminho para essa mudança desejada, ao mesmo tempo em que políticas públicas com investimentos que alcancem as raízes da violência social são capazes de reverter um cenário propício a expansão da criminalidade hoje incentivada pela noção de impunidade no Brasil.
Encerro essa reflexão com a confiança em um futuro melhor, pelo esforço no presente. A sempre boa notícia que nos move é a possibilidade de realizar, de modificar, de contribuir para o bem comum. A Polícia Militar é uma Instituição forte e que se renova ao longo do tempo, buscando o constante aperfeiçoamento, mesmo diante dos mais difíceis e complexos cenários; ela tem uma capacidade extraordinária de mobilização e de desenvolvimento de ações imediatas, com efeito rápido, mas essencial no conjunto da necessária interferência estatal.
Sigamos em frente, cumprindo nossa missão com vontade, fé e coragem!
Sempre, sob a proteção de Deus.

São Paulo, 20 de novembro de 2016
Adilson Luís Franco Nassaro (Cel Franco)
Coronel PM, Chefe do Centro de Comunicação Social da PMESP (CComSoc).
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