Próximo de completar 50 anos de idade e 32 anos de serviço
na Polícia Militar do Estado de São Paulo, sinto-me compelido a registrar
algumas palavras.
Vejo-me feliz por tudo o que já vivi e pude contribuir, mas também
não escondo certa apreensão pelo contraste do plano real com o ideal; ainda, mantenho
a esperança e o otimismo mesmo diante de uma realidade difícil, desenvolvendo o
trabalho policial que considero muito gratificante.
Inicialmente reafirmo o amor à profissão que deve ser lembrada
pelo lema que a distingue no mundo inteiro e embute uma notável missão: “servir
e proteger” a sociedade. Também, apesar de tantos desafios enfrentados nesse
longo período, declaro que eu faria tudo novamente! Jamais me arrependi das
escolhas que construíram meu presente.
No dia 17 de novembro (2016), como coronel PM, último posto
da hierarquia policial-militar, recebi com indisfarçável orgulho e, confesso,
grande emoção, a Medalha “Brigadeiro Tobias”, mais alta condecoração da
Instituição. Isso ocorreu no mesmo pátio da Academia de Polícia Militar do
Barro Branco onde iniciei a trajetória profissional como cadete. Essa ligação
do aluno entusiasta ao oficial experiente, do passado e do presente, ocorreu
para mim em uma ligação de tempo-espaço inexplicavelmente rápida e tocante,
como uma sensação de retorno a origem, em inexorável continuidade da vida e, simultaneamente,
um contraste no plano íntimo e pessoal.
Ao integrar a Instituição, muito jovem, me senti inserido em
uma notável Legião de Idealistas, como diz a Canção da Polícia Militar, e essa
percepção não mudou ao longo de mais de três décadas, como certamente ocorre
com a maioria dos companheiros de profissão. No mesmo compasso, porém, a
experiência profissional trouxe a exata noção de como é complexa a missão e
dolorida a incompreensão para muitos policiais militares.
Sem rodeios, noto com clareza que a forma como a sociedade que
recebe esse serviço e a proteção, do mesmo “servir e proteger”, trata seus
agentes policiais e mostra a incompreensão de um lado e, de outro, a
necessidade de amadurecimento profissional dos próprios policiais militares.
Não é possível que as pessoas deixem de reconhecer e admitir
a importância do trabalho realizado por essa longeva Força Policial, pelas incontáveis
vidas salvas, pelos direitos e garantias individuais preservados, desde o
patrimônio até o direito de locomoção, de manifestação e tantos outros, pelo
equilíbrio social garantido - e sem exagero na expressão - a ponto de não
conseguirmos imaginar um dia ou uma hora sequer sem a atuação da Polícia
Militar... sem ela, o caos se instalaria rapidamente.
Por outro lado, prevalece, na Força Policial, o foco na
prisão de criminosos e até um “combate”
estimulado pela própria violência na sociedade contemporânea no Brasil
que atinge o policial na mesma medida. Se os índices de letalidade policial são
considerados altos, também nos parece que não existe país no mundo em que
morrem tantos policiais por ação criminosa como no Brasil. O policial é agente
da lei e da ordem, mas vítima da mesma violência que procura debelar.
Então, ao mesmo tempo em que louvo o heroísmo de tantos
policiais militares pelos sacrifícios e realizações pelo bem comum e pelo risco
diário, reconheço que é preciso voltar o foco para as vítimas, para o cidadão
beneficiário dos serviços de proteção. O trabalho essencial da Polícia Militar,
que cuida da “preservação da ordem pública” no exercício da “polícia ostensiva”
não pode ser simplificado e traduzido por uma guerra diária e frenética diante
dos crimes, contra o criminoso, mas como um esforço voltado ao cidadão, à sua
proteção. Enquanto ele policial e o seu grupo mais próximo o classificam como
herói, por ter usado a força necessária e legítima para a defesa de si e de
terceiros, muitos outros o classificam como violento pelo eventual resultado
morte de sua ação. Nesse cenário, é preciso admitir, reconhecer e preconizar
que o resultado morte é indesejável. Nessa turbulência, é fundamental lembrar o
ensinamento dos cursos de formação, registrado nos rodapés dos documentos, como
plenas palavras de inequívoco sentido moral: “Nós, policiais militares, sob a
proteção de Deus, estamos compromissados com a preservação da vida, da
integridade física e da dignidade da pessoa humana”.
No plano ideal - sim, e somos idealistas - o compromisso é
sempre pela preservação da vida, e o foco é na vítima, no cidadão que merece e
conta com a proteção do Estado, por meio de sua Força Pública, não a simples
neutralização do inimigo bandido. O foco não pode ser no criminoso. Nesse
sentido, a Polícia Militar precisa ser vista, e também se ver (pela percepção
de seus agentes), como uma “Força de Paz” e não como um aparato bélico de
destruição, o que também não significa se sujeitar à força criminosa. Noto,
aliás, que no momento presente, pela fragilidade da legislação penal,
processual penal e de execução penal, a permitir vários mecanismos para se escapar
da punição, existe grande dificuldade em impedir os reincidentes comportamentos
criminosos e a polícia é cobrada por resultados, quando não classificada como
incapaz ou ineficiente, mesmo prendendo o mesmo infrator da lei várias vezes em
reiterada prática criminosa.
Por outro lado, acredito na evolução da sociedade, no processo
civilizatório que permite a consciência e um idealizado “autopoliciamento”.
Talvez por esse motivo as nações e sociedades mais desenvolvidas não precisem
de tanta presença ou ação policial. Por isso também não são razoáveis as
simples comparações estatísticas entre os índices criminais e os resultados de
ações policiais entre países. A educação, em amplo sentido, permite a
transformação e pavimenta o caminho para essa mudança desejada, ao mesmo tempo
em que políticas públicas com investimentos que alcancem as raízes da violência
social são capazes de reverter um cenário propício a expansão da criminalidade
hoje incentivada pela noção de impunidade no Brasil.
Encerro essa reflexão com a confiança em um futuro melhor,
pelo esforço no presente. A sempre boa notícia que nos move é a possibilidade
de realizar, de modificar, de contribuir para o bem comum. A Polícia Militar é
uma Instituição forte e que se renova ao longo do tempo, buscando o constante
aperfeiçoamento, mesmo diante dos mais difíceis e complexos cenários; ela tem
uma capacidade extraordinária de mobilização e de desenvolvimento de ações
imediatas, com efeito rápido, mas essencial no conjunto da necessária
interferência estatal.
Sigamos em frente, cumprindo nossa missão com vontade, fé e
coragem!
Sempre, sob a proteção de Deus.
São Paulo, 20 de novembro de 2016
Adilson Luís Franco Nassaro (Cel Franco)
Coronel PM, Chefe do Centro de Comunicação Social da PMESP
(CComSoc).
- Facebook: Coronel Franco (fan page); Franco Nassaro (perfil)
- Twitter: Franco Nassaro @Cel_PM_Franco
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