quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Iniciativas do gestor de policiamento preventivo como estratégias locais de segurança pública


É certo que sem segurança, em sentido amplo, não há condições de desenvolvimento pleno em qualquer outra área, ou seja, sem “ordem” não há progresso. O anseio por mais segurança se caracteriza não somente como um pleito local, mas como uma demanda de todo um país, ensejando maior ou menor clamor público, dependendo do alarde provocado e também, evidentemente, dos índices criminais verificados no bairro, município, região ou Estado.
Essa percepção de necessárias ações em favor da segurança coletiva significa um incômodo ruído que alcança os diversos níveis da administração pública, dos meios produtivos e da população em geral.
Se não chega a inviabilizar o desenvolvimento de outras áreas, a simples cogitação de deficiência na segurança pública inflaciona os valores necessários aos investimentos que podem trazer qualidade de vida; e esse fator pode ser reconhecido como “custo da insegurança”. Crescem os preços dos seguros, tornando impraticáveis negócios de risco e, como reação à demanda, cresce também a oferta dos serviços privados de segurança o que não é um mal em si, mas um efeito que deve ser considerado porque os agentes particulares não atuam somente em ambientes privados, mas também em áreas públicas a exemplo dos serviços de escolta e de transportes de valores. Também a popularização do uso de barreiras (físicas) e, inclusive, de recursos tecnológicos contra o crime interferem na dinâmica e no modo de ação criminosa e movimentam um mercado crescente. (vide MENDONÇA, Antonio P. O Preço da Violência. Artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, de 01/03/2010, caderno Economia, p. B6. Trechos: “Para efeito deste artigo o que importa é o custo que estes delitos representam para a nação e impedem que as seguradoras disponibilizem as apólices necessárias para proteger a sociedade brasileira contra os acidentes da vida (...) Dinheiro que deixa de ser investido em novos negócios porque é necessário para repor perdas relativamente evitáveis, que, num cenário menos dramático e mais administrado, poderiam ser suportadas pelas seguradoras.”)
Toca-se, nesse ponto, em uma questão sutil: a segurança é um produto imaterial e ela é sentida. Tratando-se dos comportamentos anti-sociais mais graves, considerados crimes, busca-se, como plano ideal, o estágio de total ausência de práticas delituosas, patamar que, paradoxalmente, extinguiria a força policial pelo reconhecimento de sua desnecessidade e, também, assim ocorreria com outros órgãos do sistema criminal. Sabendo-se que nunca será alcançado tal estágio de ausência de delitos, persegue-se um nível considerado “aceitável” de segurança pública, o qual não é possível identificar em análise puramente quantitativa, mas qualitativa. Essa percepção somente poderia ser medida ou confirmada mediante uma séria e ampla pesquisa de opinião pública.
Também, no campo empírico não é possível avaliar quantas infrações ou condutas criminosas deixaram de ser praticadas em razão do trabalho policial de prevenção. A constatação vem quase sempre no sentido inverso, ou seja, quantas condutas irregulares foram praticadas (registradas) no período avaliado apesar dos esforços e de todas as realizações - prisões, dentre elas - materializadas. Essa noção desse ser invertida, logicamente, para valorizar a produtividade policial pelo aspecto positivo, qual seja, o de suas realizações. As divulgações na área do trabalho policial, em especial, deveriam priorizar os indicadores positivos para incentivar a manutenção de boas práticas, em um círculo virtuoso de ações positivas que se realimenta. Isso deve constituir uma das preocupações constantes do gestor de policiamento preventivo, pois ele também trabalha com a “força da imagem”, muito além da sua “imagem de força”.
Não obstante, ainda que sem rigor científico, algumas pesquisas apresentam um quadro de insatisfação da população com a questão da segurança pública, mesmo com os reconhecidos avanços observados na primeira década do século XXI, especialmente no Estado de São Paulo.
(Constata-se que São Paulo teve redução de 70% no número de homicídios dolosos, de 1999 a 2008. Essa diminuição das mortes intencionais é comparável à observada apenas em dois casos mundiais de sucesso no combate à criminalidade: Nova Iorque, entre 1993 e 2003, e em Bogotá, mais recentemente. Em São Paulo, como nessas duas cidades, após longo período de redução, o número de homicídios dolosos voltou a crescer (7% no primeiro trimestre de 2010); mas, apesar da oscilação, o crime contra a vida se mantém sob controle. A taxa de homicídios no Estado caiu de 35,27 por grupo de 100 mil habitantes/ano, em 1999, para 10,95/100 mil, em 2009. Para efeito de comparação, nas cidades norte-americanas de Detroit, a taxa é de 47,3; e, em Memphis, de 21,6 homicídios dolosos por 100 habitantes. Fonte: página da SSP/SP, consultada em 08 de junho de 2010 (http://www.ssp.sp.gov.br/acoes/acoes_taxa-homicidios.aspx).
A Revista Veja publicou matéria completa sobre a questão em novembro de 2009, destacando a importância da gestão de polícia, como uma área em que as forças policiais podem e devem investir para melhorar a sua eficiência, depois de um diagnóstico sombrio que, por questão de justiça não pode ser generalizado, evidentemente:
“Na origem de todos esses fatos está a péssima gestão que se verifica na maioria das polícias brasileiras, cujos comandos ainda acreditam que tudo se resolve com mais policiais e armamento cada vez mais pesado. "A pesquisa mostra um sério problema de gestão. O Brasil tem uma das maiores proporções de policiais por habitante, mas a maioria dos entrevistados considera que seriam necessários mais homens na rua", afirma o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva. Os serviços de segurança pública custam aos brasileiros 16 bilhões de reais por ano. Se não fosse por todas as outras razões, muito mais importantes, haveria esta a exigir um padrão de qualidade superior. No entanto, é mínimo o nível de satisfação com o serviço pelo qual se paga. Além de ouvir os policiais, a CNT/Sensus fez uma pesquisa com a população, na qual entrevistou 1.000 pessoas em 24 estados. Para 80% dos brasileiros, a situação da violência está fora de controle; e as ações da polícia para acabar com o crime são inadequadas, segundo 53% dos entrevistados. A formação dos policiais está aquém do esperado por 60% das pessoas. É um diagnóstico grave. A população está com medo e confia pouco na polícia (46% das respostas). A vida nas cidades é insegura para um terço dos moradores. E o medo sabota as cidades. Ruas vazias são territórios de gangues. Retomar os espaços urbanos das mãos dos bandidos tem um efeito profilático contra o crime. Mas a operação de desembarque dos brasileiros de volta às suas ruas e praças e aos passeios noturnos não pode ser um ato de coragem individual. Ela tem de ser liderada por suas polícias. Isso só acontecerá se, antes, elas mesmas se libertarem das amarras que sequestram sua eficiência” (FRANÇA, Ronaldo. A polícia e o cidadão diante do crime. Revista Veja, ed. 2141, 02/12/2009. São Paulo: Abril).
No que diz respeito às atividades na esfera de polícia, a experiência indica que, na verdade, são basicamente três os fatores que podem tornar o trabalho mais eficiente, por iniciativas do gestor de segurança, quais sejam: o emprego de policiais melhor preparados; o uso de tecnologia; e uma boa administração, com a otimização do emprego dos recursos disponíveis.
O primeiro e o segundo fator não dependem direta ou exclusivamente do administrador local, apesar de em algumas situações ele ter a possibilidade de nelas influir; no entanto, quanto ao terceiro fator, ele pode trabalhar de imediato com a melhoria da gestão, viabilizando-se rapidamente o emprego eficiente dos recursos disponíveis e isso é possível com o desenvolvimento de boas estratégias na área de policiamento preventivo. E além do conhecimento, a motivação e a criatividade constituem as principais virtudes que um gestor de policiamento preventivo pode possuir para obter sucesso nessa empreitada.
Portanto, o gestor de policiamento preventivo deve desenvolver “estratégias” (em sentido amplo) de emprego eficiente dos seus recursos para alcançar os objetivos de uma boa administração policial, em nível operacional especialmente, que viabilizem o alcance das metas propostas e, para esse fim, colocará em prática seus conhecimentos e habilidades de liderança. São as suas próprias iniciativas que poderão transformar a realidade imediata.
O significado da palavra “estratégia”, quase sempre relacionado à “arte”, oferece uma dimensão exata da conduta desse importante gestor, especialmente quando não restrito às acepções vinculadas às características originalmente militares do vocábulo, sem desconsiderar a ligação histórica do termo à prática da guerra (TZU, Sun. A Arte da Guerra. Trad. Ed. São Paulo: Ciranda Cultural, 2006. Essa obra clássica se perpetuou apresentando como “arte” estratégias chinesas milenares utilizadas na guerra. Suas elaborações têm qualidade atemporal e são úteis nos estudos sobre liderança e tomada de decisões).
Do grego strategía, pelo latim strategia, o substantivo feminino adquiriu ao longo do tempo os seguintes sentidos: “1.Arte militar de planejar e executar movimentos e operações de tropas, navios e/ou aviões, visando a alcançar ou manter posições relativas e potenciais bélicos favoráveis a futuras ações táticas sobre determinados objetivos. 2.Arte militar de escolher onde, quando e com que travar um combate ou uma batalha. [Cf., nesta acepç., tática (2).] 3.P. ext. Arte de aplicar os meios disponíveis com vista à consecução de objetivos específicos. (grifo nosso) 4.P. ext. Arte de explorar condições favoráveis com o fim de alcançar objetivos específicos. (grifos nosso) 5.Fig. Fam. V. estratagema (2).” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996).
As melhores acepções de “estratégia”, para o propósito do policiamento preventivo, remetem ao aspecto da eficiência operacional, para a consecução de objetivos específicos. E somente é capaz de desenvolver “arte”, quem tem motivação e criatividade.

Autor: Adilson Luís Franco Nassaro
(reprodução autorizada, desde que citadas a fonte e a autoria)

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