segunda-feira, 2 de novembro de 2009

CIÊNCIAS POLICIAIS DE SEGURANÇA E ORDEM PÚBLICA


Autor: Adilson Luís Franco Nassaro

A Lei Complementar n. 1.036, de 11 de janeiro de 2008 (São Paulo), conhecida como Lei de Ensino da Polícia Militar de São Paulo, estabeleceu a condição de “Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública” ao tradicional e concorrido Curso de Formação de Oficiais da Academia de Polícia Militar do Barro Branco. Atribuiu, também, como mestrado e doutorado, respectivamente, os Cursos de Aperfeiçoamento de Oficiais (para Capitães) e o Superior de Polícia (para Majores e Tenentes-Coronéis), com a mesma designação de titulação, no nível de pós-graduação.

Essa mudança, dentre outras boas inovações trazidas, foi recebida como uma valorização dos cursos do sistema de ensino da Instituição, pelo reconhecimento do seu nível e pela definição do objeto de pesquisa no meio acadêmico superior da Polícia Militar paulista, voltado à formação (bacharelado) e pós-graduação (mestrado e doutorado) do corpo de oficiais. A titulação é voltada, portanto, aos comandantes, ou gestores, daqueles que se dedicam à polícia ostensiva e à preservação da ordem pública - competência das Polícias Militares, nos termos do art. 144, par. 5º, da Constituição Federal.

Já o Decreto nº 54.911, de 14 de outubro de 2009, regulamentou a citada Lei e trouxe a composição do Sistema de Ensino da Polícia Militar, com as atribuições de cada órgão; as condições de ingresso e o funcionamento dos cursos, além de disposições gerais relativas ao tema. Naturalmente, pela sua finalidade específica, não chegou a traduzir o sentido da expressão “Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública”; no entanto, indicou um norte, ao tratar do propósito do Bacharelado, primeira etapa da capacitação do Oficial, nos seguintes termos:

Artigo 55 - O Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública é o curso de graduação, destinado a formar, com solidez teórica e prática, o profissional ocupante do posto inicial de Oficial, tornando-o apto ao comando de pessoas e à análise e administração de processos, por intermédio da utilização ampla de conhecimentos na busca de soluções para os variados problemas pertinentes às atividades jurídicas e administrativas de preservação da ordem pública e de polícia ostensiva, em conformidade com a filosofia de polícia comunitária, além de outras definidas em lei.

Interessa, na formação do oficial, a transmissão de conhecimentos nos níveis teórico e prático, que o tornem capaz de exercer comandamento e que o tornem habilitado a alcançar soluções em universo complexo e dinâmico de ação, na esfera de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, orientando-se pela filosofia de polícia comunitária que desde a década de 90 permeia a Instituição, em todos os seus programas de policiamento e em todos os seus níveis de ensino. Ainda, cabe acrescer, que essas soluções, em forma de decisões, devem harmonizar-se com a preservação dos direitos humanos e com a permanente busca da eficiência, princípio da administração pública, em gestão voltada para a qualidade. Para tanto, esses conhecimentos transitarão entre os campos jurídico e administrativo, de modo a capacitar o profissional para enfrentamento dos diversos desafios da carreira.

No momento especial de sua trajetória profissional, como Oficial Intermediário (Capitão PM), mediante concurso interno, poderá concluir pós-graduação em nível de mestrado profissional, que o habilitará à promoção ao posto de Major. Confirma-se, em dispositivo do mesmo Decreto analisado, o aspecto de continuidade da sua capacitação, como segue:

Artigo 68 - O Mestrado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública constitui programa de mestrado profissional direcionado para a continuidade da formação científica, acadêmica e profissional, sendo destinado a graduar o Oficial Intermediário, capacitando-o à pesquisa científica, à análise, ao planejamento e ao desenvolvimento, em alto nível, da atividade profissional de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, de bombeiro e de execução das atividades de defesa civil.

Finalmente, para habilitar-se ao posto máximo da carreira (Coronel PM) o Oficial Superior deverá, também depois de superar concurso interno, concluir pós-graduação em nível de doutorado com as seguintes características previstas no mesmo diploma legal:

Artigo 74 - O Doutorado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública constitui programa de doutorado direcionado para a continuidade da formação científica, acadêmica e profissional, sendo destinado a graduar o Oficial Superior para as funções de administração estratégica, direção, comando e chefia nas áreas específicas de polícia ostensiva, preservação da ordem pública, de bombeiros e de execução das atividades de defesa civil, bem como do assessoramento governamental em segurança pública.

Importante notar que o bacharelado, que é curso superior que abre as portas para a carreira de Oficial da Polícia Militar de São Paulo, desde muito tempo desperta grande interesse dos jovens paulistas, constituindo, dentre os atuais cursos com vestibular organizado pela FUVEST, o mais disputado por anos seguidos, tanto no quadro masculino quanto no quadro feminino (o curso de medicina, famoso pela elevada disputa por vagas, aparece em segundo lugar, em São Paulo).

Já os dois cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) são desenvolvidos no CAES, antigo Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores e que teve o seu nome atualizado, pelo mesmo Decreto nº 54.911, de 14 de outubro de 2009, para “Centro de Altos Estudos de Segurança, Cel PM Nelson Freire Terra (CAES – Cel PM Terra)”. Uma justa adaptação que manteve a tradicional sigla e a homenagem ao seu patrono e destacou o aspecto de estudos de segurança em alto nível, para uma Escola que já vinha apresentando padrão de excelência, como conceituado centro de pesquisas na área dos conhecimentos policiais. Atualmente, o CAES busca parcerias com outros órgãos de ensino superior, como a UNESP, e o reconhecimento dos seus cursos de pós-graduação junto à órgão federais, para ampliação do intercâmbio, por meio de viabilização de bolsas de estudo, dentre outras iniciativas produtivas no meio acadêmico.

A segurança pública, que é um dos quatro principais temas abordados em programas de governo - que não são difíceis de lembrar: trabalho, segurança, saúde e educação -, vem merecendo destaque, diante da dinâmica e da complexidade da vida contemporânea, do avanço da criminalidade em alguns setores e da necessidade da garantia do cumprimento da lei, da ordem e de um padrão mínimo de harmonia nas relações entre os integrantes da sociedade. Sem essas condições, não é possível o avanço em outros setores básicos, com a preservação dos direitos individuais e dos principais bens jurídicos tutelados pelo Estado, quais sejam: a vida e a integridade física e a dignidade humana das pessoas.

Portanto, é certo dizer que a expressão “Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública” merece toda a atenção dos acadêmicos e pesquisadores, pois se encontra com elevado prestígio e se apresenta como um desafio em face da necessidade de construção e organização sistematizada do seu conteúdo doutrinário e programático, em tema de extrema relevância para todos que vivem em sociedade.

Álvaro Lazzarini, renomado administrativista, professor e autor de inúmeros trabalhos jurídicos relacionados atividade policial, apresentou sua definição, para delinear o significado, conteúdo e contornos de Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública (Revista “A Força Policial”, PMESP, n. 58, 2008), como: “Conjunto sistemático e objetivo dos fenômenos que interessam à atividade policial para o regular exercício do poder de polícia, balizado pelos princípios jurídicos das Ciências do Direito e afins, como também pelas modernas técnicas da Ciência da Administração Pública, com a finalidade de realizar o bem comum”.
Na forma como foi adotado, o título pode trazer a impressão de que “segurança” e “ordem pública” envolvem universos diversos e complementares (a segurança à que se refere, é a “segurança pública”, evidentemente). Ocorre que, acompanhando-se o raciocínio de grande parte dos estudiosos dessa área de conhecimentos, a ordem pública é ampla e engloba a segurança pública, que constitui um dos seus aspectos.
Ainda o professor Álvaro Lazzarini, no seu valioso estudo “Polícia da Manutenção da Ordem Pública e a Justiça” (em Direito Administrativo da Ordem Pública, 2ª edição, ed. Forense, 1987), citou vários autores para consolidar a noção de que a ordem pública abrange os aspectos de segurança pública, de tranquilidade pública e de salubridade pública, conforme acentuou:

“Louis Rolland, Professor de Direito Público Geral da Faculdade de Direito de Paris, ao cuidar da política administrativa (1947), enfatizou ser a noção de ordem pública extremamente vaga. Mas partindo de textos legais, diz ter a policia por objeto assegurar a boa ordem, isto é a tranqüilidade pública, a segurança pública, a salubridade pública, concluindo, então, por assegurar a ordem pública é, em suma, assegurar essas três coisas, pois a ordem pública é tudo aquilo, nada mais do que aquilo. Paul Bernard, na sua clássica “la notion d´ordre public em Droit Administratif” (1962), atesta ser tradicional o entendimento de que a ordem pública é a ausência de desordens (“l´absence de troubles”), chamando, porém, atenção para o fato de essa noção, mais recentemente, estar se alargando, como parece consagrar a jurisprudência, à vista dos seus três elementos citados por Louis Rolland”.

Provavelmente para acentuar a “segurança”, aspecto mais evidente dentro do universo maior, o título adotado acabou por sobrepor dois conceitos que são naturalmente interligados. Bastaria tratar de “ordem pública”, mas optou-se por destacar a segurança (pública) que é aspecto próprio da atividade de polícia de manutenção da ordem pública, sem desprezar, por outro lado, outros aspectos que dão maior amplitude à chamada ordem pública.

Também no esforço de conceituação de Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, outra abordagem é trazida por Célio Egídio da Silva, dessa vez no campo filosófico (em “A Autonomia das Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública”, CAO-II-09, PMESP, 2009), quando define a expressão e a qualifica, da seguinte forma:

“Ciência na área das humanidades que verifica, analisa, pesquisa e desenvolve uma metalinguagem da "praxis" policial que envolve as atividades de polícia ostensiva e investigativa, em seu sentido restrito. Em sentido amplo, a conceituação abrange também as atividades de ordem e segurança pública, esta sim, na plenitude da atividade estatal de polícia que busca a melhor convivência social e democrática. É uma da velha mas neófita, ciência, pois o conglomerado de conhecimentos acumulados em quase dois séculos de existência das corporações policiais trazem a tona uma seara de conhecimento a ser pesquisada e traduzida à luz da ciência policial, autonôma e tendo as demais como ciências afins”.

Enfim, nota-se que se trata de uma ciência de característica empírica, ou seja, cujos conhecimentos sistematizados se originam na observação das boas práticas e da doutrina aplicada à operacionalidade policial, que dão suporte ao regular exercício do poder de polícia, para a preservação da ordem pública. O enfoque do estudo concentra-se ora no conteúdo das Ciências do Direito e afins, ora no conteúdo da Ciência da Administração Pública, que prestigia a eficiência como um dos seus princípios, orientando-se pela gestão de qualidade, pela proteção dos direitos humanos e pela filosofia do policiamento comunitário.

O desafio que hoje se apresenta é a organização do conjunto desses conhecimentos, em formato sistêmico e a delimitação dos contornos da nova - e ao mesmo tempo antiga - Ciência, o que vai motivar pesquisa e difusão de idéias, propiciando a melhor formação dos profissionais encarregados de zelar pela ordem pública, por meio de atividades propriamente policiais.

10 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo.

    O 'gap' apontado sobre gestão por melhores práticas, experimentadas e reconhecidas, é a foco do nosso trabalho atualmente.
    Seu epontamentos na área de direito está sendo de grande valia paro o nosso alinhamento em 'compliance'.

    Tks!

    Aercio Dornelas Santos

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  2. Abraço ao amigo Dornelas e demais companheiros que atuam na área de tecnologia e projetam a polícia do futuro. Sucesso!

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  3. Parabéns pelo trabalho Nasaro!
    Excelente forma de se divulgar os valores e as particularidades de nossa tão difilcutosa carreira.
    Abraços.

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  4. Wilhelm: vamos manter contato. Bom receber sua visita. Sucesso. Abs

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  5. Parabéns Adilson Luís Franco Nassaro, pois o artigo foi muito bem redigido, com lucidez, coerência e sólida fundamentação.

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  6. Ao pessoal do CSP I 2012 nosso reconhecimento e apreço. Grande abraço!
    Amigo Américo: solicito divulgar, dentro do possível, o nosso blog (ativo desde 2009 com muito conteúdo sobre ciências policiais): www.ciencias-policiais.blogspot.com.br
    Sucesso!

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  7. Tenho a honra de fazer parte dos oficiais formados pelo CAES, CSP 2010. Parabéns pelo artigo companheiro.

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  8. Esses cursos de Mestrado e Doutorado são reconhecidos pelo CAPES?????

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