Educadores e agentes da lei trabalham com o comportamento, na relação entre pessoas em um grupo organizado.
Os
primeiros, no conjunto que deveria reunir pais, responsáveis e professores em
uma complexa estrutura, devem buscar a formação plena do indivíduo, integrado
em um grupo social resultante da soma dos núcleos familiares em toda sua
diversidade. Já os agentes da lei, embora em conjunto também amplo, são
identificados imediatamente pela imagem do policial, e cobrados pela tarefa de “fazer
cumprir as leis” (law enforcement),
agindo para a manutenção do pacto social e restabelecendo a paz quando
necessário, em busca de um equilíbrio conhecido como ordem pública.
Assim como educar
não é responsabilidade exclusiva dos professores, policiar também não pode ser tarefa apenas dos policiais em uma
sociedade que se denomina civilizada. O processo civilizador estudado por
Norbert Elias tem como marca a evolução de um nível de violência onipresente
para o aperfeiçoamento de mecanismos sociais que a limitam. A existência do
chamado “autocontrole”, situação em que cada indivíduo policia a si próprio, é o
indicativo de um patamar de civilidade almejado, tarefa do educador (não apenas
do professor, insisto) em primeira instância.
Quando
o primeiro esforço coletivo - o educar
- não alcança o efeito desejado para uma convivência harmoniosa, o papel do
agente da lei se torna superestimado - o policiar.
A questão é mais complexa do que aparenta ser. Note-se que a segurança pública
é “dever do Estado”, mas também “direito e responsabilidade de todos” como preconiza
a Constituição Federal brasileira de 1988; por outro lado, a atuação do agente
da lei (com seus efeitos) é capaz de gerar mudanças comportamentais, em outras
palavras, educar e policiar prosseguem em um processo contínuo e indispensável,
em uma construção coletiva e atemporal.
Não será o caso de um “Estado policial” ou, em
contraste, de uma “sociedade sem polícia” como um ideal, a solução para os
problemas contemporâneos. Historicamente, onde há sociedade organizada, haverá
atuação policial: o próprio nome da instituição - Polícia - tem
origem na palavra “cidade”, do grego politeia,
no sentido de grupamento organizado de pessoas, advindo um “conjunto de
instituições necessárias ao funcionamento e à conservação da cidade-estado”,
como descreveu Sérgio Bova.
Apresento, em conclusão, um ponto crucial: a necessária
percepção da existência de direitos e de deveres capazes de caracterizar o
cidadão completo e o exercício pleno da sua cidadania. Não se trata de defender
apenas a vigilância e a punição, como já se demonstrou ineficaz em vários
momentos na sociedade moderna - o “vigiar e punir” estudado em profundidade
pelo filósofo francês Michel Foucault - mas buscar um ponto de equilíbrio entre
as vantagens e as obrigações no exercício permanente de não viver só.
O Brasil de hoje é um retrato da “era dos
direitos”, descrita pelo pensador italiano Norberto Bobbio como um amplo leque
de dimensões de proteção e de garantias legais evidenciadas nas últimas décadas
do século XX, e que significam uma conquista da humanidade, de fato. Para não
retroagirmos, devemos, sem demora, assumir o papel da educação para a vida em
coletividade, quando cada indivíduo é responsável, em alguma medida, pela
segurança e pelo bem estar do próximo. Enquanto cidadãos, precisamos assumir a
responsabilidade de educar e de policiar, exercendo direitos, mas conhecendo e
cumprindo todos os nossos deveres: esse é o preço para viver bem em sociedade.
(O autor, Adilson Luís Franco Nassaro, é
tenente-coronel PM, comandante do 2º Batalhão de Policiamento Rodoviário em Bauru,
mestre em História e doutor em Ciências Policiais).
Para citar: publicado no Jornal da Cidade, Bauru/SP, p. 02, em 06 mar. 2014.