sábado, 1 de setembro de 2012

Ações conjuntas e apoio institucional na prevenção criminal: relato de boas experiências


           A polícia constitui parte da engrenagem do chamado “Sistema Criminal” composto por vários atores e se apresenta inegavelmente como a face mais visível da estrutura do Estado. Especialmente o policial militar está presente no dia-a-dia da comunidade, no exercício ininterrupto de sua missão constitucional nas ações de preservação da ordem pública, mediante o policiamento ostensivo; sua presença e visibilidade, portanto, são fatores imprescindíveis para o alcance da sensação de segurança. Não obstante, a sua atuação pode e deve ser potencializada com o envolvimento de representantes de outros órgãos públicos locais ligados direta ou indiretamente às questões de segurança pública até porque, no amplo contexto da garantia da ordem, não é certo considerar a polícia como órgão por si mesmo suficiente. Enfim, deve ser reconhecida como imprescindível, mas não como auto-suficiente.
           Por isso, faz parte do passado a imagem de uma polícia dentro de quartéis fechados, ou equipes aguardando os fatos acontecerem a fim de simplesmente reagirem, na prática de intervenções puramente reativas. Hoje, as chamadas intervenções pró-ativas, aquelas de iniciativa dos agentes, são as mais valorizadas, e a aproximação com a comunidade preconizada pela filosofia da Polícia Comunitária, que permeia todos os programas de policiamento desde a década de 1990, impõem transparência absoluta do trabalho, bem como, a interface produtiva com representantes da comunidade e de órgãos das diversas áreas e esferas da administração pública. O objetivo final é claro: todos devem se sentir responsáveis pela segurança pública local, que também significa “qualidade de vida”.[1]
          Especialmente em nível de gerenciamento policial, contatos estratégicos entre comandantes e chefes de fração com dirigentes locais de outros órgãos policiais como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, com membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, diretores de estabelecimentos prisionais, responsáveis pela fiscalização fazendária, conselheiros tutelares e diretores de órgãos de fiscalização municipal (nas áreas: sanitária e de trânsito, dentre outras de interesse policial) são capazes de transformar uma realidade local por conta de operações conjuntas ou ações coesas que podem ser idealizadas nessas oportunidades, pela troca de informações e experiências e pela conquista do apoio institucional às iniciativas policiais mais ousadas, sem que se abra mão do aspecto da legalidade das ações, naturalmente.
          No caso da Polícia Federal, que tem como uma de suas competências constitucionais “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência”, em todo o território nacional (inciso II, do § 1º, do art. 144, da CF), seus delegados e agentes têm revelado ampla disposição para trabalhos conjuntos em diversas localidades, inclusive integrando informações na esfera de inteligência policial. Se para os traficantes não existe “fronteira”, a ação dos órgãos policiais não pode mesmo ser limitada por áreas geográficas intransponíveis, respeitadas obviamente as competências próprias e as estruturas funcionais de cada órgão e, nesse sentido, a força da “polícia” é uma só, voltada contra o mesmo criminoso.
            Por isso, espera-se que os respectivos gestores tenham iniciativas de aproximação e de trabalho integrado em nível regional e, para que tal ocorra, alguém precisa quebrar a barreira tênue do distanciamento, o que é possível por meio de uma primeira visita de cortesia e apresentação: esse é o ponto de partida. Reuniões de trabalho e planejamento virão naturalmente, com a identificação dos propósitos comuns.
            Na região de Assis/SP, por exemplo, durante a fase de preparação do programa de policiamento implantado em julho de 2009, o comando do batalhão e seus oficiais promoveram sistemáticas visitas de cortesia e de trabalho aos delegados de Polícia Federal e também a representantes de outros órgãos relacionados à segurança pública da região e receberam, como retribuição, visitas dos representantes locais desses mesmos órgãos. No caso da aproximação com a Polícia Federal, durante o segundo semestre de 2009 e início de 2010 foram desenvolvidas operações conjuntas, com acompanhamento do Ministério Público, após longa espera das melhores oportunidades de intervenção policial com base em detalhadas investigações provocadas por levantamentos preliminares de informações, o que resultou na prisão de diversos líderes criminosos que agiam na região.
           Especialmente os representantes do Ministério Público estadual precisam ser contatados pelo gestor de policiamento preventivo, em exercício permanente de integração, pois, como fiscais do cumprimento da lei e responsáveis pela iniciativa da ação penal, os promotores podem apoiar e certamente dispensarão toda a energia possível em benefício da ação policial legítima e necessária para restabelecimento da situação de ordem pública. Contatos pontuais para esclarecimento de posições interpretativas de ordem legal serão inclusive avaliados como iniciativas de valorização do papel institucional de ambos os órgãos. A intermediação possível para pleitos junto ao Poder Judiciário de interesse operacional para fins policiais, a exemplo de eventual pedido de mandado de busca e apreensão domiciliar, é motivo concorrente para a salutar aproximação dos dirigentes, em razão de que o promotor é ouvido antes de decisões judiciais, mesmo cautelatórias, relacionadas à área criminal.
            Na mesma região, ainda, os dois promotores criminais atuantes junto ao Fórum foram contatados e informados das providências que os órgãos policiais locais pretendiam adotar em caráter emergencial e houve apoio incondicional, mesmo em relação às iniciativas consideradas ousadas como: encaminhamento de pessoas em situação de vadiagem ao distrito policial para cadastramento e providências na esfera de polícia judiciária (o que não significava prisão ou detenção); a apreensão de veículos com equipamentos de sonorização causadores de perturbação do sossego público para perícia técnica; e a saturação de intervenções pró-ativas do policiamento ostensivo na região central da cidade. Contatos posteriores foram mantidos, em conjunto ou individualmente, pelos dirigentes locais dos dois órgãos policiais, pessoalmente ou via fone. A ponte natural entre os promotores e os magistrados do juízo criminal propiciou ampliação, ainda que não explícita, do apoio necessário ao trabalho policial.
             Ainda, revelou-se produtiva a aproximação com promotores especializados do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) atuantes na região. A partir dos contatos preliminares estabelecidos, importantes prisões foram viabilizadas, com foco nas organizações criminosas e suas lideranças envolvidas principalmente com lavagem de dinheiro e redes com máquinas de jogos de azar, algumas delas associadas ao tráfico de drogas.[2]
         Especificamente quanto ao apoio dos representantes do Poder Judiciário, é necessário anotar que o juízo da Infância e da Juventude começou a autorizar as custódias de menores infratores reincidentes que frequentemente eram utilizados como linha de frente da prática de furtos, roubos e tráficos de drogas (e assumindo as autorias na certeza de que permaneceriam livres), ou seja, passou a determinar medida sócio-educativa mais rigorosa com privação de liberdade por três meses nos casos mais graves. Em menos de um semestre, aproximadamente cem menores foram custodiados junto à Fundação Casa (antiga FEBEM) que na região possui unidade na cidade de Marília, resultado da forte reação policial e dos desdobramentos da estratégia preventiva adotada que incluía ampla divulgação das custódias (ressalvada a divulgação dos nomes e imagens dos menores). Rapidamente a notícia se espalhou na cidade e muitos menores foram desestimulados a participarem em ações criminosas e, consequentemente, vários deles deixaram de ser aliciados.[3]
            O intercâmbio de preciosas informações com dirigentes de estabelecimentos prisionais permitiu um melhor conhecimento do perfil das lideranças do crime na região e o planejamento de ações dirigidas, com base no fortalecimento do setor de inteligência policial voltado à realidade local. Também a relação próxima estabelecida com o perito chefe do núcleo de polícia técnico-científica de Assis mostrou-se importante para a agilidade das providências desse órgão, economizando-se tempo de espera em preservações de locais de ocorrência, além do ganho na conjugação de esforços para esclarecimentos de crimes. [4] A troca de informações foi viabilizada em reuniões conjuntas dos dirigentes dos três órgãos policiais (militar, civil e técnico-científico), que contaram também com a participação voluntariosa do diretor do estabelecimento prisional local.   
            Operações com apoio policial-militar aos agentes de fiscalização fazendária em locais de grande circulação de veículos também aumentaram a visibilidade da força policial, ao mesmo tempo em que houve a aproximação dos representantes dos órgãos envolvidos, favorecendo acionamentos inesperados em outras ocasiões.
            A ação conjunta em fiscalização programada dos membros do Conselho Tutelar em ambientes usualmente frequentados por menores que ingeriam bebidas alcoólicas, cujos proprietários e administradores (do estabelecimento) estavam sujeitos às sanções penais, foi estimulada em reuniões de nível gerencial, o que resultou operações conjuntas em locais também com suspeita de patrocínio da prática de prostituição infantil ou exposição de menores a situações de constrangimento, além de fiscalizações em ambientes diversos (shows, bailes, discotecas e similares) cuja frequência de menores é limitada por horários e condições definidos em portaria do Juízo da Infância e da Juventude (no município de Assis, portaria n. 02/2000). Na verdade, o apoio policial-militar já vinha sendo prestado, mas o que se conquistou com a maior aproximação dos órgãos foi o planejamento eficiente - e sem formalidades - das referidas fiscalizações.  
           Ainda, ações conjuntas foram tratadas com agentes de órgãos de fiscalização municipal na área de vigilância sanitária e de trânsito. Por fim, parcerias foram estabelecidas com responsáveis pelo PROCOM, com sede no município, em campanhas preventivas relacionadas ao exercício dos direitos dos consumidores e apoios esporádicos prestados em ações fiscalizadoras também de competência dos seus agentes. Esse órgão de proteção ao consumidor com representação regional coordenou campanha de orientação e fiscalizações quanto à restrição do uso de cigarro decorrentes de lei estadual em São Paulo, também no segundo semestre do mesmo ano (lei n. 13.541 de 07 de maio de 2009, conhecida como lei “antifumo”), com participação de policiais militares e contando com ampla adesão popular, razão pela qual foram raros os incidentes registrados na região.   


[1] O próprio art. 144, da Constituição Federal, ao mesmo tempo em que relaciona os órgãos policiais por meio dos quais a segurança pública será exercida (inciso de I a V), prescreve no caput a responsabilidade coletiva para a sua concretização, nos seguintes termos: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...)”

[2] Conforme disponível no site do Ministério Público paulista, “o GAECO é um grupo de atuação especial  criado pela  Procuradoria Geral de Justiça  em   1995,  que tem como função básica o combate a organizações criminosas e se caracteriza pela atuação direta dos Promotores  na prática de atos de investigação, diretamente ou em conjunto com organismos policiais e outros organismos. A partir de  1998 foram criados os GAERCOS regionais, visando atender às outras regiões do Estado de São Paulo” (grifo nosso).
Fonte: http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/gaeco/Historico, consultado em 03/06/2010.
[3] O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prescreve a possibilidade de internação com condições particulares (Lei Federal nº 8.069/90).  “Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. § 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses. (...)
[4] A Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) foi criada em 1998 em São Paulo, para administrar as perícias criminalísticas e médico-legais realizadas em todo o estado. Ela é hoje responsável pela coordenação dos trabalhos do Instituto de Criminalística e do Instituto Médico Legal e está subordinada diretamente à Secretaria de Segurança Pública, trabalhando em estreita cooperação com as Polícias Civil e Militar, além do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). A Polícia Técnico-Científica é especializada em produzir a prova técnica (ou prova pericial), por meio da análise científica de vestígios produzidos e deixados durante a prática de delitos. A prova pericial é indispensável nos crimes que deixam vestígio e constitui a principal fonte da Justiça no estabelecimento de sanções, penas e indenizações, mesmo que haja a confissão do criminoso que cometeu o delito. Fonte: http://www.polcientifica.sp.gov.br/institucional_superintendencia.asp.  (Consulta em 03/06/2010).

Adilson Luís Franco Nassaro

(divulgue, citando a fonte)

Leia mais em: "Estratégias de Policiamento Preventivo" 
Obra completa disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=HXdE68HtvlEC&printsec=frontcover&hl=pt 
(NASSARO, Adilson Luís Franco; LIMA, Lincoln de Oliveira; 2011).

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