segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Saída Temporária: as visitas de advertência e o “rescaldo”


                          "Quase 9% dos presos do Estado de São Paulo que receberam ‘indulto’ de Natal e Ano Novo em 2009 não retornaram aos presídios, segundo balanço da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), divulgado ontem (07 de janeiro de 2010). De acordo com o relatório, 23.331 detentos receberam a autorização de saída temporária entre as festas de fim de ano. O total de presos que não retornaram é de 1.985, ou seja, 8,51%, segundo a Secretaria" [1].
                        A notícia divulgada no início de 2010 ilustrou a dimensão do impacto que pode significar à segurança pública a liberação de milhares de presos em pelo menos cinco ocasiões distintas durante o ano (em São Paulo, as saídas são regulamentadas pelo Juiz Corregedor, normalmente concedidas nas seguintes datas: Natal/Ano Novo; Páscoa; Dia das Mães; Dia dos Pais e Finados). E, mais recentemente, também vem sendo autorizadas saídas por ocasião do Dia das Crianças.
                        Chamado indevidamente de “indulto” (e também conhecida por “saidinha”), a “saída temporária” - termo técnico correto - pode durar até sete dias corridos e significa um benefício concedido aos presos do regime semiaberto com bom comportamento, para visitar a família (o indulto é outro benefício, uma espécie de “perdão” que pode ser dado pelo Presidente da República). O próprio Diretor geral do Presídio encaminha ao juiz a relação dos presos “que têm direito à saída temporária” e, se o nome do preso não estiver na relação, o pedido pode ser feito pelo seu advogado, diretamente ao Juiz, que normalmente autoriza a saída de todos (“Tem direito à saída temporária o preso que cumpre pena em regime semiaberto, que até a data da saída tenha cumprido um sexto da pena total se for primário, ou um quarto se for reincidente. Tem que ter boa conduta carcerária, pois o juiz, antes de conceder a saída temporária, consulta os Diretores do Presídio” [2]).
                        Nota-se, pela análise estatística de incidência criminal, que existe visível aumento de crimes (especialmente de furtos e de roubos) nas ocasiões de saída temporária. Não é difícil explicar a variação, que tem aspecto sazonal. Infelizmente, o histórico recente demonstra que os “não retornados” sempre correspondem de 8 a 10% dos beneficiados. Com um percentual expressivo como esse, tratando-se de milhares de beneficiados no Estado, conclui-se que o preso que não retorna é exatamente o indivíduo que pretende se manter na vida do crime, pois ele sabe que passa automaticamente à condição de foragido e, se recapturado, retornará ao regime fechado. Muitas lideranças do crime aproveitam a oportunidade para escapar da prisão e outros presos, liderados, aproveitam a chamada “saidinha” para praticarem delitos especialmente patrimoniais para saldarem dívidas; alguns deles voltam para o presídio como se nada tivesse acontecido e outros, simplesmente, não voltam.
                        Existem inúmeros registros de crimes e fugas de presos em situação de saída temporária e não cabe neste estudo opinar pelo acerto ou erro de tal benefício, posto que previsto em lei. Convém, todavia, trazer alguns casos emblemáticos, como ilustração, para demonstrar a importância de lidar com esses fatos (saídas autorizadas), em nível de planejamento policial (focado em ações de prevenção), pois são repetitivos e com datas certas, e sempre relevantes para a segurança pública:
 
O ex-cirurgião plástico Hosmany Ramos - atualmente preso na Islândia e condenado no Brasil a mais de 40 anos de prisão por homicídio, roubo, tráfico de drogas e contrabando – vai ser extraditado ao nosso país para voltar a cumprir sua pena. É a segunda vez que ele foge da prisão aproveitando-se das saídas temporárias. Na primeira, ocorrida no Dia das Mães de 1996, não retornou ao Instituto Penal Agrícola de Bauru (SP) e tempos depois reapareceu em Rondônia, onde foi entrevistado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” e pelo “Fantástico”, da Rede Globo, onde disse que sairia do país para participar de um curso de guerrilha no IRA (Exercito Republicado Irlandês) e depois voltar ao Brasil para, como guerrilheiro, agir contra as mazelas do sistema penitenciário. Não foi e, tempos depois, acabou preso e com um tiro na perna, quando participava de um seqüestro em Minas Gerais. Agora, também deixou de voltar ao presídio de Valparaiso (SP), de onde saiu em dezembro de 2008, para o Natal e o Ano Novo. Só reapareceu em agosto, preso ao tentar entrar na Islândia com documentos falsos[3].
 
                               Outro preso (que não é casado e cuja mãe já é falecida) teve a saída temporária autorizada para visitar a família na saída do “Dia das Mães” de 2009 e foi preso depois de praticar dois roubos, conforme noticiado:
 
Enquanto desfrutava de uma saída temporária da Penitenciária de Franco da Rocha, um jovem de 22 anos que cumpre pena em regime semiaberto foi preso acusado de dois roubos na região central de São Paulo, na noite de domingo, 10. Embora estivesse em liberdade graças ao indulto de Dia das Mães, Willian Brás de Oliveira revelou que não possui mãe para visitar. Brás afirmou que ela morreu quando ele tinha 1 ano e 3 meses. Werther Santana/AEJovem de 22 anos (...). Ele também disse que não é casado. Questionado sobre a razão pela qual recebeu o indulto, o acusado respondeu apenas que recebeu o benefício[4].
 
                                Mais um exemplo se refere a grave crime registrado na cidadade de Bauru/SP, em que foi reconhecido como autor um beneficiado de saída temporária do Natal de 2009. Esse, certamente, não aproveitou a saída para visitar sua família:
Um homem, de 36 anos, foi preso na noite de terça-feira, acusado de estuprar uma adolescente de 16 anos, no centro de Bauru, no interior de São Paulo. A vítima foi agarrada pelo homem que a ameaçou com uma arma e a levou até a linha férrea, onde a estuprou, segundo informações da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Algumas pessoas que trabalham no local ouviram os gritos e acionaram a Polícia Militar (...). O suspeito foi localizado na Avenida Doutor Nuno de Assis e, ao perceber a aproximação da viatura, tentou fugir correndo, mas foi detido e confessou o crime. O acusado – que estava sob benefício do indulto de Natal e não havia retornado à unidade prisional, onde cumpria pena por estupro e atentado violento ao pudor – foi conduzido ao DP de Bauru, onde foi reconhecido pela vítima[5].

 
                                 Como medida preventiva, sugerem-se contatos preliminares com diretores de presídios para obtenção de listas dos presos beneficiados com a antecedência possível, juntamente com os respectivos endereços. Os policiais, então, realizarão visitas aos endereços indicados para conferência dos dados e advertências quanto ao acompanhamento da movimentação do beneficiado, em razão das limitações prescritas na concessão, tais como não se ausentar do endereço após determinado horário. Todas as irregularidades serão lançadas em boletim de ocorrência policial-militar (BOPM) para posterior encaminhamento para conhecimento do Juiz Corregedor do respectivo estabelecimento prisional (especialmente se não localizado o preso que teve a saída autorizada exatamente para visitar a família no endereço indicado)[6].
                          A maior virtude dessa estratégia é a mensagem que fica para o preso, depois da visita, no sentido de que a polícia está acompanhando os seus passos. Essas visitas de advertência devem envolver, com prioridade, a Força Tática e as equipes de radiopatrulhamento disponíveis, para cobrir todos os endereços das respectivas áreas, a fim de que se obtenha o efeito pretendido. Há possibilidade, em algumas cidades de porte médio, de se aguardar ônibus fretado pelos próprios presos, para abordagem do veículo já na estação rodoviária da cidade, realizando-se buscas pessoais, em casos de comportamentos suspeitos, e transmissão de mensagens de advertência, de forma que fique claro que o policiamento local está atento às condutas dos presos beneficiados e vai fiscalizar o cumprimento das condições impostas para fruição do benefício[7].
                        Após o período de concessão, quando todos os presos já deveriam ter retornado, será o momento de desenvolver a estratégia do “rescaldo”. Com auxílio dos Diretores de estabelecimentos prisionais (a partir dos contatos no presídio mais próximo) é possível obter a relação dos presos “não retornados”, mediante lista ou análise do sistema informatizado, e separar aqueles que têm endereço indicado na respectiva área do gestor de policiamento.
                        Passa-se, então, a realização de visitas com objetivo de recaptura, ao mesmo tempo que se divulgam, para todo o efetivo policial, os dados completos desses procurados (cujas capturas devem ser priorizadas), com as respectivas fotos, para facilitar as suas identificação e detenção.
                Já o monitoramento dos presos com características especiais e com endereço no município, que merecem um acompanhamento especial pelo seu histórico, é um interessante trabalho que pode ser desenvolvido pelo setor de inteligência da unidade policial e atualizado permanentemente, de forma a se antecipar às práticas criminosas pelas iniciativas em nível de policiamento preventivo.
Adilson Luís Franco Nassaro.



[1] SPIGLIATTI, Solange. Matéria: Em SP, quase 2 mil presos com indulto continuam nas ruas. Jornal O Estado de São Paulo, 08/01/2010, caderno Cidades/Metrópole, p. C5.
[2] Fonte: página da Procuradoria Geral do Estado: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/presos/parte9.htm>. Acesso em: 08 jul. 2010.
[3] GONÇALVES, Dirceu Cardoso. A “saidinha” e a fuga de presos. Artigo publicado no diário “Jornal da Cidade”, Bauru, 08/01/2010, p. 2.
[4] CANTO, Daniela do. Matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”. Disponível em: cidades,detento-em-saida-temporaria-e-preso-acusado-de-dois-roubos,
368834,0.htm>. Acesso em: 08 jul. 2010.
[5] SPIGLIATTI, Solange. Op. cit.
[6] No município de Assis/SP, as visitas de advertência resultam uma média de 15 a 20 boletins de ocorrência preenchidos por saída temporária, todos encaminhados para as respectivas autoridades judiciárias.
[7] No município de Marília/SP a estratégia de abordagem do próprio ônibus dos presos foi adotada com sucesso em anos recentes. Para cidades de porte menor, normalmente os presos chegam individualmente, em ônibus de linha, ou mesmo de carona.

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