sábado, 22 de setembro de 2012

Envolvimento da comunidade: a grande conquista


           A maior conquista dos órgãos policiais é o apoio da comunidade, do seu envolvimento na busca de soluções para a segurança pública, como reflexo da confiança na capacidade conjunta, quando se trata do delicado tema que interfere no dia-a-dia de todas as pessoas. Particularmente, quando se constata um estágio de avanço da criminalidade em determinado tempo e espaço, esse envolvimento deve ser encarado como o maior desafio para os gestores, o almejo de uma nova fase representada pelo resgate da confiança da comunidade em possíveis soluções locais para a diminuição da violência e da criminalidade.
            Lideranças locais são capazes de estabelecer pontes seguras para essa nova postura em contraste com o conformismo (apatia) ou com a polarização do tipo “platéia”, quando a sociedade, apesar de inconformada, se vê em um grande teatro apenas assistindo o espetáculo protagonizado pela “polícia” contra o “criminoso”. O ideal pretendido é a mudança de mentalidade, capaz de alterar comportamentos ou ao menos manifestações individuais, propiciando ações de auxílio à força policial que podem ser representadas por um simples telefonema (número 190) de um popular que indica a presença de pessoa com atitude suspeita e solicita a abordagem para verificação, evitando a prática de um crime não somente contra si, mas contra algum vizinho ou mesmo contra um desconhecido.
            Não se pode abrir mão da permanente busca dessa conquista. O envolvimento da comunidade deve ser promovido antes que a simples apatia avance para o estágio do sintoma “platéia”, caracterizado pelo inconformismo e este avance para o último estágio possível, marcado pelo sentimento generalizado de insatisfação que se traduz na crítica aberta e direta à incapacidade dos órgãos policiais, em situação extrema de ruptura de qualquer nível de credibilidade. Para que não se alcance esse último grau, também o gestor deve ter a cautela de nunca se posicionar como um “dono da razão” ou transparecer a imagem de alguém que possui conhecimento e experiência suficientes para lidar com a questão, ao tratá-la apenas como “assunto de polícia”, em atitude inversa à preconizada, caracterizada pela busca de parcerias. Se não tiver esse cuidado, mesmo sem perceber, poderá voltar contra si todas as críticas e polarizará as manifestações de descontentamento e até mesmo de revolta de pessoas expressamente inconformadas, normalmente vítimas recentes da criminalidade e que são formadoras de opinião pela posição social que ocupam.
            Mesmo defendendo a eficiência do aparato estatal, o gestor de policiamento deve ter a consciência da limitação das ações de iniciativa puramente policial. Portanto, é necessário de algum modo provocar o envolvimento da comunidade, preferencialmente antes do avanço da insatisfação, e fazer com que os cidadãos abracem a causa da segurança pública de forma propositiva, colocando-se como extensão da polícia.
            Na verdade, a relação entre polícia e comunidade deve manter-se estreita a ponto de se fundir pela própria condição imanente de dependência, conforme preconizou Robert Peel: “A Polícia deve esforçar-se para manter constantemente com o povo um relacionamento que dê realidade à tradição de que a polícia é o povo e o povo é a polícia.”.[1]
            No plano ideal defendido, a comunidade deve se sentir como “os olhos da polícia”, também porque nunca haverá vigilância suficiente - por mais atuante que se apresente o policiamento preventivo - para evitar todas as manifestações criminosas apenas com os recursos humanos e logísticos policiais. Informação é sempre insumo essencial e, combinada com a responsividade (tempo de resposta) em nível adequado, resultará produtos perceptíveis e até contabilizáveis (prisões, capturas e apreensões) que podem realimentar um sistema participativo, aumentando o número de “denúncias” ou chamados com pedidos de intervenções policiais, o que é sinônimo do aumento da confiança da população em sua polícia e prova da reversão de um eventual quadro de insatisfação.[2]
            Pessoas que podem auxiliar no estabelecimento desses vínculos são representadas normalmente por presidentes de associações e órgãos não-governamentais, por lideranças políticas, pelo presidente da OAB, pelo diretor da associação comercial local e, principalmente, representantes do Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG) e outros Conselhos como o COMSEP (Conselho Municipal de Segurança Pública), que é instituído em algumas cidades por decisão do Executivo Municipal, e o CONSEG Rural, implantado por conta do programa de “policiamento rural” da Polícia Militar, entre 2009 e 2010, em várias localidades do estado de São Paulo, com participação de líderes representantes de moradores e produtores rurais das respectivas áreas.
            Instituídos no ano de 1985, em São Paulo, os CONSEGs são grupos de pessoas do mesmo bairro ou município que se reúnem para discutir e analisar, planejar e acompanhar a solução de seus problemas comunitários de segurança, desenvolver campanhas educativas e estreitar laços de entendimento e cooperação entre as várias lideranças locais. Cada Conselho homologado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) é uma entidade de apoio à Polícia Estadual nas relações comunitárias, e esses grupos se vinculam, por adesão, às diretrizes emanadas da SSP, por intermédio do Coordenador Estadual dos Conselhos Comunitários de Segurança. As reuniões ordinárias de cada Conselho são mensais, em horário previamente combinado, em imóveis de uso comunitário, segundo uma agenda definida por período anual. A Secretaria de Segurança Pública tem como representantes, em cada CONSEG, o Comandante da Polícia Militar da área (capitão comandante de companhia) e o Delegado de Polícia Titular do correspondente Distrito Policial, que são os dois membros natos de cada Conselho; além deles, participam também representantes dos poderes públicos, das entidades associativas, dos clubes de serviço, da imprensa, de instituições religiosas ou de ensino, organizações de indústria, comércio ou prestação de serviços, bem como outros líderes comunitários que residem, trabalham ou estudam na respectiva área de circunscrição. Sua legitimidade tem sido reconhecida pelas várias esferas de Governo e por institutos independentes, o que permite afirmar que os CONSEGs representam, hoje, a mais ampla, sólida, duradoura e bem sucedida iniciativa de Polícia orientada para a comunidade em curso no Brasil.[3]
            Não é de hoje que a Força Pública paulista investe na filosofia de “Polícia Comunitária”. Em 1997 ela iniciou um processo de gestão e mudança organizacional buscando maior aproximação com a comunidade, propósito maior da moderna visão de funcionamento de um órgão policial voltado à defesa do cidadão. Nesse ano foi criada uma comissão para análise e implementação da filosofia de Polícia Comunitária, no âmbito de todos os programas de policiamento, o que foi materializado em 1999, aperfeiçoando-se gradativamente os diversos canais abertos com a comunidade, dentre eles, com destaque os próprios CONSEGs.[4]
            O envolvimento da sociedade pode ser facilitado, sem dúvida, pela circunstância de o gestor de policiamento residir no município e “viver a comunidade” onde serve. O fato de já estar relacionado naturalmente com o grupo social facilita, em muito, os seus contatos com lideranças locais - não raras vezes constituindo amizades de longa data - e traz um peso de legitimidade às inovações colocadas em prática. Aos olhos do cidadão comum, esse gestor possui um especial e insuspeito interesse na melhoria das condições de segurança local, por ser também beneficiário direto na condição de estabelecido com sua família (filhos e esposa, especialmente) naquela localidade, provocando tal circunstância grande empatia, inspiradora de confiança. As relações com os grupos representativos, como o CONSEG, também são mais produtivas pelos vínculos maiores estabelecidos pela convivência local.



[1] Sir Robert Peel, 1º Primeiro Ministro Inglês, Fundador da Polícia Londrina, em 1829 escreveu um decálogo intitulado “Princípios da polícia moderna”. Além do citado princípio que conclui a clássica sequência, ele indicou outros três relacionados ao trabalho em sintonia com a comunidade, quais sejam: “A capacidade de a polícia realizar suas obrigações depende da aprovação pública de suas ações”;  “A polícia necessita realizar segurança com o desejo e cooperação da comunidade, na observância da lei, para ser capaz de realizar seu trabalho com confiança e respeito do público”; e “O nível de cooperação do público para desenvolver a segurança pode contribuir na diminuição proporcional do uso da força”.
[2] O indicador “responsividade” tem grande importância na análise da eficiência de um sistema policial. A maior agilidade policial para se apresentar num local de crime aumenta as chances de detenção do agressor e a pronta resposta amplia na comunidade a confiança pela certeza no seu atendimento, propiciando condições de colaboração e envolvimento desejado. A combinação do radiopatrulhamento (atendimento por solicitação telefônica) com outros programas de policiamento, em uma distribuição territorial bem planejada e em turnos condizentes com a demanda dos pedidos de intervenção (mediante análise permanente dos horários de pico de atendimento e características das diversas ocorrências), é capaz de reduzir o tempo de resposta. 
[3] Os CONSEGs foram criados pelo Dec. 23.455, de 10 de maio de 1985 em São Paulo (no governo de Franco Montoro), regulamentado pela Resolução SSP-37, de 16 de maio de 1985, complementado e modificado pelo Dec. 25.366, de 11 de junho de 1986. Fonte: http://www.conseg.sp.gov.br/conseg/default.aspx#, consultado em 04/06/2010.
[4] “São Paulo foi o primeiro Estado a sinalizar o interesse político em implantar esta filosofia de atuação policial, estabelecendo como prioridade de Governo, institucionalizando o Programa de Policiamento Comunitário utilizando-se para isso experiências de países que a adotam há vários anos o mesmo procedimento: Estados Unidos da América, Japão e Canadá. Em 2004 foi assinado um Acordo de Cooperação Técnica entre a PMESP e a Japan International Cooperation Agency (JICA) que permite a expansão da filosofia a outros Estados e Países da América Latina. A PMESP também teve a honra de, a partir de 2005, enviar 10 (dez) policiais militares por ano para fazer um curso de imersão e especialização por um período de 15 (quinze) dias no Japão, sendo escolhidos pelo comando aqueles que se encontravam na ponta da linha e desenvolviam o programa de policiamento comunitário, sendo definido para tal que dentre os escolhidos a comitiva contaria com um Coronel (chefe da delegação) um Major, um Capitão, dois tenentes e cinco Sargentos. Desde então a troca de informações entre culturas e polícias diferentes permitiu a atualização e modernização. Destaco que também exportamos idéias e conhecimentos, como é o caso da Base Comunitária Móvel, hoje inserida no contexto preventivo da Polícia japonesa , uma das mais avançadas do mundo.” (trecho de resposta à revista Época, encaminhada pelo Comandante Geral da PMESP de São Paulo, sobre matéria publicada na revista em 14/02/2010). No âmbito do programa de Policiamento Comunitária, o Estado de São Paulo possui 38 Bases Comunitárias de Segurança Distrital (BCSD) em pequenos distritos em que o policial mora com a família na mesma sede em que atende a comunidade (semelhante ao modelo japonês); o 32º BPM/I é referência nesse programa, por possuir instaladas 03 dessas BCSD (nos Distritos de Alexandria, Frutal do Campo e Porto Almeida, área de sua 3ª Cia, Cândido Mota) com uma quarta em fase de regularização, já em funcionamento, no Distrito de Roseta (área de sua 2ª Cia, Paraguaçu Paulista); no modelo japonês, essa base tem o nome tradicional de Chuzaishos e são as bases de segurança do interior, das cidades pequenas; apenas um policial trabalha e mora na base, juntamente com sua família; a residência é parte da base comunitária e até sua esposa está envolvida na prestação de serviços comunitários.

Adilson Luís Franco Nassaro

(divulgue, citando a fonte)

Leia mais em: "Estratégias de Policiamento Preventivo" 
Obra completa disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=HXdE68HtvlEC&printsec=frontcover&hl=pt 
(NASSARO, Adilson Luís Franco; LIMA, Lincoln de Oliveira; 2011).

Nenhum comentário:

Postar um comentário