(Publicado na revista na Revista “A Força Policial”, nº 42, em 2004 e também no site "jus navegandi", em 2005, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9539 )
Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
Capitão da Polícia Militar de São Paulo, pós-graduado em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, instrutor de Direito Processual Penal da Academia de Polícia Militar do Barro Branco
1. Introdução 2. Missão constitucional e exercício da autoridade policial 3. Discricionariedade do ato de polícia 4. Análise prévia da configuração da prática de crime e da situação de flagrante 5. Atuação na fase da repressão imediata e o apoio à Justiça Criminal 6. Formação jurídica do policial militar 7. Conclusão
1. Introdução
Observamos que alguns expositores ao mencionarem o conjunto dos profissionais chamados “operadores do direito”, em manifestação oral ou escrita no meio acadêmico, relacionam nesse grupo os juízes, promotores, advogados, delegados de polícia e até mesmo estudantes de direito, não fazendo referência, porém, à figura do policial militar. Desconsideram o fato de que o policial militar, em qualquer nível hierárquico, opera constantemente o direito no desempenho de sua atividade profissional ímpar, cuja principal ferramenta de trabalho é exatamente a interpretação das normas legais, objetivando alcançar o fiel cumprimento da lei e o “fazer cumprir a lei” em defesa da sociedade, para a preservação da ordem pública.
Não se trata de reivindicar qualquer mérito, mas, sim, de destacar a importância da informação - e da formação - jurídica na atividade policial-militar e o reconhecimento da efetiva operação do direito que se processa na relação direta com a população, em tempo real, fora dos cartórios dos fóruns, das salas de audiência e longe dos gabinetes dos estudiosos do direito, das salas de aula e mesmo das sedes dos distritos policiais. Referimo-nos a aplicação prática do direito que se processa na ação do policial militar em contato pessoal e permanente com o cidadão, destinatário de todo o esforço do Estado no objetivo maior de alcançar a paz social. Vamos refletir sobre isso.
2. Missão constitucional e o exercício da autoridade policial
O policial militar trabalha com segurança quando possui conhecimento da lei em nível adequado ao desempenho da sua função, em patamar acima da média do cidadão comum, com especialização em atividades de segurança pública. E ele deve ser preparado para esse plano de atuação. Necessário, primeiramente, conhecer a competência da Instituição da qual é parte integrante, para exercer a autoridade policial inerente à sua condição, agindo em nome do Estado e no limite de suas atribuições, capacitando-se a tomar decisões que se reconheçam corretas porque razoáveis e cobertas pelo manto da legalidade e da moralidade administrativa.
Tal como acontece com os demais operadores do direito, deve ser capaz de organizar-se mentalmente, formulando um raciocínio jurídico sobre o fato concreto. E deve decidir com amparo na fundamentação legal que dê legitimidade à sua ação, eis que, via de regra, o policial atua na sensível faixa da limitação das liberdades individuais, no exercício do denominado poder de polícia, condição que o distingue.
Sobre esse diferencial de sua função, faz-se oportuno destacar o ensinamento sempre atual de Álvaro Lazzarini: “A Polícia é a realidade do Poder de Polícia, é a concretização material deste, isto é, representa em ato a este. O Poder de Polícia legitima a ação e a própria existência da Polícia. Ele é que fundamenta o poder da polícia. O Poder de Polícia é um conjunto de atribuições da Administração Pública, indelegáveis aos particulares, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades” 1.
O policial militar não pode simplesmente tratar o poder de polícia como algo etéreo, construído pela doutrina ou aceito como legítimo em razão de que ninguém questionou sua decisão diante de um caso prático... É obrigação do profissional de polícia conhecer a natureza jurídica dessa sua autoridade exteriorizada nas mais variadas situações, normalmente diante de conflitos sociais ou manifesta no contexto da prevenção, quase sempre caracterizada pela adoção de medidas cogentes. Certo que na esfera da segurança pública, é a Polícia Militar a detentora principal do conjunto de atribuições da Administração Pública chamado poder de polícia.
Pois bem, partindo do texto da Constituição Federal, particularmente do art. 144, posiciona-se o policial militar em relação à competência dos outros órgãos policiais e identifica a sua própria, na complexa dimensão do exercício da “polícia ostensiva” e da “preservação da ordem pública”. E, diante da diversidade de suas missões, ao buscar a regulamentação de matéria específica nas leis infraconstitucionais, observada a hierarquia das normas, obtém os subsídios necessários para qualquer tomada de posição.
Os três aspectos da ordem pública: segurança, tranqüilidade e salubridade, reconhecidos em inúmeras produções acadêmicas desenvolvidas sobre o tema, expandem a dinâmica da atuação policial-militar muito além da realização do notório policiamento ostensivo que previne a prática de infração penal. Atua o profissional também em situações marcadas pela prática de ato que não constitui delito, mas que é considerado ilícito em razão de desrespeito a regra na órbita do direito civil ou na esfera administrativa, como por exemplo, em ocorrência que envolve prática de infração de trânsito, infração ambiental, questão de relações de vizinhança e muitas outras, sempre com previsão no ordenamento jurídico, posto que, conforme o art. 5º, inciso II, ainda da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Enquanto ao cidadão comum é permitido movimentar-se no vazio deixado pela lei, ou seja, ele pode fazer em regra tudo o que não lhe seja vedado em mandamento legal, de outro lado, os integrantes da Administração Pública devem fazer apenas o que a lei permite, em face da observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, ainda, eficiência, nos termos do artigo 37, também da Carta Magna. O raciocínio aplica-se não somente ao exercício da atividade fim, mas também à gestão dos recursos necessários, no âmbito das atividades de suporte essenciais à realização da “polícia ostensiva” e da “preservação da ordem pública”, característicos da Administração Militar Estadual. Nesse contexto, o gestor da coisa pública, no exercício de suas atribuições, é autoridade administrativa, com poderes, deveres e responsabilidades próprios.
O mesmo artigo 37 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, prevê a responsabilidade objetiva da Administração Pública e a ação regressiva contra o agente público causador do dano: “As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Verifica-se, portanto, que além das responsabilidades comuns a qualquer cidadão o policial militar está sujeito a outras. Conforme visto, está sujeito à eventual obrigação de indenização em razão de ação regressiva, por danos causados a terceiros na condição de agente público; a responsabilização no campo disciplinar, mediante aplicação de rigoroso regulamento de conduta que estabelece como sanção inclusive a privação de liberdade e, ainda, à jurisdição penal especial, na esfera da Justiça Castrense, em razão de sua qualidade de militar. Eis o peso da responsabilidade do exercício da função e da autoridade policial-militar a exigir, como contrapartida, uma boa preparação, especialmente na área dos conhecimentos jurídicos essenciais ao desempenho de tão relevantes e complexas atribuições.
3. Discricionariedade do ato de polícia
O aprofundamento no estudo da missão institucional e do exercício da autoridade policial, leva o profissional de Polícia Militar a conhecer a análise doutrinária sobre as características do ato de polícia. Conforme lição de Hely Lopes Meirelles2, o ato de polícia tem três atributos básicos: discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade, ou seja, é caracterizado pela livre escolha da oportunidade e da conveniência do exercício do poder de polícia, além dos meios - lícitos - necessários para a sua consecução, pela execução direta e imediata da decisão, sem intervenção do Poder Judiciário, exceto os casos em que a lei exige ordem judicial, bem como, pela imposição das medidas adotadas, de modo coativo.
Exatamente como um contraponto à liberdade do cidadão comum, que pode movimentar-se no vazio deixado pela lei, a discricionariedade possibilita ao policial militar um nível de escolha de oportunidade essencial ao êxito do trabalho de quem pode estar no lugar certo e no momento certo para agir. Celso Antônio Bandeira de Mello define discricionariedade como sendo “a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente” 3.
Significa dizer que o ato de polícia encontra seus limites também no mandamento legal. Os fins, a competência do agente, o procedimento (sua forma) e também os motivos e o objeto são limites impostos ao ato de polícia, ainda que a Administração disponha de certa margem de discricionariedade no seu exercício, conforme adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em elucidativa exposição: “Quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender o interesse público. Se o seu fundamento é precisamente o princípio da predominância do direito público sobre o particular, o exercício desse poder perderá a sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas; a autoridade que se afastar da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as conseqüências nas esferas civil, penal e administrativa. A competência e o procedimento devem observar as normas legais pertinentes. Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale a dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais”4 .
Para não incidir em prática de ato arbitrário, que consiste em posicionamento antagônico à prática de ato discricionário, o policial militar deve ter a noção exata dos contornos legais da discricionariedade. Ora, não existe outra forma senão estudar as leis, conhecer a doutrina e, ainda, tomar contato com a jurisprudência, como faz um bom operador do direito. Por outro lado, não se pretende que o policial militar transporte na viatura todos os códigos e manuais disponíveis, ou que dele seja exigido o bacharelado em Ciências Jurídicas; importante, sim, que ele receba uma boa formação técnico-jurídica para que se sinta preparado e, por conseqüência, encontre-se seguro ao tomar decisões, sob o peso da responsabilidade de quem representa o próprio Estado e, nessa condição, é o primeiro normalmente a tomar contato com situação de conflito, adotando providências imediatas - e imprescindíveis - para o restabelecimento da ordem.
4. Análise prévia da configuração da prática de crime e da situação de flagrante
Qualquer do povo pode e o policial deve prender quem for encontrado em flagrante delito, é o que determina o art. 301 do Código de Processo Penal... Mas, para prender, é necessário entender como se configura a situação jurídica de flagrância delituosa e, particularmente, se tal conduta - em estado flagrante - amolda-se à descrição própria desse ou daquele tipo penal. Também é essencial, nesse contexto, compreender as regras de processo penal aplicadas ao ato de prisão. Trata-se exatamente de saber o porquê da decisão que será tomada; agir pela razão e não pela emoção; reservar a “intuição” apenas para a ação policial que não impõe qualquer restrição de direitos.
A reflexão sobre o tema resulta em séria advertência: se a análise preliminar não for baseada em critérios técnicos, ou seja, com conhecimento das normas básicas de direito penal e de direito processual penal, o policial militar poderá incidir, ele próprio, na prática de crime. Pode vir a praticar prevaricação ou abuso de autoridade.
A responsabilidade do policial é marcante em relação às normas de conteúdo penal que, ao contrário das normas processuais, não admitem interpretação extensiva, uso de analogia, de costumes ou de princípios gerais de direito. Em outras palavras, em razão de que deve ser perfeito o ajustamento da conduta ao tipo penal para a configuração da prática de crime, por vezes um detalhe ilide a materialidade e, portanto, inviabiliza qualquer medida de caráter repressivo; e o raciocínio contrário também é verdadeiro: um detalhe pode caracterizar a prática do ilícito penal em conduta que aparentemente não transgride normas penais, ensejando ação policial.
E ainda ocorre, não poucas vezes, que a rápida intervenção do policial militar ou apenas a sua presença ostensiva evita a prática de delito, como, por exemplo, de uma lesão corporal e até de um homicídio que resultaria da evolução de um caso de grave desentendimento.
Não há como negar, numa visão sistêmica do esforço do Estado na prevenção e na repressão da criminalidade, que o policial militar atua como uma espécie de filtro, em razão de sua análise prévia, elaborando um rápido raciocínio jurídico sobre o fato que chega ao seu conhecimento, quando do atendimento de uma ocorrência a ele confiada, ou simplesmente, ao deparar-se com uma situação de aparente conflito.
Frente à ocorrência, reúne imediatamente os elementos da notícia: quem, quando, onde, como e por que, para alcançar a síntese, sob o prisma da legalidade, que deve direcionar a sua conduta profissional, a fim de adotar um dos caminhos possíveis a partir de quatro níveis básicos: conclusão sobre inexistência de qualquer ilícito; verificação da prática de ilícito em conduta não incidente na esfera penal; verificação de indícios ou fundada suspeita da prática de ilícito penal; constatação da situação de flagrante delito.
Salvo os casos de imunidade, de prerrogativa funcional do infrator, ou de compromisso de comparecimento em juízo nas infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95), o último nível permitirá ao policial militar apenas uma decisão: dar a voz de prisão em flagrante. A partir desse momento, deverá garantir o respeito aos direitos constitucionais do preso, sob sua custódia no menor tempo possível, até que seja apresentado ao delegado de polícia responsável pela lavratura do auto de prisão em flagrante, desde que, evidentemente, a conduta analisada previamente não tenha configurado crime militar – circunstância que enseja a realização do ciclo completo de polícia sob responsabilidade de autoridade policial-militar competente.
Em razão dessa atuação imediata diante do caso concreto, com poder de decisão no exercício de autoridade policial, Álvaro Lazzarini observa que o policial militar é encarregado da aplicação da lei, ou “law enforcement”, na alocução que inclui “todos os agentes da lei, quer nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes policiais, especialmente poderes de prisão ou detenção” de acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a propósito do artigo 1o do Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei5.
5. Atuação na fase da repressão imediata e o apoio à Justiça Criminal
O resultado de toda a atividade policial de combate à criminalidade vai desembocar na Justiça Criminal, que é o seu desaguadouro natural. E não poderia ser diferente, pois no Estado Democrático de Direito em que vivemos, é inviolável o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, conforme art. 5o, “caput”, da Constituição Federal, destacando-se os mandamentos: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, nos termos dos incisos LIV e LVII do mesmo dispositivo constitucional.
Por isso, o policial militar deve analisar com bastante cuidado a expressão popular que representa o anseio da sociedade por maior efetividade na persecução penal: “a Polícia prende, mas a Justiça solta...”. Na verdade, um trabalho policial mal desenvolvido ainda na fase de atendimento de uma ocorrência ou na atuação logo após a prática da infração penal, por desconhecimento do aspecto pragmático do direito, pode inviabilizar mais tarde uma sentença condenatória.
O policial militar, operador do direito, deve compreender como funciona a Justiça Criminal, conhecer a mecânica do processo penal, exatamente o seu aspecto instrumental; precisa estar consciente de que o juiz, apesar do esforço constante da busca da verdade real, será obrigado a absolver o acusado caso não disponha de provas suficientes para a condenação, em respeito ao princípio da prevalência do interesse do réu, que é representado na expressão latina: in dubio pro reo.
O policial militar deve ter a noção de que, no contexto da persecução penal, como expressão do exercício do “jus puniendi” do Estado, ele próprio é parte integrante de um dos órgãos do chamado “Sistema Criminal”, nem mais e nem menos importante que outros, somando esforços junto aos demais órgãos policiais, órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário. Portanto, o seu trabalho não é isolado e, ao contrário do ponto de vista centralizador que por vezes se faz observar - como se esgotasse a persecução penal o ato policial bem sucedido representado nas frases: “prendemos”, “desvendamos o crime” -, deve prevalecer, acima de tudo, a preocupação com o aspecto de colaboração com os órgãos que prosseguirão na fase processual.
Essa é a visão temporal de necessária amplitude, quanto à dimensão da atividade dos outros órgãos que têm em comum a operação do direito, inclusive para que o policial militar se conscientize de que a “ocorrência” não se encerra simplesmente com os registros no distrito policial ou com os seus próprios registros policiais militares.
Sem desconsiderar a importância da atuação policial militar antes da prática do delito, exatamente no sentido de evitá-lo, é certo que a Polícia Militar participa direta ou indiretamente de todo o ciclo da persecução penal, desde o atendimento da ocorrência em que se constata a prática de delito até o efetivo cumprimento de eventual sentença condenatória daquele que foi submetido a processo penal, senão vejamos: o policial militar dá voz de prisão, quando conclui pela prática de infração penal em estado de flagrância; preserva o local do crime, garantindo a integridade e a inviolabilidade das provas que serão colhidas pela polícia técnica; por vezes colhe imediatamente, ele próprio, provas que podem se perder em pouco tempo, a fim de que não ocorram prejuízos aos trabalhos da Justiça Criminal; relaciona testemunhas no calor dos fatos, antes que se esgote a oportunidade de fazê-lo; o seu registro da ocorrência é normalmente analisado com grande atenção pela autoridade judiciária e, por conseguinte, é capaz de influenciar o convencimento sobre a configuração da prática delituosa; o testemunho do policial militar constitui quase sempre um dos principais elementos da instrução do processo em razão de que ele, via de regra, é a primeira autoridade que chega ao local dos fatos - por isso ele comparecerá ao fórum para prestar depoimento... E ainda, como não bastasse, também será um policial militar o responsável pela escolta de réus presos, em situações definidas em normas administrativas, pela segurança externa dos estabelecimentos prisionais e pelo apoio necessário ao cumprimento de mandados judiciais, dentre outras atividades imprescindíveis à garantia da segurança dos trabalhos desenvolvidos em juízo criminal.
6. Formação jurídica do policial militar
Não se despreza a importância da prática policial-militar, da cultura adquirida pela experiência cotidiana do policiamento ostensivo, uniformizado, que nenhuma outra instituição civil ou militar possui. E esta deve ser cultivada e perpetuada, como vem sendo feito, na forma de padronização de procedimentos operacionais. Mas, um policial militar em atuação, que não possua o mínimo necessário do conhecimento jurídico preconizado nos cursos de formação da Polícia Militar, será comparável a um músico tocando em uma orquestra sem saber ler partitura, ou com um instrumento desafinado: por maior que seja sua intimidade com o instrumento musical, não poderá convencer a todos os ouvintes, menos ainda aos outros músicos. Simbolicamente, essa orquestra corresponde ao Sistema Criminal e os diferentes naipes de instrumentos correspondem aos órgãos com participação no ciclo da persecução penal; por isso, somente haverá harmonia se cada grupo executar corretamente a parte que lhe cabe.
A formação jurídica do policial militar vem sendo prestigiada nos diversos cursos de formação e de aperfeiçoamento da Polícia Militar. Praticamente metade da carga horário dos cursos no âmbito da Instituição é composta por matérias voltadas à Ciência do Direito, com ênfase na sua aplicação durante a atividade policial.
A afinidade com tais matérias e o reconhecimento de sua importância faz com que diversos policiais militares, destacadamente os oficiais, busquem o aperfeiçoamento pessoal concluindo o bacharelado em Direito, vez que as Faculdades aproveitam as matérias ministradas na Academia de Polícia Militar do Barro Branco (no atual Curso Superior de Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública) e vários concluem, ainda, cursos de pós-graduação. Mesmo sem um levantamento completo sobre essa formação acadêmica de iniciativa individual, é possível afirmar que bem mais da metade dos Oficiais da Polícia Militar possui bacharelado em Ciências Jurídicas e vários são, inclusive, pós-graduados.
Sobre a importância do estudo do direito para a atuação profissional, também é importante frisar que cada Unidade conta com um Oficial Chefe de Seção de Justiça e Disciplina, junto a uma equipe de praças, que é responsável pelo andamento dos procedimentos administrativos apuratórios, disciplinares e de polícia judiciária militar na respectiva área de circunscrição, ou de competência própria em razão do comando local, mantendo constante contato com outros operadores do direito na esfera administrativa ou penal militar. Toda essa estrutura, aliada a uma Corregedoria bem organizada, foi fortalecida com a implantação, na década de 90, dos Plantões de Polícia Judiciária Militar (PPJM), com funcionamento nos Comandos regionais, fora do horário de expediente, hoje implementados em todo o Estado de São Paulo, com excelentes resultados.
Além de participar direta, ou indiretamente, desse verdadeiro sistema de Justiça e Disciplina, na condição de encarregado de Investigações Preliminares e Sindicâncias, de Inquéritos Policiais Militares e eventuais Autos de Prisão em Flagrante Delito de crime militar e Processos de Deserção, de Processos Disciplinares - inclusive integrando Conselhos de Disciplina ou de Justificação para possível ato de demissão ou expulsão -, o Oficial da Polícia Militar concorre periodicamente, mediante sorteio, à atuação nos Conselhos das Auditorias da Justiça Militar Estadual, para funcionar como juiz integrante desses órgãos colegiados de julgamento de crimes militares, sob o regimento próprio da Justiça Castrense.
Em tempo, particularmente nas atividades especializadas, a exemplo do policiamento ambiental e do policiamento rodoviário, cresce ainda mais a exigência de conhecimento técnico específico, demandando cursos de especialização a que se submetem os policiais militares que atuam nessas áreas, o que aumenta o contato com as Ciências Jurídicas, mediante estudo dirigido à sua aplicação em determinada modalidade de fiscalização. Expande-se, por conseqüência, a interface com grupos de atuação especializada de outros órgãos públicos, também operadores do direito, envolvidos na mesma temática.
7. Conclusão
O policial militar, em qualquer nível hierárquico, opera constantemente o direito, na forma mais viva que se possa imaginar. Lida diretamente com a realidade dos conflitos sociais, próprios das relações humanas e deve decidir de imediato, como “juiz do fato”, com base no ordenamento jurídico. Sua responsabilidade é grande, pois carrega o peso das decisões de quem normalmente chega primeiro ao local dos fatos, na flagrância dos acontecimentos, personificando o poder do Estado perante a sociedade que o identifica de imediato em razão do uso do uniforme.
Como encarregado da aplicação da lei, o policial militar opera naturalmente o direito, atuando em situações de conflito ou em circunstâncias que lhe exigem domínio de normas específicas, tanto na atividade operacional quanto nas atividades de suporte e de apoio administrativo. Essa ação é tão espontânea no cotidiano do policial militar, que por vezes ele próprio pode não perceber a relevância do estudo, principalmente, dos ramos do direito constitucional, administrativo, penal, processual penal e civil, dentre outros. Por isso, os cursos de formação e de aperfeiçoamento da Polícia Militar têm destacado, com ênfase em seus currículos, as matérias relacionadas ao direito.
De fato, o principal instrumento de trabalho do policial é a imediata interpretação da lei, para desenvolver uma capacidade de tomar decisões rápidas e coerentes, sobre uma plataforma de conhecimentos previamente adquiridos, solucionando conflitos ou dando pronta resposta, por meio de suas ações, ao anseio da coletividade. Existiria melhor expressão para a prática de “operar o direito”?
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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 19. ed. São Paulo : Saraiva, 1997. v. 1.
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Boas!
ResponderExcluirEste está servindo de embasamento para a identificação dos nossos pricncipais negócios (core business) e para a identificação de nossas competências essenciais (core competence
Aercio Dornelas Santos