quinta-feira, 30 de maio de 2013

Valorização profissional: primeiro compromisso do gestor de policiamento preventivo

                                                               
       O aspecto psicológico deve estar sempre presente quanto se trata de valorização do profissional (agente policial), principal responsabilidade do gestor, comandante de policiamento preventivo. Afinal de contas, ele trabalha com pessoas, não com máquinas. Os policiais podem até se apresentar bem equipados, com ótimas viaturas e armas, e mesmo com salários acima da média do mercado comum de trabalho, mas sua produtividade não atingirá o nível almejado se não existir um sentimento de realização pessoal, que por vezes se manifesta em razão de um pequeno e simples elogio recebido na hora certa: o profissional quer e precisa ser reconhecido. 
         O gestor é o responsável imediato por esse item que passa pelo reconhecimento interno dos méritos e também pelo equilíbrio e justiça na imposição de sanções no momento adequado, o que pode representar também a oportunidade de um redirecionamento profissional. Se o policial é valorizado como indivíduo, profissional e cidadão, ele se revelará muito eficiente na luta contra o crime e sua produtividade será surpreendente; o raciocínio inverso também é verdadeiro.
           Ainda, mesmo inserido em uma estrutura extremamente vertical da hierarquia que caracteriza um organismo militar, o gestor deve ouvir sugestões de seus subordinados e buscar colocar em prática as boas ideias recebidas, não somente pelos benefícios que todos podem auferir, mas também pelo aspecto da valorização do seu administrado.
           Muito se escreve sobre “gestão participativa” como boa prática do mundo corporativo; apesar de parecer ousada no meio militar (pelo próprio título apresentado), a concepção pode ser ajustada à administração militar estadual desde que harmonizada às prescrições do regime próprio de responsabilidades. Certo que a soma da experiência dos administrados sempre será maior que a experiência pessoal do administrador.  O importante, nessa proposta, é o exercício de liderança que viabilize a captação de contribuições voluntárias em prol do aperfeiçoamento do serviço, sem perda do poder de decisão. Essa participação respeitosa, de forma bem dirigida, somente valoriza o exercício de comando, o que é prova de liderança do gestor. Portanto, nenhuma sugestão pode ser desprezada, ainda que não seja possível ou conveniente colocá-la em prática no momento presente. 
            Com um perfeito funcionamento dos mecanismos disponíveis de motivação  e o exercício da liderança, ocorrerá que, a cada prisão realizada, a cada arma apreendida, ou mesmo a cada captura de indivíduo procurado pela Justiça, o policial se sentirá responsável pela melhoria das condições de segurança local. O bom gestor compartilha com o agente cada vitória e sente a necessidade de se manifestar claramente nesse sentido, a fim de que todos se envolvam no mesmo sentimento, realimentando uma grande corrente positiva. Os melhores técnicos de futebol não escondem esse recurso no momento de um gol e se manifestam como se fosse ele o artilheiro; o time apático perde, enquanto o time vibrante ganha.
          O gestor pode e deve ter a iniciativa dos cumprimentos imediatos, seja pela radiocomunicação  seja por telefone em linha fixa ou celular, seja pessoalmente, seja por bilhetes, e-mail, recados, enfim, por qualquer recurso de comunicação disponível. Esse cumprimento no momento certo é inesquecível, pois estabelece uma sintonia fina, consubstanciando a empatia entre líder e agente. Se não for possível o cumprimento imediato, há que existir empenho em fazer chegar esse incentivo ao destinatário o quanto antes, preferencialmente em público, pois, quanto mais próximo do evento originário, maior o seu efeito. Ainda, a regra básica a ser lembrada pelo gestor é: “críticas em reservado; elogios em público”.
            Apresento a seguir dois exemplos de posturas de comando para ilustrar as iniciativas ora defendidas. O Coronel PM Carlos Alberto de Camargo exerceu o cargo de Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo no período de 1997 a 1999 e, do seu gabinete na capital paulista, encaminhava bilhetes manuscritos e assinados com cumprimentos para que fossem entregues às equipes responsáveis por importantes prisões realizadas inclusive no interior do Estado; tão importante o gesto, que a 2ª Companhia do 2º Batalhão de Polícia Rodoviária com sede em Presidente Prudente (oeste paulista) tem até hoje quadros com tais bilhetes expostos, que foram recebidos por seus patrulheiros após apreensões de quantidades expressivas de droga na divisa com o Estado do Mato Grosso do Sul e prisões de traficantes em flagrante delito, ainda na década de 1990. O Coronel PM Álvaro Batista Camilo, Comandante Geral de São Paulo no período de 2009 a 2012, adotou como uma de suas metas a valorização do profissional policial militar em amplo sentido; instituiu o “Café com o Comandante”, recebendo para homenagens os policiais condutores de ocorrências de destaque e também telefonava aos policiais para cumprimentá-los no dia do aniversário, surpreendendo a todos; ainda, transmitiu, em diversas ocasiões, ensinamentos quanto às técnicas possíveis de motivação, inclusive utilizando a expressão acima indicada (“críticas em reservado; elogios em público”) em uma de suas reuniões com gestores da região de Bauru (CPI-4), realizada em maio de 2010, notabilizando-se pelas boas práticas motivacionais.
           A partir da experiência diária de se sentirem vitoriosos por conquistas objetivas (como a retirada de circulação de criminosos, em especial), os policiais cultivam a saudável percepção de que “agora, sim, teremos menos delitos” e essa agradável sensação se repete com os atos de detenção ainda que, racionalmente, se possa concluir que a luta não tem mesmo fim, por conta de que a cada dia também surgem novos criminosos ou outros são colocados em liberdade, ou fogem dos estabelecimentos prisionais, ou mesmo não retornam da “saída temporária” (os atuais beneficiados do regime semiaberto). O gestor envolvido com as realizações, apesar de sua maior consciência quanto à efemeridade desses resultados, vibra como um diapasão, soando no mesmo tom de seus comandados.
           Quem vive intensamente o policiamento preventivo conhece o prazer da realização pessoal como qualquer profissional que se enche de orgulho pelo bom produto do seu trabalho, seja ele material ou imaterial. Com o reconhecimento público, esse sentimento de auto-realização é amplificado. Mesmo que alguém classifique como ilusória essa celebração de vitória diária certamente não haverá desânimo, pois, ao final de cada turno, o profissional sentir-se-á realizado com conquistas que representam, no conjunto da produção operacional das equipes, verdadeiras batalhas diárias vencidas em um tempo e espaço definidos. Essas vitórias se encontram no contexto de uma guerra perene contra o crime, que é um fato social.
           A prática de atos danosos ao próximo (que o homem em sociedade classifica como censurável e punível) é característica da própria espécie humana desde o tempo bíblico em que Caim matou Abel, primeiro delito de que se tem registro. Portanto, a analogia da luta em uma “guerra contra o crime” não é uma simples metáfora na nossa vida em sociedade. Não obstante a polícia moderna caracterizar-se como “polícia de defesa do cidadão” e defender enfáticamente a solução pacífica dos conflitos, é verdade que especialmente os policiais militares vivem em situação de possível confronto armado contra o crime e a defesa do cidadão impõe a necessidade de uma polícia preparada também para situações extremas.
        O gestor-comandante deve dar o tom e o ritmo do trabalho, obviamente sempre pautado pela legalidade das ações, na busca constante de soluções pacíficas aos conflitos; ele precisa se envolver totalmente nesse ideal que será alcançado sob sua coordenação: deve dizer “vamos em frente” e não apenas “vá em frente”. Junto a essa postura de liderança, a distribuição planejada do efetivo com prioridade nas áreas de interesse de segurança pública (AISP) identificadas em prévia análise criminal (ocorrências recentes), o emprego dos programas de policiamento adequados a cada espaço e situação, a cobrança de abordagens policiais com qualidade, criteriosamente desenvolvidas e com técnica adequada, além do patrulhamento dirigido e identificações realizadas, com uso de tecnologia em todas as etapas desses processos, são ferramentas que o gestor empregará, de modo coordenado, para o almejado sucesso do policiamento preventivo. O agente policial, por outro lado, precisa sentir que é parte importante e indispensável de um grupo bem sucedido, de uma equipe vitoriosa, sabedor dos fundamentos do seu emprego (o “por que” de ter sido designado para tal função) e do que se pretende alcançar com suas intervenções: a imagem do herói consciente é cultivada dessa forma.
          Para motivação contra algum desânimo em face de eventual sensação de “enxugar gelo”, vale em última instância até mesmo a observação de que, se não houvesse as realizações policiais a situação certamente se encontraria algo “insustentável”, “caótica”, e isso é mesmo verdade, pois somente a presença policial e as suas intervenções são capazes de dar garantia imediata à estabilidade social nas relações diárias em face da existência inexorável de condutas delituosas: é o chamado efeito imediato da prontidão do Estado que, nesse nível, não interfere propriamente nas causas da criminalidade, de raízes profundas. Ainda como argumento: é possível mensurar o que foi objeto de detenção, prisão e apreensão, mas não quais (todos) os delitos que foram evitados; o produto é imaterial nessa última realização, quase sempre não perceptível e, paradoxalmente, o mais importante como essência da prevenção.
          Ao gestor cabe também esclarecer sobre o objetivo dessas conquistas diárias no controle da criminalidade pelo histórico local, considerando que avanços na área da prevenção primária têm o potencial de garantir a sustentabilidade desse controle. Se o primeiro passo é acreditar na possibilidade de reverter tendência de crescimento de índices criminais, também é certo que, para que não ocorram falsas promessas, há que existir a consciência de que se atingirá a perenidade do controle da criminalidade com a somatória de medidas na área social e oportunidades de desenvolvimento às novas gerações. Desse modo, o gestor também se apresentará preparado para demonstrar publicamente que o papel da polícia está sendo bem cumprido.

   Adilson Luís Franco Nassaro
   Major PM Subcomandante do 32º Batalhão de Polícia Militar do Interior 
   (Região de Assis/SP), do CPI-4 (Bauru;SP).


Nenhum comentário:

Postar um comentário